Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

As novas tecnologias exigem a modernização das profissões técnicas

A atualização dos equipamentos e sistemas exige profissionais a par das inovações. Até mesmo carreiras tradicionais e consideradas mais básicas, como a de mecânico e padeiro, passam por transformações

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Atualização para lidar com a tecnologia

Os avanços de equipamentos e sistemas demandam requalificação até mesmo de trabalhadores de ramos tradicionais, como mecânica e panificação, que lidam cada vez mais com automação. Se a mão de obra brasileira não se capacitar para acompanhar as tendências, o Brasil dever perder ainda mais em competitividade

A internet, as redes sociais e as novas tecnologias permeiam o cotidiano, a vida pessoal e a carreira. As novidades provocam alterações em hábitos, na forma de se relacionar e também na de trabalhar. No mercado global, setores, empresas e trabalhadores que não se atualizam perdem espaço. Até mesmo profissões tradicionais, que antigamente requeriam apenas conhecimentos considerados básicos, passam a se sofisticar. É o caso de várias atividades técnicas e operacionais. O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) aponta mecânicos, padeiros, confeiteiros como alguns dos perfis profissionais que tiveram e estão tendo de passar por modernizações para aprender a lidar com maquinário atual, por exemplo.

;No Senai, temos observado essas tendências em observatórios que monitoram as profissões técnicas para aplicar em sala de aula;, comenta o diretor-geral do Senai, Rafael Lucchesi. O especialista em Desenvolvimento Industrial do Senai Nacional Marcello Pio comenta que a falta de mão de obra atualizada e capaz de lidar com equipamentos modernos é um problema que tem se intensificado desde os anos 1990. ;A capacidade de adaptação do ser humano às novas tecnologias é linear, mas o desenvolvimento tecnológico é exponencial. Por isso, existe uma dificuldade de acompanhar;, diz.

Como trabalha o padeiro do século 21

Apenas acordar cedo, ter noções de medidas, ingredientes e receitas não é mais suficiente para trabalhar na panificação. Saúde, higiene, como evitar contaminação de alimentos, segurança do trabalho, gestão, noções de automação, processos de congelamento, informática, cálculo e operações de máquinas estão entre os conhecimentos apontados pelo Senai que se fazem necessários ao padeiro hoje em dia. Gerente da unidade da panificadora Pão Dourado no Park Sul, Simone Freire de Souza conta que houve muitas mudanças nos últimos 10 anos.

;A gente trocou de sistema, hoje fazemos recebimento de mercadoria por coletor, a conferência é diferente, temos atendimento na mesa por meio de tablet, nosso forno para pizza é 100% digital;, elenca. ;A necessidade de atualização da mão de obra é presente. O padeiro precisa saber mexer com os equipamentos, navegar na internet para ir atrás de inovação;, completa. O confeiteiro e padeiro Braz Gonçalves dos Santos, 48, é chefe dos padeiros na Pão Dourado e se encarrega de treinar e supervisionar o trabalho dos demais.

;A produção é muito grande, são em torno 5 mil pães em cada uma das 10 lojas por dia. Atualização é importante e, inclusive, recebemos treinamento do Senai para ficarmos a par das modernizações;, comenta. ;Além disso, a internet serve para aprender muita coisa;, conta. Ele começou a trabalhar no ramo por intuição e, depois de ter aprendido os ;ossos do ofício;, fez um curso na área ;para pegar o diploma;. Achar mão de obra qualificada está entre as dificuldades dele na função, por isso investe tanto no treinamento da equipe.

Uma nova geração de mecânicos

;A área de mecânica incorpora cada vez mais elementos de eletrônica, sistemas de alta complexidade técnica, Big Data;;, comenta Rafael Lucchesi. Por isso, a figura do mecânico sujo de graxa, mexendo num automóvel entre erros e acertos, tende a ficar para trás. ;Existe uma heterogeneidade tecnológica muito grande. Enquanto ainda houver carros velhos no mercado, eles sobrevivem;, aponta Marcello Pio, químico e especialista em estudos prospectivos. ;Um mecânico, hoje, precisa ter conhecimento de software, raciocínio matemático, física e química, resistência dos materiais, eletrônica. Os automóveis estão muito automatizados. Profissionais desatualizados podem perder o posto;, diz.

[SAIBAMAIS]Marcos Vinícius Silva de Carvalho, 19 anos, tem consciência disso e busca sempre estar atualizado. Durante o dia, trabalha na Dimensão Auto Som, no Setor Leste do Gama. À noite, é aluno do curso técnico em manutenção automotiva da unidade de Taguatinga do Senai. Prestes a terminar a formação, busca aprimoramento em ambos os espaços. ;O curso ajuda muito e é bem atualizado, mas no dia a dia no trabalho, onde instalo som automotivo, e, com as inovações que aparecem, aprende-se bastante também;, conta. Para cumprir bem a função, ele, que no futuro planeja fazer faculdade de engenharia automobilística, observa que se fazem necessários conhecimentos de cálculo e até de inglês para acompanhar alguns manuais.

A chefe de Marcos Vinícius e dona da empresa, Dulcimar Ribeiro, 36, conta que a Dimensão Auto Som foi aberta há 10 anos e, nesse meio tempo, muitas novidades apareceram. Ela percebe que alguns funcionários têm dificuldade de efetuar o serviço com equipamentos de som mais modernos. ;O trabalho atual é o que a gente fazia antes e um pouco mais. A internet auxilia bastante, mas também sei da importância de cursos de capacitação;, afirma. ;O profissional tem de buscar esse complemento. Não dá para ficar só na formação básica, afinal, se a tecnologia avançou, nós também precisamos fazer isso.;

Modernidade x Atraso

Questionado sobre as áreas que mais têm se modernizado e, portanto, exigem renovação da mão de obra com maior intensidade, Lucchesi pondera que isso depende da competitividade. ;A indústria está sempre exposta à competição mundial. Dessa forma, tem de acompanhar o progresso técnico;, comenta. Para ele, a concorrência estimula avanços. ;O transporte público de Tóquio é bem mais avançado, mas não compete com o de Brasília. A burocracia política é mais evoluída e eficiente na Suécia e em Singapura, mas a do nosso país não concorre com elas;, diz. ;Já as empresas atuam em mercados competitivos. Sobrevive quem está atualizado, e o Brasil tem perdido essa capacidade;, avalia.

Marcello Pio, do Senai Nacional, observa que há muitas diferenças entre os setores. ;Se for uma área de ponta, como automotiva, química ou aeroespacial, por obrigação, precisa ter mão de obra muito qualificada;, revela. ;Em setores menos dinâmicos e tradicionais, como os de mobiliários, calçados, vestuário, têxtil, há menos qualificação, mas eles também têm tecnologia. A questão é que, como são médias e pequenas empresas, elas demoram mais a absorver as tendências;, considera. Walquiria Pereira Aires, presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário do Distrito Federal (Sindiveste-DF), confirma a afirmação. ;Percebe-se alguma inovação, principalmente em design, estamparia e modelagem, mas não avançamos em equipamento. Ainda estamos na fase de uma máquina para cada homem;, informa. ;Precisamos fazer uma revolução, que é o que a China está vivendo; com costura totalmente robotizada. Lá, é um processo que deve tomar conta de todo o setor até 2020;, projeta.

;A gente fala de indústria 4.0, mas temos máquinas de 30 anos. Existe uma dificuldade em termos de financiamento e também de mão de obra capacitada;, percebe. ;No entanto, essa é uma realidade a que, num horizonte próximo, todo empresário terá de aderir para ter chances de competir no mercado global;, diz. A supervisora da malharia Sansar Camisetas, Elayne Gomes, 32, confirma que a automação passa longe da empresa. ;Temos máquina de corte manual e, mesmo assim, achar profissional qualificado é difícil. Na área de sublimação (técnica de impressão no tecido), temos duas impressoras boas, mas os arte-finalistas têm dificuldade para usar. Na parte de costura, são 12 máquinas;, conta. Apesar de o negócio ser bem tradicional, quando novidades são introduzidas, Elayne percebe resistência na equipe.

;O Brasil chegará à indústria 4.0, mas vai demorar;, lamenta. ;As pessoas têm dificuldade de usar até o equipamento e os sotwares que temos hoje, imagine se tivéssemos máquinas modernas de primeiro mundo; A tecnologia vem evoluindo de forma que não conseguimos acompanhar;, opina Augusto Rafael Medeiros, 34, designer gráfico, que trabalha no setor têxtil desde 1996. Costureira há 25 anos e encarregada de produção, Antônia Carlos Soares, 49, concorda. ;Temos que dar vários treinamentos, mesmo agora. Se viessem máquinas automatizadas, não daríamos conta, seria preciso aprender.;

Subutilização tecnológica

Na indústria, que passa por uma quarta revolução, o update é geral. O contexto é cada vez mais automatizado e com integração de áreas. O problema é que nem sempre a mão de obra consegue acompanhar o ritmo das transformações. Mesmo se as empresas se esforçarem para obter as ferramentas mais atualizadas, em muitos casos, faltará profissionais que deem conta de acompanhá-las. O especialista em Desenvolvimento Industrial do Senai Nacional Marcello Pio observa que a falta de conhecimento com relação às novas tecnologias implica em subutilização da estrutura ; ;quando um equipamento, que podia render 90%, está rendendo 50 ou 70%, por exemplo;.

;É comum ver empresas adquirindo equipamentos sem que isso se traduza em maior produtividade. Há dois motivos para isso: compra de tecnologia inadequada ou o fato de o trabalhador não estar atualizado para usá-la;, afirma. Entre as consequências desse cenário está o reduzido nível de competitividade nacional. Com relação a esse quesito, em comparação feita entre 18 países pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil fica no penúltimo lugar desde 2012. O levantamento leva em consideração fatores como capital, mão de obra, educação, tecnologia e inovação, infraestrutura e logística, peso dos tributos, ambiente de negócios e macroeconômico.

Para preencher as lacunas, existe grande necessidade de atualização. O Mapa do trabalho industrial 2017-2020, elaborado pelo Senai, constatou que serão necessários 13 milhões de profissionais capacitados, em formações industriais ; mesmo que para trabalhar fora da indústria; até 2020 para atender à demanda do mercado brasileiro. Do total, 72% correspondem a requalificações.

;Em função do deslocamento da fronteira tecnológica, as indústrias estão se informatizando, estabelecendo novos requisitos (desde gestão da qualidade, saúde, segurança) que passam a ser parte do chão de fábrica. Independentemente do nível de formação, todos precisarão se atualizar;, decreta Rafael Lucchesi. ;Em muitos casos, o próprio profissional percebe essa necessidade de se requalificar. Em outros casos, eles chegam por recomendação da empresa;, observa Marcello Pio.

Palavra de especialista

Futuro digital

Em termos de capacidade de lidar com a tecnologia, em geral, a mão de obra brasileira não está preparada. Os equipamentos e sistemas avançam e demandam uma série de outros conhecimentos para que a pessoa seja capaz de dominá-los. Não falar uma segunda língua já é um problema, pois essa habilidade é necessária para entender os manuais dos equipamentos. Estamos muito para trás: na Alemanha, o taxista e o caixa de supermercado falam inglês; aqui, um técnico de manutenção de elevador dificilmente tem boa noção de português e raciocínio lógico. Se não sabemos direito nem isso, o que dizer de tecnologia?

A deficiência não está só nas atividades operacionais: as faculdades ainda não se modernizaram. As graduações de contabilidade não ensinam gerenciamento de dados. O resultado disso é que, por vezes, as empresas implementam um baita software e o funcionário não dá conta de usar. Sem mão de obra qualificada, restará ao país produzir o que a indústria mundial não quer: produtos de baixo valor agregado, que exigem movimentos repetitivos. As gerações mais novas crescem com tablet e celular na mão, mas uma coisa é manuseio, outra é habilidade e lógica com a ferramenta. Só isso não vai recuperar essa lacuna: é preciso estudo. Muito de tecnologia se aprende na prática, mas a teoria também é essencial.

Emerson Weslei Dias, coach e consultor de carreira, diretor de Liderança e Gestão de Pessoas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac)