Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

Estudo e trabalho em Montreal

A cidade recebe um número cada vez maior de estudantes e profissionais estrangeiros. Entre os motivos estão a educação de ponta, a possibilidade de conciliar trabalho e estudos, a grande oferta de empregos e custo de vida acessível, especialmente em comparação com outras cidades do Canadá e dos EUA

A crise, o alto desemprego e o congelamento de concursos; Todos esses são motivos que têm levado um número cada vez maior de brasileiros a se interessar por estudar ou trabalhar no exterior, de modo temporário ou até definitivo. Também tem crescido a quantidade dos que escolhem Montreal, no Canadá, como destino. Uma das principais razões é o fato de a cidade-sede do Cirque du Soleil ser uma das melhores para estudantes do mundo. Nos rankings da consultoria QS, a segunda maior metrópole do Canadá e lar da banda de indie rock Arcade Fire e do estúdio de mídia Moment Factory costuma aparecer na dianteira.

Em 2017, Montreal ficou em primeiro lugar mundial, desbancando Paris. Em 2018, a cidade natal da cantora Celine Dion foi a quarta colocada global, mesmo assim, à frente da capital francesa, que apareceu na quinta colocação. Apesar de ter perdido algumas posições no cenário internacional, o maior município do estado de Quebec é avaliado como o melhor para estudantes de todas as Américas. Em 2018, também foi considerada a segunda melhor cidade do mundo para millenials, atrás só de Berlim, pelo Nestpick, site que opera mundialmente como agregador de opções de acomodação. O Correio viajou até lá para entender os motivos e mostrar oportunidades disponíveis para brasileiros.

Interesse em alunos de fora

Tanto empresas quanto universidades estão em busca de prodígios do exterior. ;O número de alunos internacionais dos mais diferentes destinos está crescendo muito por aqui, e o motivo é a qualidade das instituições. A presença da população local nas universidades é relativamente baixa, por isso elas atraem talentos de fora;, esclarece Mathieu Lefort, diretor de Estudantes Internacionais da Montréal International, agência de promoção econômica da localidade. ;Outro fator de atração é que aqui é um bom destino para estudar inglês e francês. Você pode vir com um nível básico de francês e melhorar depois;, observa. Enfrentar invernos rigorosos pode ser um desafio maior para quem não tem costume com o clima do Hemisfério Horte. Então, as instituições fazem grande esforço para ajudar os estrangeiros, por exemplo, com eventos de integração. ;Tentamos construir um senso de comunidade, com muitas atividades, especialmente durante os períodos sem aula, como verão e Natal, em que eles poderiam se sentir mais sozinhos;, completa Mathieu.

Vantagens
Segundo Hubert Bolduc, CEO da Montréal International, alguns dos principais atrativos são o fato de a cidade ser financeiramente acessível, além de amigável para estrangeiros, com boa parte da população sendo composta por imigrantes. Outro fator importante é a educação de alta qualidade, concentrando algumas das melhores universidade, e a permissão para quem vem de fora estudar e trabalhar (algo que não é realidade em muitos outros países). Trata-se de uma cidade cuja língua oficial é o francês, mas, na prática, é possível se virar falando inglês.

;Por tudo isso, metade dos alunos internacionais quer ficar aqui após terminar os estudos;, aponta Hubert. ;Independentemente de cor de pele, gênero ou religião, você pode vir e ser bem-sucedido aqui e ninguém vai te apontar o dedo.; A taxa de desemprego, de 6,1%, é bastante baixa, portanto, torna-se mais fácil conseguir uma oportunidade de emprego. Tradicionalmente, o Canadá é um país aberto para imigrantes. Com a população local envelhecendo e em queda, a nação da América do Norte precisa atrair pessoas de fora para continuar a se desenvolver. Montreal não foge disso e tem se tornado particularmente interessante pelas facilidades para quem deseja ir estudar, trabalhar e se estabelecer por lá.

