Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

O afroempreendedorismo no Brasil

Cerca de 14 milhões de negros empreendem no país. Menor média de escolaridade, falta de incentivo e racismo são alguns dos desafios enfrentados. Por isso, é importante fortalecer os negócios do povo preto, como tem feito o Impulsione com Facebook. As aceleradoras AfroHub e PretaHub, o Instituto Feira Preta, as startups Afro Business e Diáspora.Black reforçam que o evento está rodando o país com o intuito de formar empresários negros

 

Incentivar e fortalecer o empreendedorismo negro no Brasil. Trata-se de uma missão importante, e a rede social de Mark Zuckerberg percebeu isso. A segunda edição do evento Impulsione com Facebook  e networking AfroHub está rodando o país com o intuito de formar afroempreendedores. Os encontros em parceria com a rede social focam em aperfeiçoar negócios usando ferramentas on-line. Até dezembro, 3 mil pessoas devem ser capacitadas durante 19 encontros e workshops gratuitos em oito capitais.


Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Belém recebem a programação. Os inscritos participam de painéis voltados para a decodificação de ferramentas e estratégias para o crescimento dos negócios e networking. A cada encontro, um empreendedor convidado compartilha sua trajetória, ideias e estratégias de negócios com os presentes. Os eventos começaram em junho e chegaram ao DF em 25 de setembro. Por aqui, a programação foi no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. A iniciativa leva o nome do Facebook, mas é também fruto de parceria entre as aceleradoras AfroHub e PretaHub, o Instituto Feira Preta, as startups Afro Business e Diáspora.Black.


Denis Caldeira de Almeida, diretor de pequenas e médias empresas e líder do grupo de funcionários negros do Facebook, explica as diversas dificuldades e obstáculos que pessoas negras enfrentam para conseguir empreender no Brasil. “O preconceito, o não acesso à educação e cursos de capacitação despertam um sentimento de desestímulo em pessoas negras”, elenca. Relato que vai de encontro com dados da pesquisa do Instituto Locomotiva, de 2018, em parceria com a Feira Preta, que evidencia que 57% dos afroempreendedores entrevistados sofreram preconceito quando tentam abrir o negócio.


O estudo aponta também o perfil dos empreendedores negros no Brasil: 29% trabalham e têm o próprio negócio. No entanto, 82% não têm CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), frente a 60% dos não negros. Os dados são do estudo A voz e a vez — diversidade no mercado de consumo e empreendedorismo, realizado pelo Instituto Locomotiva, com apoio do Itaú e a pedido do Instituto Feira Preta.

 

Origem
Levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad/IBGE), identificou mais de 12,8 milhões de donos de negócios negros em território nacional. No entanto, esse número pode ser ainda maior, pois a última vez que esse levantamento foi feito foi em 2016. De acordo com o Instituto Locomotiva, o país conta com 14 milhões de afroempreendedores, que movimentam, aproximadamente, R$ 359 bilhões em renda própria por ano.


Apesar de ser uma cifra considerável, há potencial para crescer. O problema é que, para empreender, vontade ou mesmo boas ideias não bastam. Apoio e incentivo são fundamentais. É pensando em oferecer uma solução para afrodescendentes que se sentem sem base para começar um negócio é que surgiu o AfroHub. O programa promove conexões entre pessoas inspiradoras, troca de experiências com outros empreendedores e chance de desenvolver e melhorar negócios.


O programa de fomento tem parceria com o Facebook e quer ajudar interessados em auxiliar no aperfeiçoamento de negócios capitaneados por afroempreendedores a partir da tecnologia. Para participar, não importa se a pessoa abriu uma empresa há muito ou pouco tempo ou se suas ideias estão ainda no papel: o que vale é querer aprender e avançar. Antonio Pita é cofundador da Diáspora.Black, startup presente em mais de 130 cidades e 45 países.


A empresa oferece serviços e experiências turísticas voltados para a valorização da cultura negra e a promoção da igualdade racial e é uma das icentivadoras do AfroHub. Antonio conta que o projeto surgiu da necessidade de unir forças entre organizações com objetivos semelhantes. “Já trabalhávamos com o Facebook, só que separados, cada um em uma área. No entanto, percebemos que juntos faríamos algo maior”, explica.


O AfroHub foi lançado em maio de 2018, e, no primeiro ano, acelerou 10 negócios e capacitou mais de 1.200 afroempreendedores, em cinco estados. Ao apresentar o programa para o público, Antonio ressaltou a importância de empreender para a população negra. “O fortalecimento econômico dos negócios possibilita construir riquezas para a nossa comunidade, acreditando sempre no poder da coletividade e nas redes de apoio”, aponta.

 

Voz de inspiração
Na edição brasiliense, o Impulsione com Facebook, em parceria com o AfroHub, teve como convidada de honra Tia Má. A jornalista, atriz e influenciadora digital Maíra Azevedo, popularmente conhecida como Tia Má, passou a ser reconhecida pelo público a partir de vídeos que publicava nas redes sociais. Descreve-se como uma mulher preta, gorda e nordestina.
Ela conversa com o público de maneira direta e consciente sobre racismo e machismo, sem perder o humor. E assim ganhou mais de 750 mil seguidores nas redes sociais. Tudo começou como uma brincadeira entre amigos. O primeiro vídeo, postado no Facebook, não tinha propósito sério. “Publiquei despretensiosamente, achando que quem ia ver eram só pessoas próximas, mas levei um susto quando vi que teve 500 visualizações”, diz.


A partir daí, passou a vlogar mais e percebeu que poderia usar a ferramenta como trabalho. No início, teve medo e dúvidas com relação a largar o emprego formal. “Eu não acreditava em mim. O racismo estrutural faz isso,  desestimula.” Até mesmo nas redes, ela foi vítima de racismo e, mais de uma vez, foi ofendida por internautas por ser negra.No entanto, Tia Má não se deixou abater e, desde então, vem se tornando uma voz cada vez mais influente e potente para diversas pessoas que a veem como fonte de inspiração.


Tanto que foi convidada para participar do time de consultores do programa Encontro com Fátima Bernardes. Para Tia Má, a população negra empreende desde sempre. “É algo ancestral, perpetuado pelo nosso povo a cada nova geração. Estamos sempre resistindo, sobrevivendo a todas as mazelas. Não consigo pensar em outra melhor definição do que é empreender”, declara a baiana de Salvador.

 

Jovens de iniciativa

 

Monique Corrêa, 27 anos, é produtora de moda e eventos e veio para o Distrito Federal aos 17 anos. Quando chegou a Brasília, logo notou as diferenças que o novo endereço tinha em relação ao antigo. Vinda da periferia do Rio de Janeiro, espantou-se ao perceber a falta de negros nos espaços que frequentava, principalmente quando entrou na faculdade para cursar design de moda.


Durante a graduação, enfrentou diversas situações de racismo. “Se eles acham que aqui não é o meu lugar, eu vou mostrar que posso, sim, ocupar os mesmos espaços, sou altamente capaz”, declara. Após concluir a graduação, percebeu que as oportunidades do mercado da moda em Brasília eram poucas e que não queria trabalhar em shoppings. Foi aí que resolveu criar, há um ano e meio, a Chance Creative Agency, especializada no mercado de produção de moda e eventos.
Um dos trabalhos principais foi a edição do Festival Melanina, que ocorreu em 2018. Monique se especializou por meio de cursos on-line, por isso, realça a importância da internet para o trabalho. “Acredito que, sem o Instagram e o Facebook, não conseguiria potencializar e fazer contatos para a agência.” Por isso, é tão importante um evento para apoiar empreendedores negros promovido por redes sociais.


Assim como Monique, a recém-formada em ciências sociais pela Universidade de Brasília (UnB), Gabriella Mendes, 22, moradora de Ceilândia, começou um empreendimento sozinha. Após presenciar diversas situações de racismo no último estágio, há três anos, decidiu que não queria mais trabalhar em empregos formais. Portanto, resolveu transformar um passatempo que tinha em fonte renda. Foi assim que surgiu a Afrogaia Cosmésticos.


A loja é especializada em produtos para a pele, como sabonetes, tônicos faciais, hidratante labial, desodorante, entre outros. Todos os itens são veganos e naturais, feitos artesanalmente pela própria dona. “Comecei vendendo para as minhas amigas na universidade, em uma quantidade muito menor”, explica. O início nas redes sociais foi em 2018, quando compreendeu a importância dessas plataformas para impulsionar o negócio.


O perfil no Instagram já conta com mais de 2.878 seguidores. “É o meu principal meio de vendas das mídias, por isso comecei a estudar mais, entender como funciona”, relata. Ela define a experiência de participar do Impulsione com o Facebook como uma grande oportunidade de aprendizado e networking. O próprio Facebook convidou Gabriella para participar do Instamarket, área reservada para empreendedores venderem produtos durante o evento em Brasília. Os critérios definidos eram o bom uso da plataforma, originalidade e o fato de ser local.

 

*Estagiário sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa