Trabalho e Formacao

O afroempreendedorismo no Brasil

Cerca de 14 milhões de negros empreendem no país. Menor média de escolaridade, falta de incentivo e racismo são alguns dos desafios enfrentados. Por isso, é importante fortalecer os negócios do povo preto, como tem feito o Impulsione com Facebook. As aceleradoras AfroHub e PretaHub, o Instituto Feira Preta, as startups Afro Business e Diáspora.Black reforçam que o evento está rodando o país com o intuito de formar empresários negros

Luiz Oliveira*
postado em 06/10/2019 16:49
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Incentivar e fortalecer o empreendedorismo negro no Brasil. Trata-se de uma missão importante, e a rede social de Mark Zuckerberg percebeu isso. A segunda edição do evento Impulsione com Facebook e networking AfroHub está rodando o país com o intuito de formar afroempreendedores. Os encontros em parceria com a rede social focam em aperfeiçoar negócios usando ferramentas on-line. Até dezembro, 3 mil pessoas devem ser capacitadas durante 19 encontros e workshops gratuitos em oito capitais.
Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Belém recebem a programação. Os inscritos participam de painéis voltados para a decodificação de ferramentas e estratégias para o crescimento dos negócios e networking. A cada encontro, um empreendedor convidado compartilha sua trajetória, ideias e estratégias de negócios com os presentes. Os eventos começaram em junho e chegaram ao DF em 25 de setembro. Por aqui, a programação foi no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. A iniciativa leva o nome do Facebook, mas é também fruto de parceria entre as aceleradoras AfroHub e PretaHub, o Instituto Feira Preta, as startups Afro Business e Diáspora.Black.

Denis Caldeira de Almeida, diretor de pequenas e médias empresas e líder do grupo de funcionários negros do Facebook, explica as diversas dificuldades e obstáculos que pessoas negras enfrentam para conseguir empreender no Brasil. ;O preconceito, o não acesso à educação e cursos de capacitação despertam um sentimento de desestímulo em pessoas negras;, elenca. Relato que vai de encontro com dados da pesquisa do Instituto Locomotiva, de 2018, em parceria com a Feira Preta, que evidencia que 57% dos afroempreendedores entrevistados sofreram preconceito quando tentam abrir o negócio.
várias pessoas negras reunidas em um evento do facebook
O estudo aponta também o perfil dos empreendedores negros no Brasil: 29% trabalham e têm o próprio negócio. No entanto, 82% não têm CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), frente a 60% dos não negros. Os dados são do estudo A voz e a vez ; diversidade no mercado de consumo e empreendedorismo, realizado pelo Instituto Locomotiva, com apoio do Itaú e a pedido do Instituto Feira Preta.

Origem

Levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad/IBGE), identificou mais de 12,8 milhões de donos de negócios negros em território nacional. No entanto, esse número pode ser ainda maior, pois a última vez que esse levantamento foi feito foi em 2016. De acordo com o Instituto Locomotiva, o país conta com 14 milhões de afroempreendedores, que movimentam, aproximadamente, R$ 359 bilhões em renda própria por ano.
Infuenciadora digitalTia Má (E) foi convidada de honra da edição brasiliense do encontro
Apesar de ser uma cifra considerável, há potencial para crescer. O problema é que, para empreender, vontade ou mesmo boas ideias não bastam. Apoio e incentivo são fundamentais. É pensando em oferecer uma solução para afrodescendentes que se sentem sem base para começar um negócio é que surgiu o AfroHub. O programa promove conexões entre pessoas inspiradoras, troca de experiências com outros empreendedores e chance de desenvolver e melhorar negócios.
O programa de fomento tem parceria com o Facebook e quer ajudar interessados em auxiliar no aperfeiçoamento de negócios capitaneados por afroempreendedores a partir da tecnologia. Para participar, não importa se a pessoa abriu uma empresa há muito ou pouco tempo ou se suas ideias estão ainda no papel: o que vale é querer aprender e avançar. Antonio Pita é cofundador da Diáspora.Black, startup presente em mais de 130 cidades e 45 países.

A empresa oferece serviços e experiências turísticas voltados para a valorização da cultura negra e a promoção da igualdade racial e é uma das icentivadoras do AfroHub. Antonio conta que o projeto surgiu da necessidade de unir forças entre organizações com objetivos semelhantes. ;Já trabalhávamos com o Facebook, só que separados, cada um em uma área. No entanto, percebemos que juntos faríamos algo maior;, explica.
Cerca de 14 milhões de negros empreendem no país. Menor média de escolaridade, falta de incentivo e racismo são alguns dos desafios enfrentados. Por isso, é importante fortalecer os negócios do povo preto, como tem feito o Impulsione com Facebook. As aceleradoras AfroHub e PretaHub, o Instituto Feira Preta, as startups Afro Business e Diáspora.Black reforçam que o evento está rodando o país com o intuito de formar empresários negros
O AfroHub foi lançado em maio de 2018, e, no primeiro ano, acelerou 10 negócios e capacitou mais de 1.200 afroempreendedores, em cinco estados. Ao apresentar o programa para o público, Antonio ressaltou a importância de empreender para a população negra. ;O fortalecimento econômico dos negócios possibilita construir riquezas para a nossa comunidade, acreditando sempre no poder da coletividade e nas redes de apoio;, aponta.

Voz de inspiração

Na edição brasiliense, o Impulsione com Facebook, em parceria com o AfroHub, teve como convidada de honra Tia Má. A jornalista, atriz e influenciadora digital Maíra Azevedo, popularmente conhecida como Tia Má, passou a ser reconhecida pelo público a partir de vídeos que publicava nas redes sociais. Descreve-se como uma mulher preta, gorda e nordestina.
Ela conversa com o público de maneira direta e consciente sobre racismo e machismo, sem perder o humor. E assim ganhou mais de 750 mil seguidores nas redes sociais. Tudo começou como uma brincadeira entre amigos. O primeiro vídeo, postado no Facebook, não tinha propósito sério. ;Publiquei despretensiosamente, achando que quem ia ver eram só pessoas próximas, mas levei um susto quando vi que teve 500 visualizações;, diz.

A partir daí, passou a vlogar mais e percebeu que poderia usar a ferramenta como trabalho. No início, teve medo e dúvidas com relação a largar o emprego formal. ;Eu não acreditava em mim. O racismo estrutural faz isso, desestimula.; Até mesmo nas redes, ela foi vítima de racismo e, mais de uma vez, foi ofendida por internautas por ser negra.No entanto, Tia Má não se deixou abater e, desde então, vem se tornando uma voz cada vez mais influente e potente para diversas pessoas que a veem como fonte de inspiração.

Tanto que foi convidada para participar do time de consultores do programa Encontro com Fátima Bernardes. Para Tia Má, a população negra empreende desde sempre. ;É algo ancestral, perpetuado pelo nosso povo a cada nova geração. Estamos sempre resistindo, sobrevivendo a todas as mazelas. Não consigo pensar em outra melhor definição do que é empreender;, declara a baiana de Salvador.

Jovens de iniciativa

Monique Corrêa, 27 anos, é produtora de moda e eventos e veio para o Distrito Federal aos 17 anos. Quando chegou a Brasília, logo notou as diferenças que o novo endereço tinha em relação ao antigo. Vinda da periferia do Rio de Janeiro, espantou-se ao perceber a falta de negros nos espaços que frequentava, principalmente quando entrou na faculdade para cursar design de moda.

Durante a graduação, enfrentou diversas situações de racismo. ;Se eles acham que aqui não é o meu lugar, eu vou mostrar que posso, sim, ocupar os mesmos espaços, sou altamente capaz;, declara. Após concluir a graduação, percebeu que as oportunidades do mercado da moda em Brasília eram poucas e que não queria trabalhar em shoppings. Foi aí que resolveu criar, há um ano e meio, a Chance Creative Agency, especializada no mercado de produção de moda e eventos.
Um dos trabalhos principais foi a edição do Festival Melanina, que ocorreu em 2018. Monique se especializou por meio de cursos on-line, por isso, realça a importância da internet para o trabalho. ;Acredito que, sem o Instagram e o Facebook, não conseguiria potencializar e fazer contatos para a agência.; Por isso, é tão importante um evento para apoiar empreendedores negros promovido por redes sociais.

Gabriella Mendes, empresária da Afrogaia CosmésticosAssim como Monique, a recém-formada em ciências sociais pela Universidade de Brasília (UnB), Gabriella Mendes, 22, moradora de Ceilândia, começou um empreendimento sozinha. Após presenciar diversas situações de racismo no último estágio, há três anos, decidiu que não queria mais trabalhar em empregos formais. Portanto, resolveu transformar um passatempo que tinha em fonte renda. Foi assim que surgiu a Afrogaia Cosmésticos.

A loja é especializada em produtos para a pele, como sabonetes, tônicos faciais, hidratante labial, desodorante, entre outros. Todos os itens são veganos e naturais, feitos artesanalmente pela própria dona. ;Comecei vendendo para as minhas amigas na universidade, em uma quantidade muito menor;, explica. O início nas redes sociais foi em 2018, quando compreendeu a importância dessas plataformas para impulsionar o negócio.

O perfil no Instagram já conta com mais de 2.878 seguidores. ;É o meu principal meio de vendas das mídias, por isso comecei a estudar mais, entender como funciona;, relata. Ela define a experiência de participar do Impulsione com o Facebook como uma grande oportunidade de aprendizado e networking. O próprio Facebook convidou Gabriella para participar do Instamarket, área reservada para empreendedores venderem produtos durante o evento em Brasília. Os critérios definidos eram o bom uso da plataforma, originalidade e o fato de ser local.

Histórias de superação

Graças, dona de salão de beleza

Nascida no Piauí, Maria das Graças Santos, 66 anos, mudou-se com a família para Goiás aos 3 anos, e, no início dos anos 1970, chegou ao Distrito Federal, com 17 anos. Em 1974, passou no vestibular da Universidade de Brasília (UnB) para cursar psicologia.

Graças se encantou pela área educacional da psicologia. No entanto, ao se deparar com a realidade, percebeu que não era bem o que esperava. Nesse mesmo período começou a se articular em grupos de militância social e racial, inaugurando, em 1978, o Centro de Estudo Afro Brasileiro (Ceaps), primeira entidade negra do Distrito Federal. "Era um período muito difícil, estávamos em plena ditadura militar, não se podia falar sobre racismo. Mas enfrentamos a repressão sem medo, atitude de jovem", lembra.

A luta pelos direitos civis para a população negra tornou-se algo presente na vida dela. Em 1981, entrou para o Movimento Negro Unificado (MNU), onde teve importante papel para conquistas lembradas até hoje. Foi coordenadora do Encontro Nacional de Mobilização da Sociedade, que tinha como argumento levar propostas para os constituintes de 1988, entre as reivindicações, estava a que estabelecia racismo como crime. "Conseguimos depois de muito combate", revela.
Após sair do MNU, por divergências, recebeu o convite de dois colegas para abrir o primeiro salão afro-brasileiro no Distrito Federal, com nome sugestivo de "Daralewa", palavra iorubá que significa, coisas boas e bonitas. Com a proposta de provocar o mercado de beleza tradicional que não atendia o público que desconhecia ter, o salão é inaugurado, no Conic, em 21 de março de 1992, Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial. O empreendimento mudou de nome e endereço. Passando a se chamar Afro-Nzinga, em homenagem à grande rainha negra do povo banto da África, onde se localiza a Angola. Hoje, está instalado no Conjunto Nacional.

Graça encara o empreendedorismo como mais uma alternativa que a população negra encontrou para sobreviver. No entanto, não nega as dificuldades. "Existem várias causas, mas as principais são a falta de formação e capacitação;, pontua.

Ela avalia que seu salão é um incentivador para outros negócios e acredita na potencialização da comunidade negra a partir do afroempreendedorismo.

Mulher de fibra

Adriana: O envolvimento de Adriana Ribeiro, 41, moradora do Riacho Fundo 1, com o empreendedorismo começou muito cedo. ;Desde pequena, acompanhava a minha mãe, que é cabeleireira, nos salões em que ela trabalhou, sempre prestando atenção a tudo. Foi a partir dessas vivências que adquiri o interesse pelo universo de beleza;, conta. Ela esteve presente no evento Impulsione com Facebook, principalmente, para assistir à palestra de Tia Má. No local, compartilhou com todos as experiências como afroempreendedora. Abriu o primeiro salão, Madriafro, com a irmã, aos 17 anos, na garagem da casa da mãe e, desde então, não parou mais.

Com ajuda do marido, Adriana se profissionalizou e fundou o Salão Afro & Cia Ponto Chic, que tem um espaço de 200m; e 20 profissionais. O público-alvo são mulheres negras que desejam passar pelo processo de transição capilar, restaurando os cabelos para a forma natural deles. Ela divulga, com muita felicidade, que a maioria dos seus funcionários são negros, ressaltando a importância de contratá-los. ;Vivemos em um país altamente racista, que diariamente nega oportunidades a pessoas pretas. Então, é mais do que justo que, na minha empresa, todos sejam negros;, defende.
Virgilio, produtor de café artesanalO jornalista Virgilio Ribeiro Geraldo, 41 anos, esqueceu a formação de origem para se aventurar nas plantações de café do pai. Após se formar na graduação, deparou-se com a falta de oportunidades no mercado de trabalho e, depois de descobrir que teria um filho, enxergou o negócio da família como uma possibilidade de renda. "Comecei a trabalhar com a produção de café em 2018, pois entendi que poderia aperfeiçoar o que o meu pai já fazia", explica.

Ele descreve o Café Maé, nome dado em homenagem ao apelido que o avô tinha, como um produto "gourmet". É feito artesanalmente pelo próprio Virgilio, que conta com ajuda do caseiro da chácara e de freelancers, responsáveis pela colheita anual.

O público consumidor do produto são amigos próximos e outros pequenos produtores. A partir das vendas, Virgilio tira de 5 a 7 mil reais por mês. A última safra de 2019 produziu 125 sacas.

Para ele, o produto vai além de um negócio. "Por estar sempre envolvido com café, faço questão de aprender tudo sobre o fruto. Em toda viagem que faço para Minas Gerais, vou com o objetivo de aprender e conhecer a cultura", reflete.

Ele menciona diversas dificuldades para se empreender no Brasil. "Olha, abrir um negócio é muito difícil. A maioria dura, no máximo, 3 anos, muito em função da falta de conhecimento. O caminho é se especializar, estudar, fazer networking, esse será o diferencial", recomenda.

Saiba mais

Confira informações sobre os próximos encontros do Impulsione com Facebook em parceria com o AfroHub no link

Palavra de especialista

homem negro gesticula em frente à câmera

"O maior empecilho para a população negra empreender é que ninguém quer financiar projeto de pobre e preto, pois a visão da maioria que detém o capital é de que não temos capacidade. No entanto, essas mesmas pessoas que negam oportunidades não se perguntam o porquê e não refletem o quanto são responsáveis por perpetuar essa desigualdade. Por essas razões, acredito que alternativa para o povo negro sair dessa situação que lhe foi imposta é empreender. A comunidade está sendo empurrada à pobreza em função do desemprego, é a mais atingida. Portanto, a melhor maneira de combater esse processo é reagindo".
Frei David, presidente da ONG Educafro

*Estagiário sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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