;No passado, as companhias poderiam preferir os trabalhadores locais, mas, hoje, a oferta não é tão farta, então quem vem de fora e é qualificado consegue vaga;, comenta. ;Montreal está tendo um grande crescimento econômico. E atribuímos isso ao pool de talentos que existe aqui, composto por trabalhadores locais e internacionais. São pessoas multiculturais, muito preparadas e dispostas a se mudar.; Em dezembro do ano passado, recrutadores de empresas locais estiveram em solo brasileiro em busca de profissionais em campos como tecnologia da informação (TI). Segundo Martin Goulet, vice-presidente de Talentos internacionais da Montréal International, as avaliações foram positivas. ;Todos os representantes de companhias ficaram muito, muito felizes com os candidatos brasileiros, pela experiência e pela qualidade deles;, observa.

Tanto é que há trabalhadores como Vinícius Toná, 29 anos, que conseguiram emprego com relativa facilidade. Ele nunca tinha saído do Brasil até os 25 anos e resolveu ir para Quebec fazer um estágio mediado pela Aiesec. Lá, começou a trabalhar e a aprender francês, até porque dominar a língua é um dos requisitos para conseguir imigrar. ;Tem muito suporte do governo e as melhores aulas que tive do idioma foram públicas. Demorei uns dois anos para aprender a língua;, conta. Graduado em análise e desenvolvimento de sistemas pela Unicesumar, em Maringá, com especialização em java e em desenvolvimento web pela mesma instituição, ele atua hoje como desenvolvedor de software da startup LogMeIn, que tem uma unidade em São Paulo também.

;É a melhor empresa em que já trabalhei, e a conheci procurando companhias com excelentes avaliações na internet. A seleção era composta por uma conversação, uma prova de programação e uma chamada por vídeo;, afirma. Vinícius começou a trabalhar no local em novembro de 2017. Algumas das vantagens oferecidas pela LogMeIn são a possibilidade de trabalho remoto (que Vinícius aproveita quando viaja ao Brasil para visitar os pais) e de férias ilimitadas (o funcionário escolhe quanto quer tirar de recesso a cada ano). Antes disso, trabalhou por mais de dois anos em outra empresa de tecnologia em Montreal.

Hoje, está totalmente adaptado ao local e se casou com uma filipina que vive no Canadá desde pequena. François Biron, analista sênior de RH da LogMeIn, explica os critérios de seleção da companhia. ;Independentemente de a pessoa ser ou não daqui, recrutamos quem sabe trabalhar. Nós avaliamos vontade, curiosidade e capacidade de resolver problemas;, informa. O escritório em Montreal tem uma equipe de 75 empregados e cinco estagiários. Um terço dos colaboradores é formado por estrangeiros. ;Não sei por que, mas os brasileiros se adaptam muito bem aqui. Eles são muito interessados;, elogia.

Hub tecnológico

Segundo a Montréal International, a quantidade de estudantes internacionais na cidade cresceu 21% entre 2015 e 2018. As 11 universidades, mais de 60 faculdades e 50 unidades de ensino técnico recebem alunos interessados em estudar os mais diferentes campos do saber. No entanto, a metrópole se destaca por oferecer empregos nas áreas de inteligência artificial, desenvolvimento de videogames, engenharia aeroespacial, tecnologias de saúde e ciências da vida, efeitos especiais e animação. ;Montreal decidiu focar na economia do futuro;, observa Christian Bernard, economista-chefe e vice-presidente da Montréal International.

Há oportunidades, ele destaca, não só para estudar e trabalhar, mas também para abrir uma empresa. ;É um local barato de morar e fazer negócios. O custo de empreender é bem competitivo.; Assim, não é de se estranhar que tantas startups estejam surgindo na cidade, especialmente em áreas ligadas à tecnologia. E há muito incentivo para esse tipo de companhia: mais de 30 incubadoras e aceleradoras dão apoio a negócios do tipo. Muitas empresas do tipo funcionam nos mais de 45 espaços de coworking da cidade. Algumas das startups mais famosas são Hopper, de reserva de voos e hotéis, e Element AI, de inteligência artificial. ;Montreal era conhecida como centro de diversão e gastronomia, mas não como lugar de investimento. Isso está mudando. Nos últimos anos, 35 grandes empresas investiram em inteligência artificial aqui;, diz Hubort Bolduc.

O Mila é um dos grandes polos de desenvolvimento de inteligência artificial na cidade. Trata-se de um laboratório, fruto de parcerias entre universidades, fundado por Yoshua Bengio, uma das maiores referências mundiais em aprendizagem de máquinas. O local concentra cerca de 500 pessoas, das quais 350 são estudantes e 40, professores. Ficam ali também 19 startups. Cientista da computação pela Universidade de Brasília (UnB), Hansenclever Bassani, 39, é figurinha carimbada no espaço, onde é pesquisador visitante há 10 meses (o período de visita será de um ano). Interessado em inteligência artificial, ele fez mestrado e doutorado em redes neurais artificiais (um modelo computacional de aprendizagem) na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde é professor adjunto.

;Escolhi o Mila porque é uma referência na área.; Tudo começou com Hansenclever enviando um e-mail para Yoshua Bengio. Há dois anos, o contato se aprofundou quando ele visitou o laboratório canadense e quando um representante do Mila visitou a UFPE. ;Foi quando decidimos fazer esse estágio de colaboração.; O professor conseguiu liberação da universidade e mantém o salário que recebia no Brasi. Ele veio de Recife acompanhado da mulher e do filho, de 4 anos. ;Foi uma aprendizagem imensurável para mim. É um ecossistema educativo muito bacana;, comenta. Ele também ganhou em conhecimentos linguísticos. ;Forneceram dois cursos de francês para mim e eu já tinha começado a estudar no Brasil pensando em vir para cá durante esse período. Hoje, consigo me comunicar na rua, virei proficiente no dia a dia.;

Voltando para o Canadá

Sophia Zaia, 29, estudante de mestrado em ciência política na Université de Montréal, já tinha uma relação com o Canadá. Durante o ensino médio, ela fez intercâmbio pela Rotary International em Winnipeg. Sophia tem uma coleção de experiências no exterior. Graduada em relações internacionais pela UniCuritiba desde 2014, fez dois intercâmbios acadêmicos durante a faculdade: em Coimbra, em Portugal; e em Winnipeg, com bolsa do governo canadense. Ela fez também mestrado em relações internacionais em Londres, com bolsa. Ela correu atrás de voltar para o Canadá, desta vez, para Montreal.

;É uma cidade fantástica, grande e acessível;, comenta ela, que conseguiu uma insenção de taxas na mensalidade. A jovem chegou a fazer estágio e monitoria e, agora, trabalha como pesquisadora num projeto para aumentar a qualidade de vida em Montreal a partir do design. Para economizar, a estudante procura promoções antes de comprar e come em lugares baratos. ;A dica que eu daria para quem quer vir é pesquisar bastante as opções, planejar, fazer uma lista de prós e contras e entender que não vai ser fácil. Chegando aqui, o conselho é buscar opções de integração e não se isolar.; Ela destaca que isso é especialmente importante no inverno.

Talento valorizado

A brasileira Carla Simon, 28, conseguiu trabalho na mesma universidade onde fez mestrado em estudos internacionais com uma bolsa parcial: Université de Montréal. Hoje, ela é conselheira de admissão e recrutamento. A universidade tem 103 anos e está entre as 100 melhores do mundo. No total, são 45 mil estudantes, dos quais 9.316 são estrangeiros, de 120 países. A instituição conta com 2.700 professores e 600 cursos.

O interesse por Montreal surgiu graças ao amor por aprender idiomas. Carla combinou com o marido, na época namorado, Rafael Becker, 42, de passar uma temporada fora para se aperfeiçoar. Em busca de um lugar onde ela pudesse treinar o francês e ele, o inglês, o casal encontrou, em Montreal, o destino ideal. Depois de um intercâmbio linguístico de quatro meses, os dois voltaram ao Brasil, em 2014, mas se deram conta de que queriam voltar. Então, Carla, que é jornalista pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), veio estudar, e o marido trabalhar (primeiro, como carregador de caixas e, depois, com representação de vendas). ;Nada foi fácil;, explica. ;Ninguém vai bater na sua porta e perguntar: ;quer uma bolsa?; Fiz muita pesquisa, fui atrás de professores, estudei muito francês. Tudo isso faz diferença.;