Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

Colegas de quatro patas

Cachorros, gatos, hamsters e outros bichos são encontrados em espaços de trabalho por aí. Há empresas que estão se abrindo para essa possibilidade, já que a convivência com animais pode ser benéfica para os negócios

Quem diria que animais e trabalho pudessem coexistir? Os tempos mudaram e os empregadores têm mostrado maior abertura para a presença de pets nas firmas, que podem até aumentar a produtividade. Isso mesmo! Os bichos geram sensação de bem-estar, diminuem o estresse e aumentam a interação entre colaboradores, tornando o ambiente mais amigável. Como funcionários satisfeitos produzem mais e melhor, todos os lados saem ganhando. Esses benefícios foram comprovados por meio de pesquisas.

A possibilidade de levar o pet para o local de trabalho tem sido motor de atração de espaços de coworking: vários deles, em Brasília e no resto do país, permitem a presença animal. É o caso do Cowmeia, em Águas Claras, onde os pets podem acompanhar os donos. O local também conta com bichinhos próprios e outros que se tornaram xodós por volta e meia estarem lá. A fotógrafa autônoma Sarah Stedile, 34 anos, aluga uma mesa no lugar para trabalhar e aprova a iniciativa. Ela já levou Marvin para o serviço duas vezes.

;Percebi que foi uma experiência tranquila, ele ficou dormindo o dia todo, então resolvi trazer ele de novo;, afirma. O cachorro tem só três meses e, por não ter tomado ainda todas as vacinas, não pode ficar muito tempo no chão. Isso não foi problema porque ele ficou muito confortável na mesa da Sarah. Segundo ela, a presença do mascote não atrapalha o trabalho, pelo contrário. ;É gostosinho ter ele comigo, é uma distração boa, fico rindo com ele;, comenta.

Xodós
O Cowmeia conta com 18 funcionários, recebe cerca de 200 pessoas por dia, foi inaugurado em fevereiro e foi pensado para receber animais. Por quê? ;Só tive a vontade de montar um local com qualidade de vida, agradável e confortável para todos;, explica um dos proprietários Gustavo Miotelo, 34. O sócio e irmão dele é Thiago Miotelo, 34. Além de abrir as portas para bichos dos clientes, o ambiente conta com mascotes próprios. Igor Shiratori, 34, assessor do espaço, e os sócios adotaram duas hamsters: Jenifer e Janis, que moram ali. Outras frequentadoras ilustres são Rihanna e Nina, cadelas de Marina de Paula Oliveira, 23.

A jovem, que cursa direito no Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), usa o coworking para estudar, sempre acompanhada das cachorras. A irmã dela a engenheira Marília, 23, também é figurinha carimbada por ali. ;A Rihanna, que tem 2 anos, acabou virando mascote daqui, ela vem desde que o espaço estava sendo construído e ficou;, comenta Marina. A doberman é xodó do estabelecimento. Nina, de 13 anos, fica no colo de Marina quase o tempo todo. ;Ela é bem calma, vem menos que a Rihanna, mas, quando está aqui, não causa problema nenhum;, afirma. ;Venho muito aqui para fazer trabalho da faculdade e é supertranquilo vir com elas;, afirma.

Terapia psiquiátrica com bichos
A interação de pacientes psiquiátricos com animais resultou em uma melhoria motivacional, segundo um estudo pioneiro realizado pelo Hospital Vera Cruz em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV). Os resultados do projeto foram apresentados em 16 de junho pela psicopedagoga Liana Pires Santos, no Curso Pet Terapia, durante a Reatech ; Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade, organizada pela Cipa Fiera Milano em São Paulo. O trabalho terminou em 2018 e acompanhou por um ano pacientes psiquiátricos.

Com base no perfil dos pacientes, eles recebiam visitas de quatro grupos de animais: caninos, para quem tinha dificuldades motoras; roedores e lagomorfos (como coelhos), para esquizofrênicos, autistas, entre outros; aves com bico curvo, para quem precisava estimular a linguagem e trabalhar a atenção; e jabutis, para pacientes com distúrbio de aprendizagem, por exemplo. A conclusão é de que houve benefícios para os pacientes, que passaram a se vincular ao método terapêutico e a esperar as visitas semanais dos animais. Liana, que é representante da Ande-Brasil (Associação Nacional de Equoterapia) e diretora do Gati (Grupo de Abordagem Terapêutica Integrada), concluiu que a terapia alterou e melhorou questões motivacionais.

Tradição de abertura

Na startup de hospedagem em nuvem Configr, levar o cachorro para o trabalho é tradição entre os funcionários. Desde fevereiro, a empresa funciona no Cowmeia, mas, mesmo antes disso, quando a equipe atuava numa sede própria, a companhia de animais já era tradição. A companhia conta com 21 funcionários.O cientista da computação Arthur Furlan, 33 anos, é o CEO da firma, que tem como sócio Felipe Tomaz. Atualmente, Judite, cadela de Arthur, é sempre vista pelos corredores do espaço de coworking. ;Fiquei um pouco receoso de trazê-la para cá, mas eu já levava cachorro para o antigo escritório da empresa, que era menor. Aqui é bem maior, por isso fiquei com medo. Porém, a Judite ficou tão bem, o pessoal gostou tanto, que ela está quase virando funcionária;, brinca.

Segundo ele, a experiência de trabalhar com um animal ao lado é muito positiva. ;Acho que é legal porque, quando vamos fazer reunião, levamos e ficamos com ela no colo. Isso desestressa;, diz. ;É bacana, volta e meia o pessoal para para brincar;, completa. A tranquilidade de ter a cadela por perto ali também depende da personalidade do animal e, no caso dela, a convivência é harmônica e sem preocupações. ;Varia de cachorro para cachorro, mas a Judite passa a maior parte do tempo deitada. Às vezes sai, caminha, mas em cinco minutos está de volta;, conta.

Impacto na felicidade
Guilherme Krauss, fundador da consultoria Hümans at Work, idealizou um indicador inédito que mensura a felicidade nas corporações a partir da Hümans Happiness Survey. O objetivo é ajudar empresas a aumentar a satisfação dos colaboradores, afinal, um funcionário feliz é 31% mais produtivo e três vezes mais criativo, de acordo com o Center for Positive Organizational Scholarship. Na avaliação dele, um pet numa firma pode, sim, dar uma forcinha para a alegria das equipes. ;Isso está bem em alta ultimamente e, particularmente, acho bem legal. Há estudos que relacionam a presença do animal no ambiente de trabalho com questões como ganho de produtividade, melhora no relacionamento e diminuição do estresse;, explica ele, que é especialista em psicologia organizacional pela SAE.

;Tenho uma visão positiva, entendo que a presença do animal gera descontração, traz afeto ao ambiente de trabalho e é sempre uma influência positiva sobre as relações;, afirma. No entanto, os empregadores precisam tomar a decisão de permitir ou não bichos com cuidado. ;Essa escolha tem que ter a ver com a cultura da empresa, das pessoas que estão ali, tem que estabelecer regras para não virar uma bagunça e não desrespeitar o espaço dos outros;, alerta. Na opinião de Guilherme, a presença dos pets pode ser terapêutica. ;O animal é utilizado como forma de terapia, inclusive em tratamentos. Então, o contato com ele pode ser, sim, um fator de diminuição de estresse, já que o bicho estimula o toque, tem carinho, então isso já tira a tensão;, percebe.



*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa