Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

Filha de cozinheira é aprovada em medicina na UnB

A jovem tem uma doença neurológica, é ex-aluna da rede pública, concluiu o ensino médio pela EJA e precisou interromper os estudos mais de uma vez

Rithiele Souza, 24 anos, será caloura de medicina da Universidade de Brasília (UnB). A estudante enfrentou diversas dificuldades para se formar no ensino médio e, na segunda-feira (25), conseguiu realizar o sonho de passar para medicina na instituição. A emoção ao ver o próprio nome na lista da 3; chamada do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), que se baseia na nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), foi grande.

Nas redes sociais, a jovem comemorou, garantindo: "A filha da cozinheira vai ser doutora" Filha de uma cozinheira, Rithiele tem paralisia hemiplégica cerebral. Além da doença, a jovem precisou lidar com problemas graves em casa: aos 14 anos, abandonou os estudos por causa disso. A mãe dela foi vítima de violência doméstica e, no mesmo período, a jovem passou por uma depressão. ;Eu não tinha mais vontade de estudar, de fazer nada, foi um momento bem conturbado;, afirma a estudante.

Após passar três anos sem estudar, aos 17, ela cursou o 1; ano do ensino médio por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Porém, como ainda era menor de idade, não conseguiu se graduar. ;A Secretaria de Educação não permitiu que eu terminasse pelo EJA, pois ainda não tinha 18 anos. Fui obrigada a voltar para o ensino regular, mas não consegui acompanhar e larguei de novo;, lembra.

Depois, vieram mais três anos sem estudos, período no qual a moradora de Sobradinho trabalhou em diversas empresas como atendente. Aos 20 anos, Rithiele voltou para a EJA e, dessa vez, conseguiu se formar, pegando o diploma de conclusão do ensino médio em 2015. Depois de um ano, decidiu ir atrás do sonho de ser médica. Ela estudou sozinha, tendo como base cursinhos on-line e o programa Bora Vencer, da Secretaria de Educação. Graças ao empenho, passou para odontologia no ano passado, mas optou por não assumir a vaga, pois não era isso que ela realmente desejava.

Apoio


Depois de começar a estudar para o Enem, a jovem afirma que recebeu bastante apoio da família, mas que nem mesmo os familiares acreditavam muito na aprovação dela devido à doença e à trajetória escolar. ;Meu maior apoio foi meu namorado, ele me incentivou muito. Até me mudei para a casa dele na Asa Norte para estudar melhor. Ele passa o dia no trabalho, então eu tinha tempo e espaço para os estudos;, acrescenta.

Os familiares receberam a notícia da aprovação de Rithiele em medicina com muita emoção. ;Todo mundo chorou! Acho que nem eu acredito, a ficha ainda não caiu;, afirma. ;Eu já estava descrente, a terceira chamada era minha última chance;, admite.

Futuro na medicina


A brasiliense deseja trabalhar na área de neurologia pediátrica. ;Passei muito tempo em hospitais, ouvi histórias tanto de sofrimento quanto de superação. Esse fator me motivou muito a escolher essa profissão;, explica.

Rithiele afirma que enfrentou diversos tipos de preconceitos, por causa da doença, da renda, entre outros fatores. Porém, não se deixou abalar. ;O que eu sempre digo é: antes de desistir, pense na sua vida e se vale a pena. Será que você se conforma de estar onde está? O mais importante é estar feliz. Não importa se dizem que você é deficiente, pobre, negro;, declara.

Rithiele passou nas vagas remanescentes da UnB pelo Sisu por meio de cotas para pessoas com deficiência, determinadas pela Lei n; 13.409/2016. Na opinião dela, todas as cotas são importantes, principalmente as sociais. ;Sou a favor de cotas em qualquer âmbito, mas é importante manter as sociais. Defendo ainda que as de deficiente sejam ampliadas, pois precisamos de inclusão;, defende.



*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa