Três mães e trabalhadoras da saúde contam como estão vivenciando a pandemia
Noites de coragem
Mãe e técnica em enfermagem, Ana Lúcia Zumba, 46 anos, trabalha em turnos noturnos, lidando com pacientes infectados pelo coronavírus. Ao chegar a casa pela manhã, antes de abraçar as filhas, Natália Paula Zumba de Moura, 26, e Lívia Maísa Zumba de Moraes, 10, precisa passar por todo um processo de higienização.
Além das duas filhas, Ana Lúcia mora com a mãe, Maria Fátima da Costa, 64, que faz parte do grupo de risco. "Eu fico sempre com o coração partido, porque tenho medo de contaminá-las. Por isso, só depois do banho, vou conversar, dar um beijo e um cheiro nas minhas filhas e na minha mãe", relata.
Lívia, a caçula, tem um pouco mais de dificuldade em aceitar a situação. Ana explica com calma que, se os casos aumentarem, terá que evitar ainda mais o contato direto, e a menina acaba chorando. "Apesar de ela ter uma cabecinha bem aberta, é muito carinhosa quando eu chego do serviço. Ela quer ficar sentada no meu colo, beijando, cheirando. Quando começo a conversar, a Lívia chora. Meu coração fica bem apertadinho mesmo", revela.
A técnica é funcionária do Hospital Daher há oito anos. Atualmente, trabalhando no centro cirúrgico, recebe pessoas infectadas pela covid-19 quando algum procedimento é necessário. Ao saber que trabalharia frente ao vírus, Ana Lúcia ficou receosa. "Fiquei com muito medo, confusa e sem ao menos saber como lidaria com esses pacientes", conta.
Após o plantão noturno entre sábado (9) e hoje, Ana Lúcia estará em casa para passar o Dia das Mães com as filhas. Um dia reconfortante com a família, depois do longo plantão de coragem.
Cuidando do próximo
A médica infectologista Marli Rosane Sartori, 39 anos, lida com o coronavírus diariamente no Hospital Santa Lúcia, trabalhando entre a enfermaria, o setor cirúrgico e a avaliação de pacientes. Formada pela Escuela Latinoamericana de Medicina (Elam), em Cuba, Marli se especializou em infectologia em residência no Hospital Universitário de Brasília (HUB). A médica assume a profissão com bravura. Apesar da apreensão, Marli diz não ter receio da atividade.
Pelo contrário, ela quer estar na linha de frente. “Essa é a mensagem que eu passo para os meus colegas: não tem que ter medo, estamos aqui para ajudar”, afirma. Desde o início, Marli e o marido, que também é médico, explicam para a filha Gabriela, 4, sobre a pandemia e os cuidados que precisam ser tomados. É difícil dizer qual das duas é mais destemida, a mãe ou a filha. “Ela sabe que, quando nós chegamos em casa, não pode nos abraçar logo”, conta.
“Não sem antes os passos de higienizar as mãos, tomar banho, trocar de roupa. Ela está acostumada e entende que é por causa do coronavírus”, diz. Marli acredita que, talvez por ter acesso frequente aos novos estudos sobre a covid-19, não se apavora. “Nós sabemos que o impacto nas crianças é mínimo. Então, com relação a ela, é tranquilo”, assegura. De qualquer forma, o distanciamento social não é fácil, ainda mais para os pequenos, que não podem brincar com os amigos, como era de costume para Gabriela.
“Eles sofrem e nós, pais, sofremos juntos. No entanto, colocando na balança, isso é o mínimo diante do sofrimento que outras pessoas estão sentindo ao perder familiares”, complementa. Neste momento, Marli lembra que o país precisa ainda mais de médicos ativos. Diante das responsabilidades, o casal não pôde dispensar a babá, que recebeu todas as orientações para garantir a própria segurança e a da criança, além de ajuda extra para poder ir trabalhar de carro.
Amor aos filhos e à profissão
No Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer), em Goiânia (GO), Pollyanna Brito, 32 anos, faz atendimento fisioterapêutico aos pacientes clínicos tanto da unidade de terapia intensiva (UTI) quanto do posto de internação de enfermagem. Esse tratamento é essencial para quem está em ventilação mecânica e na recuperação para voltar a respirar sozinho, por exemplo.
Os primeiros dias da pandemia não foram nada fáceis. Ela conta que sentiu vontade de desistir, principalmente por causa dos filhos. O incentivo para continuar veio do amor pela profissão. “Eu amo ser fisioterapeuta, contribuir com a melhora do paciente, ajudar e saber que meu trabalho traz um benefício. Isso é muito gratificante”, relata a fisioterapeuta formada pela Universidade Salgado de Oliveira.
Pollyanna é mãe de duas crianças, Manuella, 1, e Asafe, 8. A preocupação é maior pelos dois filhos, que têm bronquite e se classificam como grupo de risco, e pelo marido, hipertenso. “A gente fica com o coração apertado pensando na família. A mãe não para de pensar no filho”, desabafa. A hora mais difícil é a chegada em casa, quando os pequenos querem recebê-la com carinho.
A menor, Manuella, ainda é muito nova para entender que é preciso que a mãe se higienize antes de poder dar atenção. “Escutar ela chorando enquanto tomo banho é mais complicado ainda”, confessa Pollyanna. O primogênito, que compreende melhor a profissão da mãe, chega a pedir que ela não vá trabalhar. “Ele fica assustado e triste com tudo isso. Pede para voltar para a escola e diz que não quer mais ter aula on-line”, diz.
“Criança fica angustiada de ficar dentro casa, ainda mais ele, que estava acostumado a sair para brincar, ver os colegas e aí, de repente, passa a ter outra rotina”, diz. Somente a higienização antes de partir para o abraço na família não é o suficiente para deixar a preocupação de lado. A fisioterapeuta desenvolveu transtorno de ansiedade por ter que encarar o vírus ao mesmo tempo em que precisa estar atenta para não se contaminar no trabalho e levar a infecção para casa.
Na última semana, Pollyanna apresentou alguns sintomas, como dor de cabeça e nas costas, espirros e início de congestionamento nasal. A médica que a acompanha solicitou o teste para coronavírus, ao qual ela ainda será submetida. “Fico com receio de estar contaminada sem saber e trazer alguma coisa para casa.” O que reconforta é a esperança de que o dia em que os abraços poderão ser dados com mais tranquilidade chegue logo.