Correio Braziliense
postado em 05/01/2020 18:48
No e-mail em que você envia seu curriculum vitae (CV), no próprio CV, na redação ou em questões discursivas durante uma seleção, erros de português podem ser fatais e custar a vaga de emprego. Para além da língua escrita, a oralidade também precisa estar adequada: falar equivocadamente mancha a imagem durante entrevistas ou dinâmicas de grupo. Dependendo do caso, tropeços no português, seja oralmente, seja por escrito, podem levar à eliminação de um processo seletivo.
Para quem já está trabalhando, incorreções são igualmente perigosas: colocam em risco não só a sua reputação, mas também a da empresa em que você atua. Por isso, podem contar pontos (negativos) para uma demissão. É o que revela Daniela Araújo Lustosa, gerente de RH da consultoria Véli, em Brasília. “Varia de acordo com a posição. Se a gente estiver recrutando para um cargo de gestão ou de analista e vê o e-mail ou o currículo com erro de português, dependendo, a pessoa já pode ser eliminada ali”, crava.
“Se for para uma função operacional, em que a escolaridade da pessoa não é tão alta, a gente releva. Mas, mesmo nesses casos, entre um currículo bem escrito e outro com erros, vamos priorizar o primeiro”, conta. Segundo a psicóloga com MBA em gestão de pessoas e pós-graduação em avaliação psicológica, a correção no idioma é levada em conta em todos os tipos de cargos, mas é ainda mais central para cargos de chefia e aqueles que envolvem contato com o público, como recepcionista, vendedor e representante comercial.
Saiba Mais
“Tem que ter português bom independentemente do cargo. Dependendo da empresa, consideram a língua um quesito eliminador até para vagas operacionais, como motorista, pois querem um condutor que fale corretamente. Em outras, isso não é pedido, pois o cliente diz que tudo bem o motorista falar errado, pois não terá contato com o público externo”, afirma. “Mas nunca se sabe quem será o empregador, então, é preciso estar preparado.” E, num período de desemprego em alta, com mais candidatos à disposição, Daniela avalia que o português ganha um peso maior.
Ela também alerta que os erros ao falar são tão problemáticas quanto os escritos e, quanto mais alto o cargo, mais exigente o crivo. “Não dá para ter uma pessoa em um cargo gerencial cometendo erros ao falar... Ela representará a empresa. Já tive vários casos de pessoas boas tecnicamente e com bom currículo, mas reprovadas porque falavam supermal.” A questão é tão séria que podem, em última instância, fazer você acabar na rua: não unicamente por falar ou escrever mal, mas quando isso se junta a outros atributos negativos, pode ser a gota d’água...
Risco para contratados
“O comportamental tem um peso maior, mas, se a pessoa tiver um comportamento ruim, o português será uma coisa a mais a influenciar uma demissão”, afirma Daniela. “Dependendo da posição que a pessoa ocupa, existe também o risco da demissão pelo mau português.” Por exemplo, ao fazer apresentações por escrito para clientes, um texto mal elaborado coloca a imagem da empresa em risco. Para quem trabalha com alguém que erra muito nesse assunto, é possível dar um toque.
“A gente recomenda ao gestor chamar a pessoa para conversar, mostrar os erros, explicar que o colaborador representa a marca.” A partir daí, o profissional precisa correr atrás. “Existem cursos disponíveis até on-line. O trabalhador também pode procurar ler mais”, diz. Mas e se você for colega de quem tropeça na língua? Daniela aconselha pensar bem antes de falar. “Esse papel é do gestor imediato. Você pode até chamar alguém para conversar informalmente: tem gente que vai absorver como crítica construtiva e tem gente que vai se ofender”, pondera.
Bom senso para reconhecer erros
Daniela, porta-voz da Véli RH, admite que os candidatos precisam ter certa dose de bom senso para reconhecer que têm problemas na área, pois os recrutadores não costumam dar esse toque aos concorrentes. “A gente não dá um feedback específico. Dependendo da situação, se vê erro de português no e-mail enviado ou no currículo, a pessoa já é eliminada ali. Em outros casos, quando há redação, a pessoa só é informada de que não foi para a próxima etapa”, revela. “O candidato precisa estar antenado: se ele participou de uma seleção, fez uma redação e não foi chamado; depois, isso aconteceu de novo, ele precisa ver que tem alguma coisa errada.”
Se perceber que pode ter problemas no português, a orientação de Daniela é buscar ajuda. “Você precisa correr atrás de praticar. Existem cursos até on-line. Peça para alguém revisar seu currículo”, elenca. “É preciso garantir que você vá bem não só na parte técnica durante uma redação ou prova de seleção para emprego. Tem quem ache que será avaliado apenas tecnicamente, e isso não é verdade. Assim, muitos quebram a cara. Ter o português muito ruim pode ser o motivo da eliminação”, alerta.
Sabendo da importância do idioma, Yan Gabriel Melo de Araújo, 19 anos, tomou providências. Ele terminou o ensino médio no ano passado e, desde então, procura uma oportunidade de se inserir no mercado de trabalho, especialmente por meio de vagas de jovem aprendiz. Até o momento, o morador do Itapuã foi chamado para apenas três entrevistas — parte do processo seletivo em que ele se sente seguro. “Acredito que falo bem”, diz. Ele não acha que tenha sido eliminado de uma seleção por causa dos conhecimentos linguísticos, mas não tem certeza e admite dificuldades na área.
“Disseram que iam considerar meu currículo e a entrevista e, em nenhuma dessas vezes disseram que o português era um critério, mas não sei...” Afinal, apesar de a língua portuguesa nem sempre ser citada como requisito para um cargo, muitas vezes, trata-se, sim, de um fator determinante. Yan relata tropeços no idioma, especialmente ao escrever. “Tenho dificuldade na parte escrita. Algumas coisas eu erro muito. Por exemplo: vírgula, acentuação e concordância. Na época da escola, eu me esforçava para conseguir fazer as atividades de português e, em alguns bimestres, tirei nota baixa”, afirma.
Diferencial
Yan elaborou o currículo sozinho e envia para empresas sem passar pela revisão de ninguém. No entanto, por reconhecer os problemas na área, procurou um curso de português. “Fui atrás de um porque fui muito ruim no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) no ano passado, principalmente na parte da redação”, admite. As aulas, relata Yan, valeram a pena. “Aprendi muita coisa no curso que, durante o período da escola, não estudei ou aprendi direito”, percebe. “Eu acredito que ter feito esse curso vai ser um diferencial quando eu for concorrer a uma vaga de emprego.”
Apesar disso, a consultora de RH Daniela Araújo Lustosa não recomenda a candidatos como Yan inserir informações sobre esse tipo de capacitação no currículo. “É necessário pôr nesse documento somente suas formações acadêmicas e experiência”, explica. “O curso de português você pode mencionar durante a entrevista”, aconselha. A dica de Daniela é que o currículo seja o mais sucinto possível, contendo apenas o essencial. Nada de tentar encher linguiça! “O ideal é um currículo objetivo e sem erro gramatical ou de digitação, que demonstra que você escreveu com pressa”, diz.
“O mais importante você vai dizer no tête-à-tête com o entrevistador”, afirma. “Imagine, às vezes, a gente recebe 300 currículos para uma vaga. Se todos tiverem três, quatro páginas, não vai dar nem para ler todos”, observa. “A gente recomenda fazer com no máximo duas páginas, sendo duas apenas se for uma pessoa com mais experiência e concorrendo a cargo mais alto. Se não, use apenas uma página.” Além disso, afirma Daniela, num currículo mais sucinto, há menos chance de equívocos com o português, pois há menos espaço para errar.
Três perguntas para
Daniela Araújo Lustosa,gerente de RH da Véli
Redações e provas escritas são usuais?
Hoje, toda as nossas vagas têm redação. A gente avalia tanto a questão técnica e de pensamento quanto a ortografia e a gramática. Em alguns processos seletivos, os textos são corrigidos por profissionais de letras. Tem cliente que leva essa questão do português tão a sério que opta por pagar a mais para ter a correção de um professor. Nos outros casos, o crivo é nosso — e, se tiver muitos erros, a gente nem encaminha.
Os erros são mais comuns em algum tipo de perfil?
Os erros são muito frequentes, independentemente da idade ou do perfil. A gente já viu pessoa com mestrado pela UnB (Universidade de Brasília) com um português horrível. Houve casos de vaga para gerentes e diretores em que pegamos a redação e vimos coisas terríveis. As pessoas estão imersas na tecnologia e se esquecem de que o português é importante. Então, chegam para fazer um texto de 20 linhas e não conseguem desenvolver sem errar. Falta leitura, e as pessoas perderam a prática de escrever. Tem muito candidato que diz que faz tempo que não escreve nada à mão. É até engraçado que há bons candidatos, com boa formação, que preenchem todos os requisitos, mas decepcionam com texto mal escrito, falta de concordância, uso errado do plural... Os erros até assustam.
No caso de um candidato muito bom ou tecnicamente bom, mas com português ruim, os atributos positivos podem compensar esse problema na língua?
Depende. Nosso papel é encaminhar os três melhores candidatos à empresa. É óbvio que, se tenho um bom candidato com uma redação ruim, vamos buscar algum com português melhor. E, mesmo se a gente encaminhar um candidato que seja um destaque, com a ressalva de problema no português, em 99% dos casos, os clientes já dizem que não querem. Mesmo para uma vaga de TI em que o candidato tinha todos os cursos necessários, já vimos pessoas sendo eliminadas no teste por causa do português. Não dá para ter alguém com graves erros, pois mesmo um programador precisa responder e-mail, ter contato com clientes...
Erros que incomodam e chamam a atenção de recrutadores (negativamente):
Ao escrever
» Conjugação errada de verbos
» Erros de digitação no currículo, que demonstram pressa e falta de zelo
» Redação ou questão discursiva sem linha de pensamento coerente
Ao falar
» Conjugação errada, plural equivocado ou uso incorreto de pronomes. Exemplo: para mim gostar
» Gírias e termos muito informais. Exemplos: véi; pois é, cara
» Vícios de linguagem. Exemplos: né, tipo
Curso filantrópico
A professora de português Nerildes Martins Silva de Faria promove curso filantrópico de gramática, redação e literatura, em Taguatinga, na Igreja de Deus no Brasil (SIGT, Conjunto F, Lote 4, perto da Estação Metropolitana do Metrô). Os encontros ocorrem sempre aos domingos, das 8h30 às 10h30. Os interessados pagam R$ 100 por um semestre inteiro de aulas, que preparam para concurso, vestibulares, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Programa de Avaliação Seriada da Universidade de Brasília (PAS/UnB), entre outras seleções — além, é claro, de aperfeiçoar o conhecimento dos participantes. As vagas são limitadas. É preciso contatar a professora pelo WhatsApp (61) 99607-9353.
*Colaborou Luiz Oliveira, estagiário sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa
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