Ao mesmo tempo em que a educação a distância surge como alternativa de entretenimento e fonte de atualização e aprendizado durante o período de isolamento, ela também se torna praticamente a única alternativa para que cursos antes presenciais tenham continuidade. Até para a educação básica, o Ministério da Educação (MEC) autorizou o formato. Estudantes que, outrora, nem cogitavam ter aulas mediadas por dispositivos digitais precisam se adaptar ao formato.
E, talvez o mais difícil, em todo o mundo, instituições e professores sem costume com ensino remoto se veem quase obrigados a migrar para o mundo digital. No entanto, não se constrói uma boa EAD apenas passando os mesmos conteúdos das aulas presenciais para o formato on-line. Se não, os encontros tendem a ter baixo rendimento e não prendem a atenção do aluno. Outro problema pode estar no amadorismo de quem não entende do assunto, mas necessita, por causa do coronavírus, disponibilizar conteúdos numa nova configuração.
Falhas técnicas, vídeos e áudios sem qualidade também atrapalham. Talvez por isso pipoquem no país queixas de estudantes universitários brasileiros sobre o modo como faculdades, a fim de não cancelar o semestre e parar de cobrar mensalidades, adotaram a EAD. Alunos de várias instituições tentam negociar redução de cobranças devido à baixa qualidade dos serviços prestados. Há vários abaixo-assinados de estudantes nesse sentido.
Para funcionar de verdade, o ensino digital requer uma didática totalmente adaptada. É o que afirma Isabela Villas Boas, doutora em educação pela Universidade de Brasília (UnB) e gerente corporativa acadêmica da Casa Thomas Jefferson. “Um professor, universitário ou não, que nunca foi aluno de curso on-line, nunca deu curso on-line, e alguém falou que, amanhã, ele vai ter que dar aula on-line, não dará uma boa aula”, diz. Ou seja, é necessário toda uma adaptação para o formato.
Adaptação
Na escola de inglês onde Isabela trabalha, os educadores estão sendo treinados para passar a dar aulas mediadas pela internet a partir desta segunda-feira (30/3). “Nossos professores já têm um letramento digital bom, não somos totalmente inexperientes nisso e estamos nos preparando para isso há vários dias”, conta. “Estamos fazendo o possível para que nossa aula on-line seja a melhor experiência possível.” Para evitar problemas, como alunos com acesso limitado à internet, as aulas poderão ser acessadas por meio de celulares e, se a internet estiver fraca, o estudante poderá optar por entrar no ambiente virtual por uma ligação telefônica.
“Vai ser um período de adaptação e estamos tomando cuidados”, informa a mestre em ensino de inglês como segunda língua pela Universidade do Estado do Arizona. Inicialmente, a Casa Thomas Jefferson cancelou as aulas e considerou recesso, mas, ao perceber que a situação seria mais demorada de resolver, entrou no movimento de ensino a distância, adotado agora por várias escolas de línguas do Distrito Federal.
Para manter os 15 mil alunos ocupados enquanto as aulas on-line não começavam e também dar oportunidade de aprendizado para a comunidade externa, a instituição criou uma plataforma gratuita e aberta a todos os interessados em entrar em contato com a língua inglesa. “São exercícios, atividades, jogos, vídeos, leituras, notícias sobre coronavírus em inglês, hangouts de conversação, plantão de dúvidas e uma variedade de outros conteúdos”, explica Isabela. Um dia após entrar no ar, o site teve 4 mil acessos.
“Fizemos pensando em nossos alunos, mas a gente se solidariza com a situação atual. Outras pessoas podem entrar, se beneficiar e desfrutar. Neste momento, a gente tem que pensar em servir a comunidade.” A professora chama a atenção para a chance de aproveitar um período difícil para fazer algo positivo. “É uma oportunidade de as pessoas lerem, estudarem, aprenderem o que não conseguiam antes por falta de tempo porque até ficar na Netflix cansa. Como diz o ditado, se te dão um limão, faça uma limonada.”
Ela sugere também tentar ter um olhar otimista. “É um momento de reclusão, de ficar mais calmo e tranquilo e aproveitar isso, porque nossa vida é tão corrida. Dá para tirar algo proveitoso disso tudo.” Isabela vê como vantajoso ganhar experiência com a EAD, pois isso ajuda as pessoas a desenvolverem as capacidades de trabalhar remotamente, aprender sozinho e se autorregularem, que são “diferenciais do profissional do futuro”. E quem sabe tudo isso ainda desencadeie uma mudança de paradigma na educação. “As pessoas estarão mais abertas a fazer cursos EAD depois disso.”
Análise / Ponto a ponto
Professor de gestão de pessoas na Universidade Livre de Berlim, Markus Helfen vê com bons olhos a aposta em cursos a distância, desde que sejam formações de qualidade, de fato adaptadas para o mundo digital. PhD em administração pela Universidade Aachen e mestre em economia pela Universidade de Trier, ele faz um contraponto com relação à ideia de mais tempo livre durante a pandemia do coronavírus: para muita gente, isso não existe. Confira a análise:
Período ocioso? Não para todos
“Esta ideia de que as pessoas têm mais tempo livre com esta crise do coronavírus... Será que isso está certo? Isso é complexo, depende. As pessoas gastam muito tempo para se acostumar a esta nova situação. Muitas rotinas simplesmente não funcionam mais. No meu caso, posso ver isso claramente pelo fato de as crianças não irem à escola. Antes, podíamos contar que, das 8h às 16h, elas estariam no colégio ou creche, algo que agora não acontece. Então, o fardo se torna mais pesado para muitas famílias. Pense, então, em quem tem idosos em casa e precisa animá-los durante esse período de distanciamento… Mas, olhando a totalidade dos trabalhadores, muitos têm mais tempo em casa porque saem de suas rotinas tradicionais (e não precisam mais gastar tanto tempo na locomoção para o trabalho por exemplo).”
E-learning
“Dito isso, acho que aqueles que têm mais tempo livre agora podem considerar as opções de e-learning disponíveis. Há uma série de oportunidades facilmente acessíveis e, mais do que antes, a oferta de EAD é mais rica em qualidade e quantidade. Bons cursos a distância precisam fazer uma combinação adequada de conteúdo e ambiente digital, precisam explorar realmente o potencial das novas tecnologias.”
Adaptação didática para e-learning
“Neste momento, mais pessoas e instituições, incluindo universidades, precisam migrar seus cursos para a internet. Às vezes, a ideia é simplesmente colocar on-line o mesmo conteúdo que seria ministrado presencialmente. Isso talvez seja até disfuncional. Afinal, a aprendizagem mediada pela internet permite uma gama muito maior de possibilidades de aprendizagem adaptada e individualizada. É preciso fazer uma combinação acertada de aulas, textos e exercícios em vez de, simplesmente, transmitir pela internet uma palestra de uma hora e meia. É claro que há algumas outras coisas que têm de ser consideradas para produzir um conceito didático realmente significativo na EAD.”
Como escolher um curso a distância
“Para aqueles que têm tempo livre, a situação favorece escolher opções realmente boas de EAD. As pessoas devem analisar o objetivo da formação a distância pela qual se interessam em fazer. É importante ser seletivo, verificar as ofertas, entender o que se pode aprender com elas.”
Tendência na Alemanha
“Aqui, a EAD já era tendência há algum tempo. Num momento em que o ensino a distância é, por vezes, a única alternativa para que haja ensino, essa tendência se acelera e se consolida. Instituições e educadores são demandados a ensinar pela internet. No entanto, é preciso considerar que conceitos inteligentes de e-learning requerem recursos apropriados, pessoas treinadas e com tempo para desenvolver isso. Então, no caso de cursos presenciais, é preciso de tempo e preparação para fazer uma migração de qualidade para a EAD.”