Diretor da consultoria Lee Hecht Harrison (LHH) no Centro-Oeste, Luciano Maia percebe que ;os executivos brasileiros nunca trabalharam tanto;. Segundo ele, por causa da crise, nos últimos anos, diversas empresas se viram forçadas a enxugar custos com mão de obra e eliminar cargos de chefia. Administrador com mais de 30 anos de carreira em gestão de negócios, equipes, vendas e marketing, Luciano Maia acumula passagens por companhias de diversos setores, como educação, turismo, telecomunicações, agronegócios, publicidade e recursos humanos. Ele defende que as marcas de sucesso entendem que o mais importante numa empresa são as pessoas e, por isso, valorizam os funcionários.
Desde outubro, a consultoria Lee Hecht Harrison conta com um escritório em Brasília, responsável pela operação da instituição no Centro-Oeste. A multinacional, especializada em transição de carreira e desenvolvimento de talentos, tem quase 500 unidades em 65 países. ;No Brasil, atendemos praticamente todas as grandes empresas;, diz. Mundialmente, a firma oferece consultoria para mais de 7 mil companhias. Entre as 500 maiores do mundo, listadas pela revista Fortune, 60% integram o quadro de clientes da empresa. Diferentemente de outras consultorias de RH, a LHH não trabalha com seleção ou recrutamento, tendo como foco processos de desligamento e aconselhamento para que os demitidos possam se recolocar, bem como treinamentos.
Quem investe em bons serviços de RH são organizações que se tornaram grandes porque se preocupam com os empregados ou são companhias que
resolveram priorizar isso já que obtiveram sucesso?
Os dois casos. Mas empresas maiores já entenderam que o mais importante numa empresa é gente e não economizam nisso, afinal são as pessoas que fazem as coisas acontecerem. E ninguém chega longe sem política atraente para reter talentos porque, para esse tipo de funcionário, não falta emprego, com crise ou sem crise.
Em tempos de recessão, há mais chances de que bons funcionários ; que muitas vezes recebem os salários mais altos ; percam o emprego?
Durante a crise, muitas empresas percebem que precisam cortar gastos e a folha de pagamento é sempre o maior deles (não é aluguel ou qualquer outra coisa). Só que o cálculo para definir quem sai e quem fica é baseado sempre na performance e não no salário. Em meio a demissões, pessoas talentosas podem ser mandadas embora, sim, mas não é a regra, pois, no fim das contas, o que conta é o desempenho, já que, depois do corte, será preciso contar com gente que consiga entregar a mesma produtividade com menos recursos.
Chefes estão no grupo de riscodurante demissões em massa?
Cortar a chefia foi o fenômeno de 2015. Com a prosperidade da década anterior, aumentou-se a complexidade nas empresas e, consequentemente, dos cargos de liderança, que passaram a ser mais presentes. Só que, quando a economia passou a ter problemas, várias companhias cortaram alguns níveis. Se antes um gerente se reportava a um supervisor, que ficava abaixo de um superintendente, agora ele fala diretamente com a direção. Ou seja, enxuga-se nas camadas executivas, eliminando um ou, em muitos casos, dois níveis hierárquicos. O desemprego entre executivos ficou em 50%. Na base, não se corta tanto porque é lá que está quem produz. Os executivos brasileiros nunca trabalharam tanto, chegando cedo e saindo tarde.
Além do desempenho, que outros fatores são levados em conta
para a demissão de alguém?
A produtividade é a grande métrica. Depois disso, passam a ser considerados outros fatores, como os relacionamentos. Entre três pessoas com mesmo nível de performance, uma mais antipática na visão do chefe tem maiores chances de rodar primeiro. Depois da entrega, a simpatia e a camaradagem contam. Numa grande empresa, pessoas brigonas ou difíceis de relacionamento nem entram porque passam por uma bateria de exames que identificam esse traço ; a não ser que esse seja o perfil desejado para o cargo.
No entanto, mesmo em grandes empresas, com processos seletivos bem definidos, existem atritos e problemas de relacionamento, não é mesmo? Por quê?
Por mais que sejamos profissionais, não dá para apagar o fator ;gente;. As emoções sempre estarão presentes. Somos um bicho passional por excelência. O ser humano é invejoso, pega raiva à toa... Além disso, a gênese de alguns problemas de relacionamento está fora do trabalho. Diferenças ideológicas, de partido, de time, uma paquera inadequada; Por exemplo, num encontro informal com colegas, uma funcionária dá em cima do namorado de outra em tom de brincadeira; aí pronto: a pessoa não vai olhar mais para ela do mesmo jeito. A inveja também gera atritos: se o filho de um colaborador tenta entrar em Harvard há anos e, de repente, a filha de outro consegue passar de primeira e o empregado compartilha isso com a equipe, pode haver rejeição. Outro caso: alguém que está na empresa há muitos anos pode ficar indignado e até entrar em depressão ao ver um jovem entrar na firma e em pouco tempo ser promovido a diretor. Para acabar com problemas de relacionamento, é preciso mudar o ser humano. É aí que entram programas de treinamento e desenvolvimento.
As empresas compreendem a importância da diversidade?
A maior parte das grandes, sim. Não necessariamente porque são ;boazinhas;, mas porque entendem que isso gera resultados e produtividade. Então, elas podem ter passado a valorizar a diversidade e instalar políticas, como cotas femininas, por um motivo ou por outro. Há companhias que aplicam programas avançados para que os colaboradores possam identificar as causas inconscientes para terem alguns preconceitos. Com relação à faixa etária, existe uma tendência, de três anos para cá, de mesclar a idade das equipes. Estava se tornando bastante comum ter um setor inteiro formado apenas por jovens ; que têm boas ideias, entendem de tecnologia e arriscam, mas carecem de bagagem ; e as companhias perceberam que isso gerava problemas. Então, passaram a colocar um ;silver head;, ou seja, alguém mais velho, acima dos 50, no meio do time. É uma pessoa que será um ponto de equilíbrio, ;a voz da experiência; dentro do grupo e poderá mentorar os novatos. É um movimento forte nos Estados Unidos e também em São Paulo.
Como funciona um processo de transição de carreira?
Quando contratados por uma empresa, podemos atuar no desligamento, comunicando a decisão e, depois disso, dando consultoria para que cada pessoa possa conseguir nova posição. Todas as grandes empresas oferecem isso. O Programa de Desligamento Voluntário (PDV) do Banco do Brasil de 1992 teve adesão de 15 mil pessoas e foi todo conduzido pela Lee Hecht Harrison, por exemplo, com um bom percentual de pessoas conseguindo recolocação depois disso.
Mas muita gente aderiu a um PDV como esse para abrir um negócio e se arrependeu. Muitas empresas deram errado. Por quê?
Dar certo nisso não depende só de ter dinheiro ou de uma proposta bacana. Empreender exige resiliência absurda e uma série de competências. Um empreendedor está sob alta pressão o dia inteiro. Quem passou 15 anos num emprego público viveu muito tempo sob um nível de pressão moderado e terá dificuldade para se adequar. Uma pesquisa nossa mostra que 80% das pessoas que vêm da estabilidade não se adaptam ao empreendedorismo.
Programas de desenvolvimento de liderança são muito procurados?
Bastante. Liderança é uma lacuna muito grande dentro das organizações. Há quem aceite assumir um cargo de gestão porque isso envolve aumento salarial e status, mas se esquece de prestar atenção e requisitos e dificuldades que vêm junto do cargo. Afinal, liderança é decisão, é obrigação, é trabalho árduo e é comunidade, como ensina Vince Molinaro, diretor global de Gestão de Soluções Estratégicas da LHH, no livro Liderança é um contrato (Primavera Editorial, 232 páginas, R$ 34,90). Líderes estão sujeitos a pressões, incluindo as de: se diferenciar, executar a estratégia da empresa, administrar a complexidade do ambiente de negócios, criar um valor duradouro para o empreendimento e desenvolver futuros talentos (ou seja, preparar a próxima geração de líderes).