Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

Alunos da UnB desenvolvem braço robótico

Hoje, durante cirurgias abdominais com laparoscopia, um médico ajudante precisa segurar uma câmera dentro do paciente, enquanto outro faz a operação. O robô facilitará a vida dos cirurgiões, trará melhores resultados e ainda possibilitará maior rendimento. O projeto foi selecionado por programa de incentivo do Instituto TIM

Quatro estudantes de engenharia da Universidade de Brasília (UnB) desenvolveram um protótipo de braço robótico com a função de auxiliar em cirurgias abdominais. A iniciativa partiu de demanda do próprio Ministério da Saúde e, atualmente, o grupo faz parte do programa Academic Working Capital (AWC), realizado pelo Instituto TIM. A equipe criou uma empresa de desenvolvimento de soluções de tecnologia da informação e robótica, a BeepSolution, em 2018. Caio Rondon, 24 anos, Pedro Henrique Lira, 23, e João Tribouillet, 24, se conheceram no curso de engenharia de redes de comunicação, em 2014. Fernanda Amaral, 23, está no último semestre de engenharia elétrica e se juntou ao trio devido ao Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da UnB (CDT). Os jovens faziam estágio em empresas incubadas no CDT.

Inicialmente, a startup foi criada com o intuito de fornecer serviços de software. O objetivo era, assim, conseguir investimento para, além de prestar serviços sob demanda, desenvolverem as próprias ideias. ;Eu fazia parte de um Projeto de Iniciação Científica (Pibic) na UnB e desenvolvemos o primeiro protótipo do braço robótico com o auxílio dos professores Geovany Araujo, Mariana Costa e Antonio Padilha, todos doutores em sistemas automáticos e microeletrônicos;, conta Fernanda. ;Poucos projetos saem da bancada do laboratório e, infelizmente, a maioria fica engavetado;, desabafa a estudante. Dessa forma, com a finalização do primeiro protótipo, que foi financiado pelo Ministério da Saúde, Fernanda viu uma possibilidade de levar o braço robótico, nomeado de Clara (Combined Laparoscopic Robotic Arm) ao mercado, em formato de startup.

É isso que os estudantes almejam fazer por meio do programa do Instituto TIM. ;O AWC surgiu em um momento em que estávamos montando a BeepSolution. Como nós já trabalhávamos juntos havia muito tempo e sabíamos que dávamos certo, resolvemos nos inscrever;, relembra Caio. A equipe aproveitou o projeto do Pibic de Fernanda para se integrar ao programa. O Clara foi feito para atuar em cirurgias laparoscópicas, procedimentos minimamente invasivos em que são feitos três furos no paciente, dois utilizados para inserir uma pinça e outro para introduzir uma câmera. A laparoscopia é usada em cirurgias bariátricas, de retiradas de vesícula e abdominais.

O procedimento existe há 35 anos, mas ainda apresenta alguns problemas. Graças à câmera, a cirurgia não é feita às cegas ; mesmo assim, é muito difícil, pois o cirurgião não está vendo o interior abdominal em si, mas, sim, o escopo que é mostrado pela câmera a partir de um monitor, que não é total. Além do mais, é necessário que haja um cirurgião auxiliar para segurar a câmera. ;Esse procedimento é comparado a amarrar o cadarço segurando um hashi porque o médico não consegue saber onde está encostando. Há um nível grande de complexidade;, explica Fernanda.

Entenda a iniciativa
O AWC é um programa de educação empreendedora, vinculado ao Instituto TIM, que apoia estudantes que estão no fim do curso de ensino superior. A ideia é ajudar os jovens a transformarem produtos baseados em inovação, tecnologia, educação e empreendedorismo, em startups. É um programa que dura um ano e que convida estudantes de todo o Brasil. Em 2019, três equipes de Brasília foram selecionadas: a BeepSolution e a Tech (que aplica fototerapia estimular a cicatrização de úlceras de pé diabético), com alunos da UnB; e a Eco Money (sistema de coleta seletiva e monetizada para comércios, condomínios e outros estabelecimentos), de graduandos do Centro Universitário Projeção.
O AWC fornece tutoria para os envolvidos e ajuda na realização e criação de protótipos resultantes das reuniões que ocorrem durante o ano.

As inscrições são feitas pela internet, por meio de um relatório de descrição do produto e um vídeo de apresentação da equipe. O AWC tem uma banca que avalia e seleciona os projetos que mais se enquadram com os propósitos do programa. Neste ano, foram escolhidos 34 grupos, mas atualmente continuam 20, devido a desistências durante o percurso. Muitos projetos entram com ideias iniciais, portanto o processo seletivo é focado na equipe, não no produto. O objetivo do programa é ensinar os grupos a empreender e a levar um projeto para o mercado, mas, para isso, é necessário o trabalho em equipe. As inscrições são feitas no início do ano no site awc.institutotim.org.br.

Auxiliar e não substituir
João e Caio lembram que, pelas regras nacionais, é necessário ter pelo menos dois cirurgiões na sala do procedimento. ;Às vezes, o auxiliar tem que ficar mais de três horas segurando a câmera, estaticamente, e há cirurgias que demandam mais de um auxiliar. Com o Clara, isso não é mais necessário;, observa Caio. ;Percebemos que, nos hospitais particulares em Brasília, por exemplo, os médicos costumam fazer a cirurgia em um grupo fechado, sempre treinam juntos e se acostumam. Assim, eles ficam restritos a um cronograma, sendo que, enquanto a laparoscopia é feita, o médico auxiliar poderia ser alocado em outra cirurgia;, diz João.

Os estudantes reconhecem que o braço robótico pode ajudar principalmente os hospitais públicos, devido à escassez de profissionais. ;O procedimento tem inúmeras vantagens, como a rápida recuperação, mas poucas pessoas na rede pública conseguem o atendimento;, comenta Fernanda. De acordo com Caio, o projeto traz dinamicidade para a cirurgia e melhora a comunicação entre os médicos. O Clara também beneficia os gestores de hospitais, que podem realocar os cirurgiões auxiliares em outros procedimentos. ;O projeto é uma ferramenta de auxílio;, reforça. Assim, não vai tirar emprego de ninguém, mas, sim, dar um apoio melhor aos profissionais da medicina.

Acompanhamento da iniciativa AWC
;O AWC nos dá mentoria, nos ajuda a modelar o produto e a trazê-lo para a vida real;, comenta Caio. O programa é feito para durar um ano, mas é planejado para perdurar por toda a existência da empresa. ;Além da ajuda financeira para construir os protótipos e a mentoria, o AWC nos traz aprendizado e muito networking.; O programa é dividido em encontros on-line que ocorrem durante o ano. Duas reuniões são feitas presencialmente, em São Paulo, e as outras ocorrem a cada 15 dias pela internet.

;Gostamos muito do programa porque a TIM e o AWC não ficam com nada do projeto;, diz Caio. O investimento financeiro é feito em ;fundo perdido;, ou seja, é um dinheiro dado que não precisa ser devolvido ; diferentemente de muitos processos de aceleração de startups que têm, como contrapartida, o investir se tornando sócio do negócio. Com o valor, os estudantes podem comprar peças e motores dos protótipos, por exemplo. No fim do programa, ocorre uma feira de exposição das startups que participaram.

Lá, são apresentadas as soluções formuladas pelas equipes. Trata-se de um evento aberto ao público, onde a TIM convida potenciais investidores e outras pessoas que possam estar interessadas nos produtos. As cinco melhores startups participam de um pitch (apresentação sumária com o objetivo de despertar o interesse do cliente) para os investidores-anjos (como se denominam os que investem em empresas nascentes).

Fora da zona de conforto

Os quatro estudantes concordam que o modelo de ensino da universidade é engessado e não há foco na parte de empreendedorismo. ;Nós gostamos de resolver problemas e de trazer valores para as pessoas, mas sinto que ficamos estáticos aqui dentro;, diz Caio. Os integrantes da equipe comentam que se sentem realizados em poder usar suas habilidades técnicas para trazer valor às pessoas.

;É uma rotina corrida, temos que nos organizar direito. Às vezes, estendemos reuniões para a noite. É um desafio, mas é prazeroso;, conta Pedro Henrique sobre a experiência no programa e na empresa. O ex-estudante também acredita que o Clara é uma solução inovadora e pode ajudar muitas pessoas na área médica.

Diogo Dutra, 33 anos, coordenador do AWC, reflete sobre a importância do programa na vida dos estudantes que estão nos últimos semestres. ;É uma oportunidade de os alunos fazerem um produto virar um negócio. No fim do programa, os grupos conseguem vender o que criaram e, assim, ganham uma nova opção de carreira, que não se restringe a trabalhar em uma grande empresa ou a fazer um mestrado.; Formado em engenharia mecatrônica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), Diogo é coordenador do programa há cinco anos e enxerga o AWC como uma iniciativa educacional, social, tecnológica e econômica.

;A equipe da BeepSolution é tecnicamente muito boa e tem um direcionamento de resolução de problemas muito claro;, comenta o coordenador do programa. Diogo acompanhou a equipe no último workshop que ocorreu em São Paulo, no fim de semana passado, e vê o Clara como uma ótima oportunidade para o mercado.

;Eles vão tentar vender ou alugar o equipamento para universidades para que os alunos de medicina possam fazer treinamento de cirurgia bariátrica. É uma dupla estratégia que, além de colocar o produto em sala de aula, traz a possibilidade de inserção em salas de cirurgia, futuramente;, analisa.

*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa