Thays Martins
postado em 28/10/2018 15:22
Em Brasília para participar de evento para executivos, o médico e escritor Drauzio Varella ressalta a importância do bem-estar no trabalho. A palestra, promovida pela startup de academias Gympass e pelo Laboratório Sabin, tinha como objetivo discutir a promoção da qualidade de vida nas empresas. Para o médico cancerologista formado pela Universidade de São Paulo (USP) e pioneiro no tratamento de Aids no Brasil, o método mais simples de estimular isso é a atividade física. Afinal, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 3,2 milhões de pessoas morrem por ano em decorrência de doenças causadas pelo sedentarismo.
Por isso, o desafio é fazer as pessoas mudarem seus hábitos de vida. ;Fazer exercícios não é prazeroso. Não há disposição. Ou a gente tem uma disciplina militar ou não faz. Ele só fica bom na hora que acaba;, explica o médico, que mantém um canal no YouTube. De acordo com ele, o sedentarismo tem sido agravado pelas rotinas produtivas de trabalho, que cada vez pressionam mais mentalmente e exigem menos fisicamente. É aí que o papel das empresas de estimular o quadro de funcionários a se mexer passa ser fundamental ; por questão tanto de saúde quanto de produtividade.
Hoje em dia, muito se fala sobre qualidade de vida no trabalho. Como é possível promovê-la de fato?
Tem milhões de medidas. A primeira é pensar de que forma o trabalho é organizado. Como você pode trabalhar bastante, que hoje ninguém trabalha pouco, sem massacrar as pessoas, sem que o trabalho tire o lazer, a atividade física etc.? E são medidas que partem da organização e da natureza de cada trabalho. O que eu acho que tem que ser feito diante disso é dar às pessoas a chance de ter horas vagas para fazer atividade física. Cuidar da saúde não é fazer exames, isso é fazer diagnóstico precoce. O problema não é esperar que as pessoas adoeçam, que é a base do nosso sistema de saúde hoje, tanto no SUS (Sistema Único de Saúde) quanto na saúde suplementar.
O senhor defende que as pessoas devem ser responsáveis pela própria saúde. O que cada um pode fazer para ter mais qualidade de vida no trabalho?
O trabalho virou estressante. Antigamente, quando se tinha a função braçal, tinha um limite e um ritmo. Acabava o trabalho, a pessoa ia para casa, tinha o convívio com família, comunidade, vizinhos. Isso acabou. Primeiro, você trabalha sentado, não está fazendo um esforço físico. E, como é uma função predominantemente intelectual, no computador, esse trabalho não tem limite. A sua produção fica dispersa e tem de atender a uma quantidade de expectativas absurdas. Tudo isso com o celular o tempo todo chamando, mensagens de WhatsApp chegando... Todo esse estímulo causa uma pressão psicológica insuportável. Temos um problema seriíssimo de saúde mental no Brasil que vai ficar cada vez mais sério. As mulheres são as mais atingidas pelas características da sociedade moderna. Ela trabalha e, em casa, ainda é ela que tem grande responsabilidade. O trabalho tem de ser organizado de forma que permita um mínimo de tempo para a atividade física. E não tem nada pior do que a natureza do trabalho hoje, em que você acorda, pega o elevador, depois o carro, vai para o trabalho e passa o dia sentado. A vida sedentária destrói o corpo humano e vai destruindo de verdade. Os músculos vão enfraquecendo; as articulações vão perdendo elasticidade; as artérias vão se contraindo; a frequência cardíaca vai aumentando... É um conjunto de problemas causados por essa inatividade. O corpo não é preparado para isso. Nunca tivemos uma vida tão sedentária. Antes, você ia atrás de comida, caçava, pescava... A vida era assim: movimento sempre. Hoje, a gente fica sentado e com comida farta ; uma combinação explosiva.
Como o senhor disse, os problemas de saúde mental têm se agravado. A OMS prevê que a depressão será a doença mais incapacitante até 2020. O que pode ser feito para evitar esse mal?
O que se pode fazer é fácil, mas impossível na prática. Que é trabalhar um certo número de horas e ficar com a família, sair com os amigos, poder passear, ter uma relação com a comunidade. Posso dizer como eu resolvo isso: trabalho muito e não tenho esse tempo. Para sair com um amigo, tenho que combinar 10 vezes e corre o risco de, na décima vez, ainda não dar certo. Então, eu acordo cedo e saio correndo porque, com atividade física, você libera mediadores que dão sensação de tranquilidade, são antidepressivos, ansiolíticos, por isso que dá essa sensação boa quando termina. A vida está igual, os problemas são os mesmos, mas você tem outra visão mais otimista da vida toda. Esse foi o caminho que encontrei, e eu vejo que muitas pessoas conseguem tocar a vida dessa forma.
O Índice Sodexo de Qualidade de Vida no Trabalho (IQVT) de 2018, que mede a satisfação dos brasileiros com a ocupação profissional, caiu 13% em relação ao ano passado. A que podemos atribuir isso?
Eu acho que estamos em uma situação irregular. Porque, por um lado, temos essa pressão toda que só aumenta pela eficiência. A concorrência no mercado é cada vez maior. Você tem que estabelecer meta, tem que ser mais acelerado. Por outro lado, as empresas de hoje têm uma preocupação com a saúde e o estilo de vida do trabalhador que não existia há 20 anos. As companhias oferecem atividades que tentam diminuir essa pressão toda. Eu vejo a situação com otimismo. Acho que estamos caminhando, mais devagar do que eu gostaria, lógico, mas estamos indo para a frente. Eu diria que, se o trabalhador está estressado, trabalhando demais, é sedentário, começa a engordar, ele não vai produzir como o outro que levanta, faz uma academia. Esse vai trabalhar com muito mais disposição e vai custar muito menos, por causa da assistência médica.
Por que o senhor acha que as empresas começaram a olhar para a saúde?
É uma questão prática. Com o que as empresas gastam dinheiro hoje? Primeiro, com a folha de pagamento. Segundo, com a assistência médica. Se você economiza nessa área, você consegue gerar um produto mais barato e ganha força na competição.
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*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa