Quem cresceu nos blocos residenciais do Plano Piloto deve guardar na memória uma figura bastante comum nas superquadras: o zelador, responsável por cuidar da manutenção do prédio e dar assistência ao síndico e aos moradores. Aquele profissional que trabalha nos condomínios há mais de duas décadas, mora nos cômodos disponibilizados no térreo e faz parte da história do prédio.
O número de zeladores desse tipo (que moram no local de trabalho e zelam pelo prédio) está cada vez menor. Isso porque a contratação direta de funcionários pelos condomínios é uma relação que está mais reduzida e parece perdurar somente nos edifícios das asas Sul e Norte. Na contramão dessa redução, as empresas que terceirizam a mão de obra de prédios residenciais têm ganhado espaço e servido como opção para condôminos, principalmente nas cidades fora do Plano Piloto.
;Alguns desses novos condomínios são como um hotel, só não têm serviço de camareira e café da manhã. Mas a administração das demais áreas é semelhante. Em Brasília, o setor começou a ficar forte porque a contratação direta de pessoal por parte dos moradores muitas vezes é mais complicada e mais dispendiosa;, destaca Carlos Salgueiro Garcia Munhoz, 53 anos. Ele e o filho, Carlos Farias Munhoz, 23, são os responsáveis pela empresa A Casa do Síndico, que há 20 anos oferece serviços de apoio administrativo, terceirização de mão de obra, consultoria na implantação de novos condomínios, manutenção de áreas comuns e assessoria contábil, jurídica e de cobrança para edifícios residenciais e comerciais. Atualmente, a empresa trabalha com a administração de 105 edifícios ; a maioria deles são blocos de apartamentos.
;É mais vantajoso para o condomínio contratar uma empresa especializada. Se um funcionário terceirizado adoece ou precisa ficar 15 dias fora, por exemplo, a empresa substituiu sem prejudicar as atividades do condomínio. Na contratação direta, o prédio ficará sem o serviço ou terá que contratar um trabalhador temporário para substituir o que está em falta;, ressalta Nilson Furtado, que coordena uma associação de síndicos no Distrito Federal.
Na maioria dos caso, a moradia no local de trabalho é oferecida em troca de desconto do valor no salário. O advogado Caio Vieira de Mello destaca que esta relação está prevista na Consolidação das leis do trabalho (CLT), mas que a moradia deve oferecer padrões mínimos de dignidade. ;O acordo deve estar descrito no contrato de trabalho e a moradia deve ter conforto, ventilação, iluminação, altura mínima;, enumera. Segundo ele, quem trabalha e mora no mesmo local deve registrar a jornada diária para ter o controle das horas de serviço prestadas ordinariamente. ;Se um morador bate na porta do zelador durante a noite, fora da jornada, corre o risco de fazer com que o funcionário trabalhe horas extraordinárias. Deve haver a orientação para que isso não ocorra, exceto em casos excepcionais;, aconselha.
Histórias de vida e de trabalho
Manoel Figueira, 67 anos
Quem conhece cada canto do Bloco H da Quadra 402 da Asa Norte é Manoel Figueira, zelador do prédio há 34 anos. A ocupação apareceu por acaso: Manoel veio de Itaocara, no Rio de Janeiro, para a capital federal em busca de emprego, e o trabalho de zelador foi o primeiro que surgiu. ;Nesse tempo todo, vi muita gente crescer, que chegou aqui criança. Aqui no bloco eu cuido de tudo um pouco: fico na guarita, retiro o lixo, faço a limpeza;, conta.
No cômodo do térreo do bloco ele criou os dois filhos e agora têm a companhia dos netos, de 19 e 16 anos. Apesar de morar no local desde que chegou a Brasília, ele afirma que ainda tem vontade de ter uma casa própria. ;Morar no que é da gente é muito melhor, né?;, acrescenta.
João Barbosa, 57 anos
Quem consegue olhar pela porta da residência de João Barbosa, 57 anos, logo vê que ele é devoto de Nossa Senhora Aparecida ; a imagem está sobre uma mesa na sala da casa dele, no térreo do Bloco M, da Quadra 412 da Asa Norte, onde mora e trabalha há 22 anos.
O zelador, que está sempre próximo aos moradores, veio de longe: nasceu em Bacabal, cidade do Maranhão com pouco mais de 100 mil habitantes. Por lá, trabalhava como lavrador e se mudou para Brasília em busca de emprego. Desde que chegou na capital do país, trabalha e mora no condomínio da Asa Norte. ;Gosto muito da capital, é muito diferente, tem muita gente boa. Por incrível que pareça, também gosto do clima daqui;, conta Seu João, como é conhecido no bloco.
Ele mora sozinho no cômodo e conta que viu várias gerações crescerem no bloco. ;Vi muita gente que era pequena quando cheguei crescer e ter filhos, outros casaram e foram embora;, conta. ;Estou sempre por aqui e os moradores sabem que, qualquer coisa, podem me procurar;, afirma.
Luiz Lino, 49 anos
No Bloco E da Quadra409, na Asa Norte, mora Luiz Lino, 49. Ele é zelador do bloco há 22 anos e atualmente mora no cômodo no térreo do prédio com a esposa. A filha também o vistia de vez em quando. ;Vim para cá porque meu irmão já estava trabalhando aqui, lá na minha cidade eu trabalhava na roça;, conta Luiz (que nasceu em Baixa Grande do Ribeiro, no Piauí) sobre a chegada a Brasília.
Para Luiz, somente há vantagens em morar no mesmo local em que trabalha: ;É muito melhor. Não preciso acordar tão cedo, não tenho que pegar ônibus. Para mim, é ótimo e o pessoal do bloco todo me conhece;, disse. Além disso, ele afirma que fica mais próximo dos moradores e que até já fez amigos entre os condôminos. Entre as atividades diárias que ele desenvolve, estão pequenos serviços de manutenção e limpeza do bloco.
Nair Bispo, 62 anos
Quem passa pelo Bloco C da Quadra 409 da Asa Norte provavelmente encontrará Nair Bispo, 62, limpando com cuidado os vidros das portarias do prédio. O tradicional cômodo no térreo não é mais a casa do zelador, mas ele morou no local durante 25 anos, onde também criou os filhos ; cinco. Recentemente, a família mudou-se para uma casa em Sobradinho. ;O espaço ficou pequeno. Estamos sempre tentando melhorar, e é bom morar em um lugar que é seu. Mas todos os meus filhos foram criados aqui na casinha debaixo. Três ainda moram comigo e com a minha esposa;, conta Nair.
A história dele é semelhante à da maioria: ele veio de São Francisco, em Minas Gerais, para Brasília em busca de emprego. Quando chegou aqui, começou a trabalhar como zelador do condomínio. Sobre a relação com os moradores, ele afirma que somente se lembra de coisa boas. ;O que é ruim não podemos guardar. Desentendimentos a gente acaba esquecendo. Mas gosto muito de todos. Tem gente que mudou daqui e que, até hoje, tenho contato, vai à minha casa;, afirma.
Saiba mais
Apesar de existir em alguns edifícios, a residência do zelador na parte térrea do bloco não estava prevista no projeto inicial do Plano Piloto. ;Todo o projeto das asas Sul e Norte foi feito sem essa moradia, nada desse tipo foi programado. Tanto é que esse alojamento não existe em vários edifícios;, destaca o doutor em arquitetura e desenvolvimento urbano e professor da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Carlos Carpintero. ;Uma das coisas que podem ter feito com que esses cômodos surgissem é justamente a questão de oferecer uma moradia para o funcionário em troca de um salário menor;, completa.
O que faz o zelador?
;O zelador é aquela pessoa que auxilia o síndico, recebe as queixas de moradores e cuida da conservação do condomínio. É o encarregado de ser o braço direito do síndico;, destaca o diretor do Sindicato dos trabalhadores em imobiliárias e condomínios do Distrito Federal (Seicon-DF), Paulo Inácio Cardoso. ;Em alguns casos, o zelador acaba exercendo também a função de porteiro, mas o ideal é que as atribuições sejam diferenciadas. O porteiro deve coordenar a entrada e a saída de pessoas do residencial, enquanto o zelador deve acompanhar a execução de serviços no prédio, prezar pela conservação do condomínio, entre outras funções;, completa o diretor.
Confira as atribuições do zelador e do porteiro definidas pela Classificação Brasileira de ocupações:
Zelador
Zelam pela segurança das pessoas e do patrimônio de edifícios de apartamentos, edifícios comerciais, igrejas e outros. Atendem e controlam a movimentação de pessoas e veículos no estacionamento; recebem objetos, mercadorias, materiais, equipamentos; conduzem o elevador, realizam pequenos reparos.
Porteiro
Fiscalizam a guarda do patrimônio e exercem a observação de fábricas, armazéns, residências, estacionamentos, edifícios públicos, privados e outros estabelecimentos, inclusive comerciais, percorrendo-os sistematicamente e inspecionando suas dependências, previnem perdas, evitam a entrada de pessoas estranhas; controlam o fluxo de pessoas, identificando, orientando e encaminhando-as para os lugares desejados; acompanham pessoas e mercadorias; fazem manutenções simples nos locais de trabalho.