Samara Schwingel*
postado em 14/04/2019 15:06
Mentor: uma bússola para a carreira
Já pensou se você pudesse contar com os conselhos de alguém mais experiente na sua área de atuação na hora de tomar decisões? É para isso que existe a mentoria. O formato, que pode ser pago ou gratuito, tem ganhado tanto destaque que virou programa institucional em muitas empresas, possibilitando aos novatos aprender com os veteranos
Já imaginou ter alguém que o aconselhe em momentos importantes e que sirva de referência enquanto você traça sua carreira? Esse é o papel de um mentor. Uma pessoa que tem mais experiência na sua área de atuação e o ajuda a entender mais sobre determinado assunto, além de dar orientações a fim de definir a melhor maneira de lidar com possíveis problemas. Achar um conselheiro do tipo não precisa ser um bicho de sete cabeças: basta procurar por alguém que tenha uma trajetória admirável.
Ele também precisa estar disposto a aconselhar alguém que queira seguir o mesmo caminho. Esse tipo de orientação é cada vez mais valorizado: existem até sites e aplicativos que podem ajudar interessados a encontrar mentores. A tendência também chegou ao mundo corporativo: grandes empresas, especialmente as grandes e as multinacionais, têm promovido programas institucionais para a troca de conhecimento entre colaboradores novatos e antigos.
Entenda papel
É importante destacar que um mentor é diferente de um coach. Enquanto o primeiro é um tipo de conselheiro, que você pode procurar nos momentos de dúvida; o segundo é uma espécie de provocador, que deve instigá-lo e ;treiná-lo; para alcançar algum objetivo. Um mentor é alguém mais experiente no seu ramo de atuação e capaz de aconselhar outro indivíduo. Não é necessário que ele passe por formação específica em mentoria para auxiliá-lo: a própria trajetória, os conhecimentos e as conquistas dele servem de base para orientar pessoas que pretendem trilhar ou trilham o mesmo caminho. Na hora de iniciar uma trajetória ou tomar uma decisão de carreira, é importante estar seguro da escolha e ciente das consequências.
Para as pessoas que não se sentem dessa forma, os mentores se tornam importantes aliados na caminhada profissional. A interferência de um conselheiro afeta o desempenho e a produtividade dos mentorados, indicam especialistas em gestão de pessoas. De acordo com Deise Gomes, gerente executiva da consultoria Thomas Case & Associados, o mentor funciona como um guia. ;Esse tipo de orientador ajuda o profissional a perceber as opções e escolher o melhor caminho;, afirma ela, que é master coach. ;Na maioria das vezes, é uma pessoa de dentro da empresa ou um conhecido que tem experiência de vida ou carreira que sirva para dar dicas;, completa.
Na visão do contratante
Deise Gomes, graduada em gestão de recursos humanos pela Universidade Anhembi Morumbi, auxilia empresas interessadas em implementar programas do tipo a estruturar mentores. Para ela, o método não deveria ser aplicado apenas na área profissional, mas nos outros aspectos da vida também. ;Todas as pessoas deveriam passar por mentoria uma vez, sem dúvida;, considera. ;Temos grandes corporações multinacionais e nacionais com RHs mais estruturados, que têm trazido a técnica para dentro de suas organizações;, completa.
No mundo corporativo, ela explica, o público-alvo dos programas institucionais de mentoria é quem trabalha nos níveis executivos e administrativos de uma empresa. Érika Gagliardi, professora de administração do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), ressalta que investir na aprendizagem do colaborador é uma tendência entre empregadores, inclusive por meio de iniciativas do tipo. ;É possível notar que cada vez mais empresas, especialmente as grandes, apostam em programas de mentoria e coaching;, afirma a administradora, especialista em recursos humanos e mestre em gestão do conhecimento pela Universidade Católica de Brasília (UCB).
;Os setores de recursos humanos estão buscando desenvolver algumas habilidades. Esse tipo de processo é mais eficaz para o aprendizado de competências-chave por parte dos colaboradores do que outras alternativas, como oferecer cursos;, continua. Os contratantes valorizam cada vez mais atributos comportamentais, como resiliência e flexibilidade. Em vez de priorizar capacidades técnicas, preferem recrutar pessoas aptas a mudar. ;Os RHs estão contratando empregados que sejam capazes de se adaptar e aprender coisas novas;, afirma Érika.
Ela pondera, no entanto, que existem pessoas sem técnica para desenvolver essa influência. ;Têm muitos mentores vendendo um conhecimento que não possuem. Vendem uma coisa, mas não têm experiência naquilo;, diz. Por isso, ela orienta diretores de RH e profissionais interessados em aconselhamento a checar os dados antes de contratar alguém, quando a ajuda for paga. ;Para uma empresa, é importante prestar atenção e ir atrás do currículo da pessoa em questão, falar com quem passou pelo processo e buscar referências;, ressalta.
A contrapartida de quem recebe orientação
A professora Érika destaca que programas de mentoria só funcionarão se houver vontade por parte do mentorado ; não bastar ser um desejo do empregador. ;Ter um orientador muda muito a experiência de uma pessoa dentro da empresa, mas sempre depende do colaborador querer aprender;, diz. ;A fim de que o processo seja bem-sucedido, também é importante escolher um mentor adequado, que seja referência naquela área de atuação;, observa. Ela acredita que, se por acaso um conselho der errado, não adianta culpar o conselheiro. ;Eu não iria por esse caminho de apontar culpados. Apesar de o mentor ter experiências, ele não sabe tudo. Não há garantias de que algo dará certo, são riscos a se correr;, afirma.
Segundo Almir Neves, formado em administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o processo é um bom primeiro passo para crescer profissionalmente. ;Gosto muito de um ensinamento que aprendi quando jovem: para saber como é estar em um local, uma posição ou enfrentando um desafio, primeiro fale com quem chegou lá;, afirma ele que participou de curso de educação executiva na Universidade Harvard. Durante nove anos, ele foi consultor de training e gestão e confirma que programas de mentoria são uma tendência crescente nas empresas. ;Muitas vezes, um bom processo desse tipo acaba por utilizar recursos internos da empresa e evita investimento em treinamentos externos;, conta Almir, que fez MBA.
Três perguntas para
Almir Neves, consultor e CMO (Chief Marketing Officer, diretor de marketing) da Ideris Lab, plataforma de marketing e gestão
Quais são as vantagens e s desvantagens de um processo de mentoria?
O método apresenta muitas vantagens e pode ser utilizado em diversos momentos dentro das empresas, desde uma nova contratação, de modo que o mentor auxilie o recém-chegado a entender como é a dinâmica do negócio, até em casos de promoções executivas, nas quais o novo líder conta com o apoio do mentor para navegar na nova função. Não existem desvantagens claras nesse processo de mentoria, mas, sim, pontos de atenção, por exemplo, saber se o profissional que será o mentor está preparado para executar esse papel.
O que fazer para escolher em um mentor?
O primeiro ponto é buscar ser mentorado por alguém que você admira e esteja em uma posição que você almeja no futuro.
O que fazer se você seguir um conselho e as consequências não saírem como planejado?
Um bom mentor faz as perguntas certas e dificilmente dá conselhos errados, mas vale lembrar que é sempre do mentorado a responsabilidade das decisões tomadas. Se algo não der certo, comece de novo e busque outro caminho.
EXPERIêNCIAS ENRIQUECEDORAS ;
A importância de um guia profissional
Confira casos de pessoas que passaram por mentoria ou foram mentoras de outras
;Muitas pessoas de sucesso têm mentores!”, observa Evaldo Bazeggio, 62, dono de uma consultoria empresarial. Segundo ele, nos últimos tempos, a procura por esse serviço aumentou consideravelmente. ;Dentro de uma empresa, há dois níveis profissionais que são interessantes para esse tipo de programa: o gerencial e o executivo, que têm boas oportunidades para aproveitar esse recurso;, declara. O administrador, formado pela Universidade do Contestado (UNC), acredita que a experiência é importante. ;Qualquer pessoa que queira acelerar o processo de desenvolvimento pessoal ou do negócio deve considerar o mentor como uma possibilidade;, afirma.
;É, sim, possível trilhar esses caminhos sem orientação, mas a questão é a velocidade. Não há problemas em errar, mas ter uma ajuda reduz bem a margem de erro;, continua. Evaldo cita dois aspectos importantes para o sucesso do formato. ;Quero destacar que, para ser mentor, é necessário entender sobre o ramo de atuação da pessoa que você está orientando. Experiência não é tudo. Além disso, é indispensável conhecer ferramentas e métodos de mentoria, que aceleram o processo de aprendizagem;, explica. ;E nem sempre precisa ser uma pessoa de mais idade. Por exemplo, um jovem de 22 anos que entende mais sobre o universo digital pode guiar alguém como eu, que sou mais velho, porém não tenho domínio no assunto;, diz.
O sociólogo José Umberto Pereira, 60, dono de uma escola de liderança e performance em Brasília, foi mentorado por Evaldo assim que decidiu abrir o próprio negócio, em 2016. Eles trabalharam juntos na Caixa Econômica, até que Evaldo saiu para empreeder. Assim que decidiu seguir o mesmo caminho, pensou no colega para ajudá-lo e fornecer algumas dicas. O serviço foi pago. ;Eu era diretor da área de pessoas da Caixa. Então, conhecia muito esse meio, mas não tinha domínio do funcionamento de um negócio. Procurei apoio para saber como me posicionar e quais estratégias deveria aprender e trazer para me estabelecer nesse mercado;, esclarece José Umberto. ;A mentoria deu luz ao caminho e encurtou a estrada, evitei cometer alguns erros que poderiam atrasar a abertura do meu negócio;, continua.
José acredita que, para quem quer melhorar no aspecto profissional, essa é uma aposta certeira. ;Uma dica é: pesquise bem antes de aceitar um mentor porque, às vezes, a pessoa não tem a experiência e as ferramentas necessárias para auxiliar outro indivíduo;, afirma. Segundo ele, no mercado, há quem afirme ser mentor, mas não tem verdadeiramente conhecimento. ;Conheça o histórico e o currículo, pois, infelizmente, tem muita gente atuando como mentor em uma área da qual não tem domínio. Isso é importante para acreditar que realmente o processo vai agregar aos seus objetivos;, conta. Evaldo observa que, no caso de José Umberto, a mentoria foi mais empresarial. ;A mentoria é uma atividade de inspiração e de transferência de conhecimento e experiência, usando ferramentas e métodos, e muito usada na modelagem de um negócio, ou de uma carreira;, explica.
;É muito usada, por exemplo, para startups. Serve como aceleração. Nesse caso, normalmente a mentoria é dada por empresários que alcançaram sucesso e transferem conhecimentos e inspiram novos empreendedores;, esclarece. Apesar de também ser coach, ele explica que o método usado é diferente. ;As diferenças estão no tipo de projeto e no método de atuação. Um projeto de coach é uma atividade de parceria que usa as 11 competências da ICF (International Coach Federation) para apoiar a pessoa a viabilizar objetivos, pessoais ou profissionais relevantes;, compara. ;O coach não induz o cliente a trilhar o caminho X ou Y;, completa, explicando que, a partir da meta traçada, o treinador usa ferramentas para auxiliar a pessoa a chegar lá.
Troca constante
A PwC, multinacional de consultoria tributária, conta com um amplo programa de mentoria. Assim que o funcionário ingressa na instituição, lhe é designado um mentor por escolha dos superiores. No segundo ano, a pessoa tem a opção de escolher por conta própria alguém para receber conselhos. No entanto, sempre é alguém em nível hierarquicamente superior ao da pessoa: não precisa ser o chefe direto nem alguém da mesma área, basta ter mais experiência. Flávia Santos, 30 anos, trabalha na firma há 10. Formada em ciências contábeis pela Universidade de Brasília (UnB), é gerente de Auditoria na companhia e mentora de quatro profissionais da área. ;Consigo ir acompanhando a rotina deles, sem precisar estar sempre junto;, relata. ;Começamos com uma reunião para entender os interesses e traçar as metas dos mentorados;, diz.
;A partir de então, eu acompanho o progresso deles dentro da PwC e nas metas pessoais;, completa. ;No fim de cada ciclo, fazemos uma avaliação geral para definir no que podemos melhorar e o que devemos manter no planejamento;, afirma. Ao entrar na empresa, Flávia também passou pelo processo e teve uma ótima experiência. ;Eu era sênior e estava perto de uma promoção para outro cargo quando percebi que precisava melhorar meu inglês;, conta. ;Então, falei com meu mentor sobre fazer um curso fora e ele me auxiliou no processo;, afirma. Com essa ajuda, Flávia conseguiu estudar inglês no Canadá e, ao voltar para o Brasil, entrou em um programa de intercâmbio da própria empresa. ;Havia conversado anteriormente sobre o meu desejo de participar do intercâmbio. Quando surgiu a oportunidade, meu mentor me ajudou em todo o processo para passar dois anos fora;, completa.
A auxiliar de Auditoria Daniela Antunes, 26, é uma das quatro mentoradas de Flávia. Também formada em ciências contábeis pela UCB, ela conta que se baseou na admiração que tem pela colega para escolhê-la como guia. ;Faz um ano que decidi receber conselhos da Flávia. A carreira que ela teve aqui dentro me inspirou muito. Então, por que não pedir ajuda para ela a fim de conseguir crescer da mesma forma?;, questiona. A jovem acredita que o método é muito positivo. ;O processo me ajudou a direcionar a atenção para as áreas que eu queria desenvolver profissionalmente. Todo mundo deveria receber uma mentoria, pois o crescimento é muito grande ao contar com um colega para te dar dicas;, esclarece. O primeiro contato de Daniela com o método foi na firma. ;Apesar de não ter experiências anteriores, nunca fiquei sabendo de um processo que deu errado;, conta.
Formato ao contrário
No Brasil, o programa de mentoria da multinacional de alimentos e bebidas Nestlé atendeu cerca de 300 pessoas desde 2015. A chamada mentoria reversa teve início em 2017. Nesse formato, é o mais novo quem ;ensina; ao mais experiente sobre o seu trabalho e a vivência na empresa, a fim de promover uma troca entre gerações. E os veteranos aproveitam para aconselhar os novatos. Há encontros periódicos entre líderes e jovens da empresa com o objetivo de aproximar a geração mais digital daqueles que são mais antigos no mercado. Além disso, os líderes buscam entender como os jovens pensam, se relacionam e consomem os produtos da marca e como interagem com as mídias. Em troca, os novatos recebem orientação de carreira, agilizando o próprio desenvolvimento no ofício.
Marco Custodio, 44, vice-presidente de RH, participou dos dois formatos de mentoria: o primeiro quando ingressou na firma, como trainee; e o segundo, mais recentemente. Formado em administração pela USP, ele acredita que o acompanhamento foi fundamental para o desenvolvimento pessoal e profissional. ;Ter essa troca durante meu programa de trainee foi importante para os momentos em que tive de tomar decisões difíceis;, lembra. Ano passado, Marco iniciou um novo processo de mentoria, mas, desta vez, voltado para o ambiente digital. Aos 44 anos, o diretor de RH da empresa passou a receber dicas de um rapaz, analista de redes sociais da companhia, sobre como integrar ferramentas digitais ao dia a dia do trabalho. ;Sim, ele era mais novo que eu. Na mentoria, não existe essa hierarquia, por isso, acaba se tornando também um processo inclusivo;, declara.
Possível desvantagem
Psicóloga pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-graduação em administração pela FGV, Beatriz Nóbrega avalia programas de mentoria de forma muito positiva. Na avaliação dela, que é chefe de RH do banco CBSS, a experiência pode melhorar a aprendizagem organizacional de uma instituição, expandir o aproveitamento de talentos e contribuir para o fortalecimento da cultura organizacional. Porém, apesar do bom funcionamento dos programas, Beatriz faz um alerta sobre possíveis riscos durante o processo. ;Em relação às desvantagens, às vezes, dentro de uma empresa, o mentor começa a torcer demais pelo sucesso do mentorado e perde a neutralidade necessária;, explica. ;Nesses casos, o orientador pode ;tomar as dores; do aconselhado e criar um clima ruim na empresa;, completa.
Mãozinha virtual
Confira sites e aplicativos para achar mentores
; Mentorar
Um site que utiliza informações do perfil pessoal ou empresarial do interessado e constrói uma rede de relacionamento com mentores e empreendedores. Nele é possível encontrar mentores de diversas áreas de atuação e solicitar reuniões virtuais ou presenciais com hora marcada.
; LinkedIn
A rede social profissional pode ser um bom canal para você encontrar um mentor entre seus contatos. Mas há uma opção ainda melhor: uma parte do site voltada justamente para ajudar interessados a acharem conselheiros. O mentor e quem busca ajuda só se falam após ambos aprovarem o perfil um do outro. Ou seja, quando há um ;match;. Os perfis são exibidos no LinkedIn em formato de card, onde é possível aprovar ou recusar.
; Mentorize
Site no qual é possível mentores e mentorados estabelecerem contato para iniciarem um processo de consulta on-line.
; Knowe
Plataforma on-line que conecta indivíduos e conselheiros do mundo todo. Após um pagamento, os usuários agendam conversas com um dos 580 mentores disponíveis e falam, por vídeo, sobre as dúvidas profissionais.
Leia!
Mentor-minuto ; Como encontrar e trabalhar com um mentor e as vantagens desse relacionamento
Autor: Ken Blanchard e Claire Diaz-Ortiz
Editora: Best Business
154 páginas
R$34,90
Um guia em forma de parábola de como encontrar um bom mentor.
Na obra, os autores cruzam histórias de pessoas que foram conselheiras e outras que receberam ajuda, estabelecendo, então, a relação entre mentor e assessorado.
Mentoria ; Elevando a maturidade e desempenho dos jovens
Autor: Sidnei Oliveira
Editora: Integrare
152 páginas
R$30,90
Mentoring startups ; como encontrar, engajar e conquistar clientes. Dicas de um vendedor a um empreendedor
Autor: Marcos Mylius
Editora: Marcos Mylius
159 páginas
R$22,00
Ferramentas de mentoring
Autor: João Alberto Catalão e Ana Teresa Penim
Editora: Lidel
232 páginas
R$ 109,88
* Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa