Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

Falta sensibilidade do mercado com as mães

Essa é a conclusão de especialistas e de pesquisas. Tanto colegas quanto chefes de trabalhadoras com filhos precisam ter mais compreensão e empatia, especialmente durante a gestação e o retorno da licença-maternidade

Conciliar filhos e trabalho segue como desafio para a mão de obra feminina. Em pesquisa da plataforma Vagas.com, mais da metade das mães afirmaram ter passado por alguma situação desagradável no emprego quando estavam grávidas ou ao voltarem do período de afastamento. Entre as principais queixas estão comentários desagradáveis (23,7%), demissão (19,9%) e falta de empatia (16,9%). Fernanda Tochetto, psicóloga e diretora da FT Human Performance, acredita que a gravidez já foi uma questão muito mais complexa para a carreira. ;As mulhere estão conquistando cada vez mais espaço em ambientes corporativos. O tabu vem sendo vencido;, comenta.
Ela confirma que muitas mulheres costumam ouvir comentários desagradáveis quando contam que estão prestes a se tornarem mães. ;Os colegas precisam evitar frases como: ;não vai ser mais a mesma coisa;; ;não vai conseguir trabalhar da mesma forma;; ;pense bem;. Isso desanima e deixa as trabalhadoras com medo da maternidade;, diz. ;Atualmente, nós conseguimos exercer diferentes papéis. Ser boa mãe e continuar a carreira de forma saudável é possível;, explica. Ela também destaca que os chefes necessitam demonstrar apoio. ;Quando as mulheres notam que estão recebendo suporte, elas se sentem mais tranquilas. A pressão atrapalha tanto o desenvolvimento das atividades no emprego quanto a experiência da gravidez;, esclarece.

;Evite comentários como ;ah, já passei isso com meu cachorro;; ;não vou te promover porque essa posição exige viajar, e você é mãe;. Não desconsidere a profissional só porque ela tem filho;, orienta Luciana Calegari, que trabalha com recrutamento e seleção no Vagas.com. Formada em administração, Luciana destaca que os gestores precisam saber que as mães terão agenda diferente, mas isso não atrapalha a produção. ;Converse com a mulher. Não é o chefe que decide o que ela consegue ou não fazer.;

Discriminação

Carol Manciola, administradora pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), observa que os contratantes ainda discriminam mulheres por causa da possibilidade de engravidar. ;Ou preferem quem tem filhos maiores ou quem tem menos possibilidade de iniciar uma gestação;, afirma. Ela, que é proprietária da Posiciona, empresa de orientação profissional, acredita que as organizações precisam observar os lados positivos de uma gravidez. ;Aquelas que são mães, quando voltam para o mercado de trabalho, têm mais garra e determinação para cumprir as tarefas;, considera. ;Sim, as mães precisam se adequar às necessidades dos filhos. Então, elas vão abrir mão de algumas coisas, mas isso ocorre com todas as pessoas;, pondera. ;Todos abrem mão de uma área da vida para se dedicarem a outra;, completa. Os chefes devem ter noção de que a colaboradora vai passar por momentos difíceis, porém demiti-la ou desrespeitá-la não é o caminho. ;Os empregadores precisam flexibilizar horários e repensar para aumentar o desempenho da mulher;, diz.

Prioridade

Mariana Landim, 28 anos, foi mãe aos 25 e enfrentou muitas dificuldades no aspecto profissional. ;Quando engravidei, trabalhava como colaboradora na Defensoria Pública do DF, ou seja, era voluntária para adquirir experiência. Logo nos primeiros meses de gestação, preferi sair por causa dos enjoos;, conta. ;Depois que minha filha, Luiza, nasceu, fiquei um ano sem trabalhar. Cheguei a abrir uma loja de roupas em casa para poder ter uma renda; diz. Porém o projeto começou a dar errado, e a advogada decidiu voltar ao mercado na área em que se graduou.
Ao atualizar o currículo, Mariana ficou muito insegura em relação às informações sobre o ano em que ficou parada. ;Eu não sabia se falava que tinha ficado sem trabalhar por causa da minha filha;, relata. Após algum tempo, ela conseguiu emprego em um escritório de advocacia. ;Normalmente eu tinha hora para entrar, mas não para sair;, conta ;Por isso, deixei esse escritório. Hoje, trabalho como advogada sozinha;, comenta. ;Ainda é muito difícil conciliar a rotina profissional com a Luiza, mas tento atender todos os meus clientes até as 17h30, pois, depois desse horário, sou toda da minha filha;, afirma.

;Já pensei em desistir várias vezes! Porém, quando nos tornamos mães, somos responsáveis por outra pessoa pelo resto da vida. Então, luto para dar a melhor vida para a Luiza;, diz. A advogada considera que falta ainda aos chefes sensibilidade. ;Acredito que muitas empresas ainda têm preconceitos e não entendem a rotina de uma mãe. Por exemplo, eu me sinto mais segura com uma chefe mulher, pois imagino que ela será mais compreensiva.;

A dificuldade de conseguir emprego


Mãe de uma menina de 3 anos, Francine Andrade, 21 anos, relata que sente muita dificuldade para conseguir emprego. ;Eu até sou chamada para algumas vagas, mas quando informo que sou mãe, logo sou descartada;, afirma. ;Os contratantes já chegaram a me dizer que eu não havia sido selecionada porque achavam que eu não ia conseguir conciliar as duas rotinas;, conta. Atualmente, ela vende cachorro-quente para complementar a renda familiar. ;O pai da minha filha paga pensão, mas não é o suficiente para suprir todos os gastos. Então, faço a comida na minha casa e divulgo nas redes sociais; os clientes ligam, pedem e eu vou até eles entregar;, conta. Francine acredita que as empresas deveriam adaptar os horários de trabalho para as mulheres que têm filhos. ;Costumam me perguntar se eu tenho com quem deixar a criança, se eu vou ter que ficar saindo toda hora. Acho que os contratantes poderiam colocar turnos adequados para as mulheres;, diz. ;Penso que é difícil que isso aconteça, pois, no mundo de hoje, quem trabalha não tem tempo nem para si próprio;, observa.

*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa