Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

Habilidades socioemocionais: da escola para a vida

As competências interpessoais são fundamentais no mercado de trabalho e precisam ser incentivadas desde os tempos de colégio. Educadores têm tentando descobrir modos para estimular esses atributos nos alunos

Ao passo que as habilidades socioemocionais são cada vez mais valorizadas no mercado de trabalho, ainda costumam ficar de lado no ambiente educacional. Agora, porém, o país está dando os primeiros passos para que esses atributos sejam cada vez mais desenvolvidos em colégios e faculdades. As instituições de ensino estão começando a entender que o lado emocional e comportamental dos estudantes é tão importante quando o conhecimento técnico ou científico. Isso ganha força com a inclusão das habilidades interpessoais na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define parâmetros para a elaboração dos currículos da educação básica de todas as escolas brasileiras.

Representantes de colégios de diversas partes do país se reuniram para falar sobre isso durante o 2; Congresso Socioemocional LIV no Rio de Janeiro. Promovido pelo Laboratório de Inteligência de Vida (LIV), programa de habilidades interpessoais do grupo Eleva Educação, o evento reuniu cerca de 700 pessoas. A socióloga e formadora de professores Lourdes Atié participou do evento e destaca que o primeiro passo deve ser a mudança do ambiente escolar. ;Em uma escola descuidada, os professores também estão malcuidados. A gente se conforma com a desgraça e aceita qualquer coisa. Mas não é para aceitar, não;, afirma. Para ela, a BNCC traz a chance de transformar a educação como a conhecemos. ;A base não é currículo. O momento é de estudar o documento e ver o que é relevante para cada escola.;

O investimento nas habilidades socioemocionais, acredita Lourdes, será o diferencial dos colégios. ;Atualmente, os conteúdos técnicos estão todos disponíveis na internet. O que faz a gente ser importante são as conexões que geramos;, afirma. Até 2020, as escolas terão de implementar nos currículos as exigências da BNCC. Na prática, isso quer dizer que elas terão de estar preparadas para ensinar competências interpessoais. Em Brasília, o Colégio Alub criou, no ano passado, o programa de habilidades socioemocionais Escola da Inteligência. ;A disciplina é uma vez por semana para todas as séries do fundamental;, explica Learice Barreto Alencar, diretora pedagógica da rede.

De acordo com ela, a necessidade de olhar para a parte social e emocional do aluno é transparente. ;A questão do socioemocional acaba explodindo em sala de aula. Então, a escola é o lugar para resolver essas questões. Valores, aprende-se em casa, mas a prática é aqui. Quando não há um equilíbrio com o emocional, não há aprendizado;, destaca. A iniciativa é aprovada pelos alunos. ;Aprendemos com dinâmicas, como a de fazer um jogo de memória sobre bullying;, conta a aluna do 6; ano do ensino fundamental Emanuelly Luise da Costa, 11.

Usar as competências para o bem

Howard Gardner (foto), pesquisador de Universidade Harvard e autor da teoria das inteligências múltiplas, veio ao Brasil participar do 2; Congresso Socioemocional LIV. Ele foi o primeiro a defender que as pessoas não têm apenas uma forma de inteligência, mas várias: musical, lógica, linguística, espacial, corporal, interpessoal... ;A ideia é simples: nós não temos só um computador na nossa mente. Temos diversos. E não é porque um não funciona bem que os outros também não funcionam;, esclarece. Para desenvolver essas múltiplas inteligências, seria necessário investir no lado socioemocional. ;Você pode ter todo o currículo, mas a parte mais importante é como as pessoas se comportam.; Para investigar como ensinar isso, o pesquisador mantém o The Good Project (Projeto bom, em português).

;Você pode usar qualquer inteligência para o bem e para o mal. Se você entende o sentimento dos outros, pode usar isso para unir as pessoas ou para manipulá-las. Temos de pensar para que estamos desenvolvendo essas habilidades, a fim de formamos bons cidadãos, profissionais e pessoas;, explica. Com o objetivo de entender como seria isso, pesquisadores de Harvard fizeram 1.500 entrevistas com profissionais. ;Como as pessoas podem fazer um trabalho do bem em uma época em que tudo muda tão rápido? Entendemos que, para isso, é necessário que elas sejam excelentes tecnicamente, mas também engajadas, além de seguirem padrões éticos;, afirma. Saiba mais: thegoodproject.org.

No mundo corporativo


A SG ; Aprendizagem Corporativa, empresa de treinamentos, elencou dicas para que companhias ajudem a equipe a desenvolver competências socioemocinais

; Comunique a importância: esclareça o valor de trabalhar o desenvolvimento das competências socioemociais e os benefícios disso.

; Conheça o funcionário: mapeie o perfil comportamental da equipe.

; Incentive a prática: crie um ambiente que favoreça ações em grupo e que explore as habilidades que deseja ensinar.
; Mantenha a motivação: mostre que desenvolver habilidades emocionais traz benefícios pessoais e profissionais.

; Dê asas para os colaboradores: dê liberdade ao time, por exemplo, abrindo espaços para a apresentação de novas ideias.

; Monitore e analise os resultados: para obter mudança efetiva, é necessário mensurar. Então, defina metas de desempenho com base em comportamentos e as pontue. Não se esqueça de dar feedback constantemente.

Por mais tempo livre

Entre os palestrantes do 2; Congresso Socioemocional LIV estava Daniel Becker, pediatra e pesquisador do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele destacou que a formação do ser humano deve ser de responsabilidade dos pais e da escola, e esse processo começa bem cedo e com aspectos simples. ;Brincar é a essência da criança, mas, no Brasil, muitas delas estão privadas de seus direitos devido às desigualdades;, explica. Devido à violência, há um afastamento do espaço público e os pequenos estão cada vez mais só dentro de casa. ;Não temos mais garotada na rua. Meninos e meninas estão isoladas do meio ambiente, confinadas em quatro paredes e separados da imaginação.; A permanência em ambientes fechados acaba sendo realidade comum para crianças de todas as classes. Assim, a quantidade de tempo em frente a televisão, computador e dispositivos móveis é alta; enquanto o período gasto socializando diminui.
;Quanto mais tempo de tela, mais infelicidade. Quanto mais tempo ao ar livre mais felicidade;, defende Becker. ;Além disso, as escolas têm um conteudismo muito atrasado que não valoriza arte, educação física e outros tipos de saber tanto quanto outras disciplinas;, afirma. ;Que profissionais criaremos para o futuro? Eles terão sintomas resultantes do que estamos plantando. A gente está vivendo uma epidemia de doenças mentais, por exemplo;, diz. ;Acredito que a solução está no tempo e no espaço. Temos que tirar 10% do nosso tempo para a coisa mais sagrada que são nossos filhos e temos que investir em tudo que faz bem à saúde e ao meio ambiente;, recomenda. ;O desafio para as escolas é construir um currículo baseado no brincar e que valorize o recreio;, completa.

Leia


O brincar e a realidade
Autor: Donald
Winnicott
Editora: Imago
R$ 50
203 páginas



Estruturas da mente ; a teoria das inteligências múltiplas
Autor: Howard Gardner
Editora: Artmed
R$ 82
340 páginas
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa