O teletrabalho chegou para ficar. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), uma em cada cinco profissões no país pode adotar home office. O formato pode alcançar 20 milhões de trabalhadores, podendo ser aplicado por 22,7% das ocupações mesmo depois que a pandemia passar. Em todo o país, o DF tem o maior potencial de trabalho remoto: aqui, 31,6% das funções podem ser executadas a distância. Em seguida, aparecem São Paulo (27,7%) e Rio de Janeiro (26,7%). O Piauí (15,6%) ficou na última colocação.
O levantamento, seguindo metodologia da Universidade de Chicago, avaliou 434 avaliações e colocou o Brasil na 45ª colocação no ranking mundial de trabalho remoto e como segundo colocado na América Latina, atrás apenas do Chile. O formato, na verdade, é antigo, mas, para muita gente, só virou realidade na crise de covid-19.
Trabalhadores da ciência, intelectuais, diretores e gerentes técnicos, profissionais de nível médio e apoio administrativo estão entre os com mais chances de ficar em teletrabalho. No outro extremo, com menos probabilidade de home office, estão militares, instaladores de máquinas e pessoal de agropecuária, pesca e caça.
Muita gente teve de migrar para o formato de uma hora para a outra com a pandemia. Assim, nem sempre os trabalhadores contam com a estrutura adequada. Há quem não tenha nem mesmo uma escrivaninha. Estar com o notebook no colo faz parte da rotina de muitos. No entanto, estar confortável e estar com uma postura saudável nem sempre são a mesma coisa.
Sentar no sofá ou na cama, por exemplo, pode até ser cômodo, mas também pode resultar em diversos problemas para a coluna. Uma má postura traz risco de causar diversos problemas, como dores nos olhos, pescoço, cabeça e costas; fadiga; e até mesmo, escoliose, hiperlordose, LER (Lesão por Esforço Repetitivo) e tendinites. É o que explica a fisioterapeuta Gislaine Milena Marton. Então, sim, a posição que você usa para trabalhar é importante e deve ser levada em conta, pois afeta até o seu rendimento profissional. Ergonomia no home office é assunto sério!
Cuidado com onde se senta
“Muitas vezes, no escritório as pessoas têm algumas orientações sobre ergonomia e equipamentos adequados, ou o próprio ambiente dispõe disso. Já em casa, normalmente, não há um local específico para as atividades, e acabamos trabalhando em qualquer lugar”, comenta Gislaine Milena Marton, fisioterapeuta pela Universidade de São Paulo (USP).
No ambiente corporativo, com mesa e cadeira ergonômicos, o profissional não sente tanto os efeitos negativos de passar horas do dia sentado. Contudo, em casa não são todos que têm um ambiente que alie conforto e saúde para usar na hora do serviço. Muitos podem não ter uma mesa da altura certa, ou uma cadeira confortável para passar o dia trabalhando. Por isso, recorrem a outros lugares. Até estruturas como um puff ou o tapete da sala entram em jogo.
A postura inadequada, além de causar dores e problemas em longo prazo, pode prejudicar a produtividade. “Isso porque causa, entre outras complicações, fadiga, desconforto e dores que atrapalham no desenvolvimento de atividades durante o dia. Ou seja, a postura correta vai auxiliar para que a produtividade melhore, mesmo trabalhando de casa”, relata Gislaine
Cirurgião vascular, Álvaro Pereira de Oliveira comenta que uma das principais dificuldades do home office é o espaço físico. “Diferentemente do trabalho no escritório, em casa, muitos preferem fazer o serviço deitados ou no sofá, por exemplo. Assim, não conseguem se adaptar a esse tipo de trabalho do ponto de vista físico e desenvolvem problemas”, diz o médico formado pela FMU.
Para além da estrutura e dos equipamentos, outros comportamentos afetam a ergonomia do teletrabalho. “Para ter boa saúde física, é preciso manter uma rotina. Levantar no mesmo horário todos os dias, ter alguma forma de exercício diário, regular o horário de trabalho e das refeições, assim você evitar ficar pensando em comida toda hora”, aconselha.
Ai, minha coluna!
A professora de canto e musicoterapeuta Gisele Meira, 56 anos, tem enfrentado problemas de falta de ergonomia no home office. Formada pela Escola de Música de Brasília, Gisele trabalha a partir da mesa da sala, mas o ambiente não é adequado. “Tenho sentido muitas dores nas costas por causa da postura”, relata. Ela procura se movimentar quando pode para evitar os incômodos.
Gisele mudou o período das sessões para que não fiquem prejudiciais fisicamente nem para ela e nem para os alunos. “Minhas aulas agora são de 30 minutos, com um espaço de meia hora entre elas. Nesse tempo, eu me levanto e alongo para aliviar as dores”, conta. “A produtividade se torna diferente, as aulas normalmente são de 50 minutos presencialmente. Precisei fazer essa adaptação para não ficar cansativo”, explica.
Rayssa Sousa de Andrade, 26 anos, formada em engenharia elétrica pelo Instituto Federal da Paraíba (IFPB), está trabalhando de casa, em João Pessoa (PB), para a Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema) da Paraíba. Incômodos físicos se tornaram comuns. “No meu quarto já existe um ambiente com uma escrivaninha e cadeira, e fiz dele o meu escritório de trabalho. Passar muito tempo sentada me incomoda, mas costumo sempre levantar durante um período para aliviar as dores que sinto nas costas”, diz.
Para Manoel Alves de Almeida Neto, 19 anos, estudante de direito do Centro Universitário Euro Americano (Unieuro), além da falta de ergonomia, os problemas de conectividade prejudicam o home office. Ele é estagiário da Polícia Federal desde dezembro de 2019 e relata dor nas costas por ficar muito tempo sentado.
Enfrentou ainda desafios para conectar o servidor do trabalho ao computador em casa. “Nunca carregava. Havia problemas no modem e na minha máquina que impediam, e isso atrapalhou demais o meu serviço”, conta. Para complicar, a senha do trabalho expirou. “Normalmente, eu resolveria isso em minutos, mas, no home office, demorou quase uma semana”, relata.
Acessibilidade digital
As queixas de Manoel são compartilhadas por milhares de trabalhadores que, de uma hora para outra, foram trabalhar em casa por causa da pandemia, mas sem ter qualquer preparo para isso. Uma pesquisa da rede de escolas de programação Happy Code mostra que 44% dos profissionais de educação enfrentam problemas com a internet ruim ou a falta de um equipamento, como o computador.
Esses dados são referentes somente aos profissionais da área da educação e podem ser ainda maiores considerando-se pessoas de outras áreas. Rubens Branchini, diretor comercial da empresa de TI ES Tech, avalia que os trabalhadores das empresas de grande porte não são os que mais sofrem com o home office, muito pelo contrário. “O pessoal das de menor porte tem mais problemas no processo de adaptação porque não existia teletrabalho nessas organizações, algo que já é realidade em várias firmas grandes”, comenta.
O momento serve para trazer aprendizados para todo tipo de trabalhador e de organização. Ele afirma que várias empresas devem aderir a essa forma de serviço de vez. “Não temos dúvidas de que o trabalho remoto chegou para ficar, e isso vai gerar uma humanização nesse serviço, que não sofrerá tantos preconceitos”, aponta. Com mais gente atuando do próprio lar, ficará mais claro que todos têm casa e família para cuidar. “E o trabalho será humanizado e consequentemente, mais próximo”, aposta Rubens.
Cuide da coluna no home office
Confira orientações da fisioterapeuta Gislaine Milena Marton
- O ideal é trabalhar sentado em uma cadeira e de frente para uma mesa, nunca deitado na cama ou com o notebook no colo
- Toda a lombar (coluna vertebral inferior) deve ficar apoiada no encosto da cadeira. É possível, inclusive, colocar uma almofada nas costas para ajudar e conseguir manter a postura correta.
- Nada de ficar com os pés pendurados, eles devem estar encostados no chão ou em um suporte.
- Quando se trata do punho, saiba que ele nunca deve ficar sem apoio. Então, escolha uma mesa que tenha espaço para isso ou uma cadeira com braços em que possa colocar o antebraço em cima.
- É preciso estar muito atento à altura do notebook ou do monitor. Se estiver acima ou abaixo da linha dos olhos pode prejudicar a cervical. Então, ajuste com livros ou outros objetos se for preciso para que permaneça alinhado.
- Fazer alongamentos durante o dia, aplicar alguns intervalos para que levante e se movimente, também são passos importantíssimos para evitar que a dor se instale. Organize a rotina para inserir esses pequenos períodos de descanso para o corpo.
- Quando chegar ao fim do expediente, na hora da diversão, também observe a postura. Naturalmente, nesse período, muitos ficam mais relaxados e acabam passando horas “maratonando” séries em plataformas de streaming, ou mesmo lendo, estudando ou acompanhando as redes sociais. E é nesse ponto que a postura “escorrega” no sofá ou na cama e, assim, também podem chegar dores e desconfortos.
- A dica é usar um travesseiro no encosto do sofá ou da cama e um outro embaixo dos joelhos, para que a coluna esteja bem apoiada e reta. Também é possível colocar outro travesseiro em cima da perna para apoiar os braços e mexer no celular ou tablet.
- Esta fase ruim passará. Cuide para que, ao fim dela, a má postura e as dores não sejam uma herança desse período.
*Estagiário sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa
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isioterapeuta em ambiente de trabalho com blusa regata enquanto sorri para foto
Foto: Arquivo pessoal
Médico usando óculos sorri para a foto
Foto: Arquivo pessoal
Professora sorrindo para a foto enquanto usa blusa preta
Foto: Arquivo pessoal
Engenheira utilizando mesa, cadeira e notebook em casa para trabalhar
Foto: Arquivo pessoal.
Estagiário em home office enquanto utiliza seu notebook
Foto: Arquivo pessoal
Diretor comercial sorri para a câmera enquanto usa blusa preta
Foto: ES Tech/Divulgação