Entre os moradores da 205 Sul e da 405 Sul, palavras como amigo, anjo, irmão e querido são usadas para descrever o comerciante Nicácio Martins de Souza, 69 anos. Sempre com um sorriso no rosto, o atendimento é marcado por muita prosa. ;Sei muito da vida dos clientes, aqui tenho amigos de anos. Eu nem gosto de vender para quem não conversa;, revela. Segundo ele, o segredo para se dar bem com as pessoas está na educação e no respeito. ;Tem que ter calma, não responder ninguém mal, mesmo se forem grosseiros. Ser honesto com o cliente e não mentir é fundamental.;
Além de um bom papo, ele fideliza a comunidade pela qualidade dos produtos. ;Fruta e verdura não falta em nenhuma época do ano. Eu vendo itens dos mais variados lugares: a pera do Chile, a maçã de São Paulo, o abacaxi da Paraíba, a uva da Itália;Se alguém reclamar de um produto, eu troco na hora. É melhor eu levar prejuízo do que dar prejuízo para o cliente;, explica. Pagar fiado é cortesia reservada a quem é freguês há mais tempo. ;Os que eu conheço melhor têm conta comigo. Alguns pagam por semana, outros por mês.; Em cadernos, Nicácio registra os débitos e pagamentos de cada cliente. Apesar da comodidade para o freguês, algumas vezes isso gera problemas. ;Tem conta aqui até de R$ 2 mil. No geral, pagam certinho, mas tem gente que não me paga desde maio. Eu fico nas mãos de Deus porque também tenho contas para pagar;, admite.
A barraca funciona de segunda a sábado, das 7h às 13h30. O ponto fixo é a 205 Sul, mas toda terça-feira a barraca fica na 405 Sul. O dia de trabalho começa ainda de madrugada. ;Acordo às 2h30 da madrugada para comprar os melhores produtos na Ceasa. Chego em casa mortinho;; O ajudante de Nicácio na barraca é Felipe da Silva Faustino, 17 anos, morador do Jardim ABC, na Cidade Ocidental. Há dois meses, ele o acompanha pelas manhãs. ;Carrego os pesos que ele não pode carregar. Gosto porque é um serviço leve e tranquilo. Os clientes são gente boa;, diz.
Ele percebe, porém, que os negócios já foram melhores. ;O que eu ganho dá para complementar a minha aposentadoria, que é só um salário mínimo. Já valeu mais a pena. No começo, os supermercados nem vendiam frutas e verduras. A concorrência era mínima, e as pessoas faziam fila na barraca para comprar;, recorda. Mesmo assim, Nicácio quer continuar trabalhando ;enquanto tiver forças;. O único problema de saúde é a diabetes, mas ele tem ânimo de sobra para superar os dias em que se sente mal. Mas, se eu não fizesse isso, ia fazer o quê? Ficar em casa sem fazer nada?;, questiona o morador de Águas Claras. ;No pouco tempo livre que sobra, eu fico com meu neto de 2 anos. Também cozinho, de tudo que aprendi com a minha mãe: peixe, frango, carne;;
Clientes e fãs
A aposentada Alvina Souza, 69 anos, é cliente de Nicácio há 25 anos e não mede elogios para o vendedor. ;A gente brinca tanto. Eu o tenho como a um irmão.; Apesar de também fazer compras no supermercado, ela dá preferência à barraca. ;Recomendo os produtos dele para qualquer um, são de qualidade. Também valorizo a pessoa dele, que é amigo de todos.; É o que também pensa Alice Teles Brígido, 67 anos, cliente há 20 anos. ;Ele é uma maravilha de gente, é um anjo. É como se fosse um irmão.; A dona de casa Maria Menezes, 60, morou na 205 Sul por vários anos e hoje reside na 406 Sul. As idas à barraca são constantes. ;Venho aqui particamente todos os dias atrás de frutas e verduras de qualidade. Fiz muitas amizades aqui na feirinha. Não posso carregar muito peso e o Nicácio sempre manda entregar na minha casa. Às vezes, eu só ligo e encomendo, mas gosto de vir pessoalmente. O atendimento é muito bom e tem a vantagem de que não precisamos pagar no dia;, diz. Antonio Mendes de Oliveira, funcionário da Lanchonete da Escola da 405 Sul também desenvolveu amizade com o comerciante. ;Ele é muito querido. Até festa de aniversário já fizemos para ele.;
Imigração
Nascido e criado em Pombal (PB), Nicácio deixou a cidade em 1970 por causa da seca. ;Eu tinha uma plantação, mas, como a chuva não veio, não tive retorno e fiquei com dívidas. Fui para São Paulo procurar emprego para pagar as contas. Então, acabei ficando por lá dois anos;, lembra. Em 1972, ele veio tentar a vida na capital federal. ;Eu vim para ficar pouco tempo, mas, como arranjei emprego, fui ficando. Comecei trabalhando num mercado como balconista. Depois, virei garçom e até chefe dos garçons num restaurante no Conjunto Nacional. Eu tinha um chefe muito bom, mas ele vendeu o negócio. O novo patrão era ignorante e me xingou. Depois pediu desculpas e quis que eu continuasse ali, mas eu não podia aguentar aquilo;, lembra.
Depois disso, Nicácio teve sua primeira experiência com o próprio negócio: ele abriu um restaurante em Taguatinga. A empreitada durou pouco e, a convite de um amigo, foi vender frutas. ;Ele era meu inquilino e me convidou para vender frutas com ele uma vez por semana na 205 Sul. Pouco tempo depois, ele voltou para a terra natal, no Piauí, e eu fiquei com o ponto.; Além dos laços afetivos com os clientes, Nicácio também criou raízes em Brasília. ;Conheci minha esposa, uma mineira, aqui. Tenho um casal de filhos, um nasceu em 1980 e outro em 1981;, conta. O jeito para os negócios e a gerência passou para os filhos. ;Meu filho é formado em gestão financeira e trabalha numa papelaria no Gama. Minha filha é economista e tem uma loja de moda praia. Minha mulher, aposentada, costura para ela. Todo mundo está dando certo. Minha família é toda trabalhadora;, comemora.