Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

Tecnologias alteram modelos de trabalho, que passam a ser mais flexíveis

Home office, ausência de vínculo empregatício, contato com profissionais do outro lado do globo em idiomas que você nem sabe falar, contratos por projetos... A indústria 4.0 impõe ao mercado remodelagem de padrões tradicionais e traz ferramentas que agilizam a rotina de trabalhadores

O futuro terá menos empregos e mais trabalho. Enquanto o primeiro termo traduz uma fonte de renda, o último remete a realização profissional e estilo de vida. Com o passar dos anos, os vínculos empregatícios começam a ser desfeitos, abrindo espaço para outras formas de gerar renda que não exigem presença física do funcionário ; motoristas de Uber são um grande exemplo disso. Serviços mediados por tecnologias aumentam gradativamente; assim como contratações a distância, por projeto e por consultoria, em benefício de maior autonomia dos profissionais. As mudanças já podem ser observadas, e a reforma trabalhista aponta nesse sentido, ao contemplar ofícios flexíveis ; possibilidade prevista nas legislações de muitos países. ;Cada vez mais as atividades poderão ser desempenhadas simultaneamente em vários lugares;, analisa Cristina Guerrero Moyses, psicóloga da consultoria ProCarreira, sobre a maleabilidade dos novos postos. Formatos tradicionais serão substituídos por contratos esporádicos e temporários, em que o vínculo entre as partes se encerra após a entrega.;O expert pode trabalhar em dois, três lugares diferentes participando de projetos distintos. Então, essa coisa da exclusividade, a tendência é que diminua muito;, prevê.

Corrobora essa ideia o avanço dos canais de comunicação, que encurtam distâncias por vias digitais. Se o e-mail possibilitou a troca instantânea de mensagens via internet décadas atrás, hoje é possível traduzir em tempo real tudo dito do outro lado da tela. ;Não precisa mais estar presente numa mesma região do mundo para se fazer entender. A comunicação está cada vez mais estreita e isso impacta as novas formas de trabalho;, completa a psicóloga. Desenvolvido pela Microsoft, o Skype Translator converte até oito idiomas por identificação de voz. Quando se trata de texto, as possibilidades de conversões aumentam para 50 línguas. A ferramenta permite, por exemplo, que um programador chinês ajude a desenvolver um sistema para uma empresa brasileira sem que ele saiba falar português. A computação em nuvem é outro recurso que permite que trabalhos sejam desenvolvidos em qualquer hora ou lugar. Por meio dela, é possível armazenar dados em servidores interligados pela internet. Desta forma, o conteúdo salvo em nuvem fica disponível para ser acessado em smartphones, notebooks, tablets, entre outros aparelhos que se conectam on-line. A plataforma Slack, por exemplo, é análoga a um escritório virtual.

Funcionando como uma rede social, é possível criar salas de bate-papo sobre diferentes tópicos com a ferramenta, bem como compartilhar documentos, vídeos, áudios e mensagens ; sem precisar recorrer a e-mails internos. Oliver Kamakura, sócio executivo da consultoria EY, pós-graduado em gestão de negócios pela Universidade da Califórnia, acredita que esses novos formatos vieram para ficar e decreta que as formas de se conseguir dinheiro mudarão drasticamente. ;Os modelos de negócio que são fundamentados unicamente em empregar dentro de uma estrutura fixa para produzir valores tendem a ser flexibilizados. Em um mesmo ambiente, você potencialmente terá pessoas empregadas de maneira tradicional pela empresa; outras que são contratadas por projetos e ainda grupos que eventualmente colaboram sem estar fisicamente presentes.; Por isso, é preciso dar adeus aos padrões enraizados pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), inalterada entre 1943 e 2017. A reforma trabalhista, em vigor desde novembro de 2017, formaliza o home office em seu texto.

Hora de se adaptar
Em casa, na empresa, seja lá onde for feito, o trabalho envolverá manipulação e compreensão de máquinas. Quem não se adaptar corre grandes riscos de não acompanhar a evolução do mercado nos próximos anos e ficar desempregado. A onipresença de tecnologias é realidade na indústria 4.0 e os funcionários devem lidar com os avanços. Gradativamente, instrumentos como drones e inteligências artificiais estão sendo incorporados em empresas de todos os ramos. Escritórios e órgãos públicos brasileiros já investem nas novidades. Profissionais que compreendem e sabem manipular os novos recursos se destacam entre analfabetos digitais. ;A tecnologia estará presente, não há alternativa. É por meio dela que os profissionais vão em busca de soluções e inovações para o trabalho deles;, prevê Cristina Guerrero Moyses, mestre em gestão estratégica de pessoas pela Fundação Getulio Vargas (FGV).

[SAIBAMAIS]Ronaldo Cavalheri, engenheiro civil pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e diretor-geral do Centro Europeu, instituição de ensino com foco em economia criativa, afirma: ;Essas máquinas vão precisar ser supervisionadas por um humano, que precisa dominá-las.; Ele chama a atenção para a necessidade de se informar sobre novos aparelhos e, assim, não ficar para trás. ;É preciso estar atento, articulando e entendendo as novas tecnologias, não só as da profissão em que você atua, mas todas as novas ferramentas que pipocam por aí. É importante, ainda, participar de eventos temáticos para não ficar ultrapassado;, diz.

Na prática
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Advogada virtual brasiliense

O universo judiciário cada vez mais adere e passa por grandes transformações. Isso graças a robôs que conseguem cumprir funções antes feitas apenas por pessoas especializadas na área, como pesquisas de jurisprudência. O primeiro software desenvolvido com esse propósito foi o Ross, que se utiliza de algoritmos, fornecendo respostas em instantes com base em grande massa de documentos. Em Brasília, a empresa Legal Labs desenvolveu plataforma própria. Diogo Corvello, 29 anos, teve seu trabalho agilizado com a ajuda da Doutora Luzia, inteligência artificial desenvolvida pela startup candanga. Ela é capaz de fazer gestão e análise de processos jurídicos em massa e gerar petições. Advogado há seis anos, Diogo se formou em direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) e, atualmente, trabalha no escritório Carvalho Fernandes. A empresa, da qual é sócio-proprietário, aderiu à advogada virtual no início de 2017. Depois de um tempo para se adaptar a dividir tarefas com a tecnologia, ele vê aumento de eficiência no serviço que presta. ;Demorou um pouco para que eu entendesse o processo do programa no início, porque é uma área que a gente (da advocacia) não conhece;, conta.

;O software faz o cruzamento de dados e me dá informações que preciso saber em cerca de 30 minutos. Isso facilitou brutalmente meu trabalho;, afirma. Natural de Salvador, o advogado, percebe que, agora, ele e a equipe podem se dedicar a atividades que, verdadeiramente, são destinadas a um profissional do direito. ;Direcionei o pessoal do escritório ao que realmente precisa de atenção. Focar no mérito de questões processuais, em vez de analisar coisas simplórias, que não requerem formação para tal.; O período de implantação levou menos de dois meses e contou com especialistas do direito e da tecnologia. ;O processo de criação do programa para o escritório foi feito a quatro mãos. O pessoal que faz os códigos no computador e a gente, que tem o conhecimento técnico sobre a matéria.; Sobre a adaptação, ele dá breve explicação de como foi feita: ;Solicitávamos um relatório, por exemplo, daí a advogada virtual gerava. Depois de conferirmos, informávamos o que estava errado para fazer um ajuste fino até sair da maneira que queríamos. Demora um pouquinho para fazer essa moldagem, mas nem se compara com o tempo que a gente gastaria para lidar com todos os documentos da forma que era feita antes;.

Fiscalização pública com drones


As tecnologias da nova indústria, aos poucos, entram em todo tipo de ambiente de trabalho, o que requer pessoal capacitado para operá-las e compreendê-las. Os drones, pequenas aeronaves não tripuladas, têm variados usos e passaram a fazer parte do rol de equipamentos de dois órgãos públicos do Distrito Federal: Detran (Departamento de Trânsito) e Agefis (Agência de Fiscalização). O primeiro aderiu ao equipamento em dezembro de 2017 para flagrar motoristas que usam celular enquanto dirigem, mas esta não será a única atribuição da máquina. ;A gente busca implantar tecnologias como essa, não apenas na área de fiscalização, mas também para ajudar na fluidez do trânsito e da segurança;, afirma o diretor-geral do departamento, Silvain Fonseca. Ele conta que uma equipe da unidade aérea do órgão foi capacitada para pilotar os drones. Também com apoio da tecnologia remota, a Agefis quer intensificar a fiscalização de áreas ocupadas ilegalmente e com aglomeração de camelôs e de descarte ilegal de lixo. O equipamento foi comprado por R$ 12 mil e os fiscais estão em fase de treinamento. Na primeira ação usando drone, a agência flagrou, em 20 de janeiro, crime ilegal no Setor Noroeste, no momento em que caminhão descartava lixo de maneira irregular e apreendeu o veículo.

Na mira da onda tecnológica

Músicos ameaçados?

Para Fernando Iazzeta, professor de música e tecnologia da Universidade de São Paulo (USP), ainda que as máquinas fossem capazes de ser criativas, músicos ainda estariam por aí. ;Fazer música é questão de prazer, de o artista querer expressar algo. Ele não vai deixar de criá-las porque tem um robô que também faz;, comenta. Entretanto, a indústria musical deve sofrer grandes mudanças nos próximos anos. ;Cada vez mais os profissionais da área terão de conviver com tecnologias, isso me parece uma coisa que não há dúvida.; Empresas recorrem a softwares que produzem melodias funcionais, para diversas finalidades, como trilhas sonoras de games. ;Desta forma, é possível fazer música de forma mais barata no meio comercial.; O saldo, conta ele, é ter menos pessoas tocando efetivamente e mais pessoas produzindo. Além de reduzir custos, programas que auxiliam em composição são ;mais ágeis, ocupam menos espaço, não atrasam no ensaio, então, terão bastante espaço no futuro próximo;, afirma. ;Computadores não saem para tomar uma cerveja;, brinca.


Softwares são de grande auxílio a produtores, especialmente na criação de ritmos dançantes.

;Músicas para pista de dança são muito baseadas em repetições. Por isso, são fáceis de produzir no computador: basta pôr uma gravação para repetir e fazer pequenas modificações;, explica. Para Fernando, muitas das invenções que surgirão comercialmente no ramo devem facilitar a vida de compositores, como tecnologias de reconhecimento de acordes. Um equipamento transcreve a música para uma partitura. ;Esse tipo de invenção já existe de forma embrionária e, nos próximos anos e décadas, estará bem desenvolvida e será possível ter toda a partitura ao apertar um botão;, prevê. Questionado sobre a possibilidade de afinadores automáticos se aperfeiçoarem ao ponto de não existirem mais cantores profissionais, ele contesta: ;Essa é uma tecnologia que está se desenvolvendo muito rápido, é muito fácil produzir coisas no estúdio artificialmente, mas sempre vai haver o encanto por pessoas que fazem isso sem tecnologia nenhuma;. Para ele, os vocalistas que conseguem cantar sem recorrer a tecnologias são dotados de ;aura;.

*Estagiário sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa