Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

Crocheteira por amor

Ex-empregada doméstica e faxineira começou a fazer tapetes, toalhas e outras peças usando linha e agulha para complementar a renda da família. Ela acredita que o artesanato foi um dom dado por Deus e se dedica à atividade por ser apaixonada por ela

Com linha e agulha em mãos, entre diferentes correntes e pontos de crochê, Maria Alves de Lima compõe tramas que formam a renda da artesã, por meio da venda de lindos tapetes, toalhas, caminhos de mesa, sousplats, porta-copos, almofadas, polvos para bebês e outras artes. Aos 68 anos, ela tem agilidade que supera a de mãos bem mais jovens. ;Crochê é demorado mesmo, mas como tenho 15 anos de trabalho, eu me tornei bem rápida;, conta ela, que encontrou na técnica uma fonte de renda para a família depois de se mudar do Piauí para Brasília. Natural de Luzilândia, ela chegou à capital federal há 20 anos. ;Vim tentar a vida. Trabalhava como doméstica e faxineira. Um dia, meu filho me pediu um pão. Naquele dia, não tinha dinheiro nem para isso;, recorda.

;Eu me revoltei muito. Ajoelhei-me e perguntei a Deus: ;O que posso fazer com essas mãos além de faxina?; Ele me deu a resposta em sonho;, afirma a evangélica da Igreja Assembleia de Deus. Dormindo, a mulher afirma ter se visto fazendo crochê. Então, resolveu colocar a visão em prática, de modo autodidata. ;Nunca tive aula. Não tive nenhum professor, a não ser Deus. Fui tentando, errando, acertando e me aperfeiçoando;, lembra. Na época, Maria morava em Águas Lindas. Dez anos depois, mudou-se para a Estrutural. Lá, integrou, por 12 anos, uma associação de artesãs, ensinando outras mulheres o ofício. ;É muito bom passar para a frente aquilo que Deus nos ensinou. A sabedoria não pode morrer conosco;, diz. ;Faço questão de falar da cidade onde moro: aqui não tem só violência e pobreza. Têm pessoas honestas e trabalhadoras;, diz, com orgulho.

Maria acabou saindo da associação por reprovar atitudes da gestão, mas se lembra com alegria dos momentos que passou ajudando outras mulheres a fazerem crochê. ;Dentro do projeto, fui para Belo Horizonte, Rio de Janeiro; Tem um livro que publicou entrevistas com artesãs, inclusive eu;, rememora. Durante um tempo, a piauiense conciliou os trabalhos domésticos, complementando a renda com o crochê, até passar a manter apenas a segunda atividade. Hoje, expõe as obras feitas com linha em feiras de artesanato em shoppings, supermercados e outros espaços, como estações do Metrô, Praça do Relógio. ;Crochê é meu ganha-pão;, afirma ela, que tem casa própria na Estrutural, tem um filho e duas filhas e quatro netas. O marido de Maria é porteiro e também é piauiense, mas os dois se uniram no DF.

Contatos

Por enquanto, a crocheteira não tem página na internet ou nas redes sociais para expor o próprio trabalho, no entanto, outro jeito fazer contato com o público. ;O pessoal pega meu WhatsApp. É por lá que passo fotos, combino encomendas;, explica. A rotina diária é intensa. ;Eu me levanto às 5h30, preparo lanche e almoço para levar e chego ao local de expor por volta das 8h, saindo só às 22h. Durante o dia, enquanto não estou atendendo clientes, fico fazendo crochê. Quando não estou expondo, passo o dia inteiro fazendo;, comenta. A dedicação se intensifica se a data de entrega de alguma encomenda estiver se aproximando. Num mês, consegue vender cerca de R$ 2.500 em produtos. As vendas são pagas em dinheiro ou cartão.

Para Maria, a maior recompensa, no entanto, é o prazer da atividade. ;Eu não faço por dinheiro, faço por amor, amo muito, muito mesmo, o que faço. É muito gratificante ver uma pessoa sorrir porque viu uma peça minha;, diz. O artesanato, para ela, também foi terapia. ;Como eu trabalhava faxinando, desenvolvi uma doença chamada TOC: eu tinha mania de limpeza;, conta. ;À noite, eu não dormia, ficava procurando sujeira em casa. Eu lavava roupa na mão e na escova por achar que a máquina não lavava tão bem. Eu botava os copos contra a luz para ver se tinham manchas. Eu cheirava as louças;; Depois que passou a ocupar o tempo com o artesanato, a realidade mudou. ;Crochê é matemática, você fica contando, ocupa a mente;, comenta.

Reconhecimento

O capricho de Maria com o crochê é tão grande que chegará à academia: uma estudante de design de moda do Centro Universitário Iesb pretende expor as peças produzidas pela artesã como trabalho de conclusão de curso (TCC). ;Ela vai misturar tecido com meu crochê;, conta Maria, satisfeita. Jô Duvallier, 43, aluna do 4; semestre da graduação em moda escolheu a crocheteira por confiar no trabalho dela. ;Eu organizo feiras de artesanato, e a Maria já participou de várias. Eu gosto muito dos pontos dela;, conta a estudante, que fará uma coleção de roupas para mulheres independentes e de negócios. ;Vou fazer uma saia, por exemplo, e colocar a barra de crochê.; A monografia deve ser apresentada à banca no próximo semestre.
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