Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

Não há desenvolvimento sem educação

E não basta ser qualquer educação: ela precisa ser de qualidade. Prova disso é que o Brasil aumentou os anos de escolaridade da população, mas isso não se traduziu em evolução do PIB por trabalhador. Estudantes brasileiros ainda têm muitas lacunas de aprendizagem que, somadas à grande desigualdade, são desafios para aumentar a competitividade nacional

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Para um país crescer economicamente, precisa ter educação básica de qualidade. Quando os investimentos nos ensinos infantil, fundamental e médio são feitos de maneira efetiva, o índice de produtividade esperada de um indivíduo ao entrar no mercado de trabalho aumenta, o que consequentemente eleva a produção nacional. No Brasil, problemas como a imensa desigualdade social e a alta concentração de renda tornam o investimento em educação ainda mais imprescindível. Dados do Banco Mundial mostram que nações que elevaram os anos de escolaridade dos indivíduos aumentaram também o PIB (Produto Interno Bruto) por trabalhador. O Brasil, no entanto, variou muito pouco a produtividade por pessoa ocupada, embora a taxa de escolaridade dos brasileiros tenha crescido nos últimos anos.
Há 30 anos, o país oferecia 2,93 anos de estudo para a população e produzia US$ 12,5 mil por trabalhador anualmente. Em 2010, os brasileiros estudavam quatro anos a mais para ganhar menos de US$ 1 mil a mais do que recebiam em 1980. Na Colômbia, em 1980, um cidadão estudava em média 4,26 anos e ganhava US$ 12.446. Três décadas depois, o tempo de estudo passou para 8,45 anos e a produção para US$ 16.840. Na Coreia do Sul, há 30 anos uma pessoa estudava em média 7,09 anos e ganhava US$ 11.463. Em 2010, a taxa de escolaridade foi para 11,89 anos e o rendimento saltou para US$ 44.293.

;Sabemos que aprender é importante para aumentar a competitividade, mas o que vemos é que estamos em uma crise de aprendizagem. No Brasil, mais crianças na escola não significaram aumento de produtividade;, afirmou Jaime Saavedra, diretor global de Educação do Banco Mundial e ex-ministro da Educação do Peru. ;O ponto primordial é a qualidade. Fizemos então a pergunta: quantas crianças de 10 anos sabem ler e entender um pequeno texto? No Brasil, apenas 48%. É um número muito grande que não sabe, é praticamente a metade;, completou durante o debate Educação e a agenda de competitividade, que ocorreu em São Paulo.

;Só o fato desse número (de crianças que não sabem interpretar um texto) estar tão longe do zero já é economicamente inaceitável. É um alerta de que todos os outros indicadores educacionais estão em risco;, denuncia. ;O que esperar do ensino técnico ou do superior se as crianças não entendem o que leem? Eliminar a pobreza de aprendizagem é exterminar a extrema pobreza e a fome. Todos deveriam entender o que leram;, cobra Saavedra. ;Globalmente, o número hoje é 53%. Estabelecemos a meta de, até 2030, reduzir pelo menos pela metade o índice de pobreza de aprendizagem mundial. Para alcançar, é preciso dobrar ou triplicar as melhorias que têm sido feitas até agora, em cada país.;

Crise de aprendizagem

O debate do Todos pela Educação e do Itaú BBA reuniu personalidades como o fundador do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), Marcos Magalhães; a ex-secretária de Fazenda de Goiás, a economista Ana Carla Abrão; a assessora de Educação do Itaú BBA, Ana Inoue; e o presidente e CEO do Itaú BBA, Caio David Ibrahim.
Priscila Cruz, presidente executiva e cofundadora do Todos pela Educação, destacou o problema da qualidade do ensino brasileiro. Ela também elogiou as reformas que têm sido feitas no Brasil, como a previdenciária e a trabalhista, pois isso permitirá investimentos efetivos em educação. ;São reformas importantes, de modernização do Estado.; A executiva aproveitou para destacar o trabalho que vem sendo feito pela ONG em função do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), destinado à educação básica no Brasil e criado em 2006.

Ele reúne cerca de 60% dos recursos investidos na educação pública. Em dezembro de 2020, o atual modelo do Fundeb se extingue. ;É a oportunidade de fazer nova modelagem na forma de distribuição de recursos, para que os resultados sejam o principal objetivo, não o recurso por si só. É uma crise de aprendizagem que gera desperdício de talentos;, argumentou. ;Agora, precisa ser prioridade.;

Capital humano

A produtividade de uma criança nascida hoje no Brasil é 56% do que poderia ser se o país investisse o suficiente em qualidade de educação. O índice de produtividade mede os dados de capital humano de um país, calculado com base nas taxas de sobrevivência, educação e nutrição. A soma é o quanto de produtividade é esperado de uma criança ao entrar no mercado de trabalho no futuro, em relação à referência completa em educação e saúde total. Globalmente, o número é o mesmo do Brasil: 56%. Seria o valor máximo se os investimentos fossem mais efetivos.

Calculados pelo Banco Mundial, os dados sobre produtividade e capital humano foram divulgados em debate promovido pelo Todos pela Educação, movimento suprapartidário e sem fins lucrativos que atua no ramo da educação de base desde 2006, e pelo Itaú BBA. Com o tema Educação e a agenda de competitividade, o evento reuniu empresários e representantes do setor público para discutir o cenário da educação básica no Brasil.

Em exposição em inglês, Saavedra caracterizou a crise global da educação com o conceito de pobreza de aprendizagem. ;A grande pergunta é: estamos realmente investindo nas pessoas? Apostar em capital humano é investir em seres humanos.; Ele comparou os números obtidos pela entidade entre as 157 nações analisadas. ;Em países pobres, o capital natural é o mais importante, antes do capital humano. Nas nações ricas, acontece o contrário: o que importa é o que está dentro da cabeça das pessoas, o conhecimento. E o Brasil está mais ou menos no meio-termo, no 81; lugar.; Para ele, o principal desafio nacional é a maneira como o capital humano tem sido usado. ;Está criando riqueza para o país?;, questiona. ;Começamos um projeto no banco sobre capital humano para chamar a atenção do mundo para a importância do assunto, não somente dos especialistas em educação.;

De acordo com Saavedra, nenhum país alcançou a taxa máxima. ;Cingapura está na frente, com 88%. O Brasil está na faixa de 56%, o que é abaixo do esperado, dada a quantidade de investimentos feitos pelo país. Era para estar melhor.; O diretor argumentou que, assim como outros aspectos da realidade brasileira, a qualidade da educação no país é desigual. ;Há estados e municípios que têm o mesmo nível que países mais bem colocados e outros estão perto do fim da lista. É um buraco, há vários países dentro do Brasil. E é algo a ser considerado;, expôs. Os resultados brasileiros variam entre 76%, no município de Santa Salete, em São Paulo, próximo dos valores da França e da Itália, e 41%, em Miguel Leão, no Piauí, semelhante aos índices do Benin e da Gâmbia.

Próximos passos

Para melhorar o cenário educacional no Brasil, Jaime Saavedra, diretor global de
Educação do Banco Mundial e ex-ministro da Educação do Peru, propõe trabalhos em
quatro eixos: alunos, professores, salas de aula e sistemas.

1) Alunos preparados e motivados a aprender: expandir a qualidade educacional infantil com envolvimento inteligente do setor privado;

2) Professores de todos os níveis eficientes e valorizados: melhorar formação inicial, reformar e profissionalizar a carreira com formação prática. ;Currículos claros e com conteúdos realmente importantes também são essenciais, porque servem de guia para os professores;, argumentou o diretor;

3) Salas de aula equipadas para o aprendizado: currículo eficiente, claro e simples; livros e guias de ensino que promovem o aprendizado;

4) Sistemas bem coordenados: mais financiamento equitativo e apoio dos municípios na gestão baseada em resultados, investir na carreira de diretor para melhorar a gestão no nível escolar. ;A educação precisa ser prioridade. É preciso melhor gerenciamento do sistema e uso efetivo dos recursos, para melhorar a gestão das escolas;, aconselhou o
ex-ministro do Peru.

*A estagiária, sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa, viajou a convite do Todos pela Educação