Tornar-se dono do próprio negócio em grupo é opção comum entre jovens que querem empreender. Eles apostam na sociedade ; muitas vezes, com amigos e colegas ; com objetivo de unir forças e economias em prol do empreendimento. Os profissionais da nova geração sabem atuar coletivamente e são capazes de lidar melhor com isso. É o que defende André Vidal Pérez, professor de estratégia e empreendedorismo do Institute of Business Education da Fundação Getulio Vargas (IBE-FGV). "Os integrantes das novas gerações têm a cabeça aberta e são mais voltados para pequenos negócios do que para seguir carreira em uma empresa tradicional. Trabalhar em conjunto não é problema para eles, que lidam muito melhor com essa questão", diz.
Segundo Roberto Vertamatti, diretor de Economia da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), um grupo ajuda a dividir os pesos e as complicações do difícil processo de empreender. "No Brasil, os incentivos para novas empresas ; como agências de fomento ; são muito poucos. O apoio governamental é quase nulo. Em sociedade, o capital que você precisa investir pesa menos individualmente. Em grupo, você costuma ter especialistas de áreas diferentes e isso ajuda na análise, no planejamento e na instalação de uma nova organização", explica. Ele avalia que ter sócios é imprescindível para qualquer grande empresa: optar por ser o único dono não é sustentável se ela tiver um amplo crescimento. "É comum um negócio individual ganhar sócios para garantir a continuidade. A partir de um ponto, não é mais possível manter o funcionamento com uma só pessoa", analisa.
Casamento empresarial
"Sociedade equivale a casamento, e você tem que respeitar algumas regras para não ter problemas sérios. Vale a pena fazer um tipo de acordo pré-nupcial: é preciso estabelecer um contrato de sociedade específico, descrevendo os investimentos e as responsabilidades de cada um", aconselha Vidal Pérez. Apesar de ser um enlace, é importante ter seriedade profissional. "O que eu mais vejo são pessoas que confundem caixa particular com o caixa da empresa e que não percebem que é necessário fazer uma série de ajustes. Tudo deve ser bem separado. Por mais que os sócios sejam amigos, o melhor é que tudo seja colocado em contrato. Não faça acordos só de boca."
Assim como na relação conjugal, atritos são comuns. "Brigas acontecem, mas os sócios têm que ter em mente o bem comum da empresa, que tem que ser vista como um filho dos sócios. O que deve prevalecer não é o interesse de um ou de outro, mas o que é melhor para o negócio", orienta. Se, em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher, o mesmo deve prevalecer em sociedade. "Muitas vezes, o insucesso é provocado pelo envolvimento indireto de terceiros, como esposas ou familiares", percebe Roberto Vertamatti.
Caso a empreitada em grupo não dê certo realmente, Marcelo Minutti, especialista em marketing e inovação e professor do Ibmec-DF, recomenda que os envolvidos apelem para uma separação amigável. "O melhor caminho é entrar em acordo com os sócios. Converse de forma honesta e direta. A separação amigável é um jeito de manter o negócio e a amizade", recomenda.
Seleção de parceiros
Se, na hora de contratar um empregado, a seleção é minuciosa, o mesmo deve prevalecer na escolha dos sócios. Marcelo Minutti aconselha que as pessoas busquem características diferentes. "Trabalhar com gente parecida pode parecer bom, mas é melhor unir perfis complementares, tanto na área do conhecimento quanto no comportamento. Um sócio ousado trabalhando com um cauteloso é melhor do que dois arrojados juntos." Essa também é a visão do professor André Vidal Pérez. "O ideal é convidar pessoas com visões diferentes e áreas diferenciadas. Se todos os sócios têm perfil muito parecido, você precisa ir atrás de muitos profissionais de outras áreas", diz.
Além disso, Vidal Pérez aconselha que profissionalismo, seriedade e flexibilidade sejam critérios para a escolha. "É mais difícil procurar gente que você não conhece, mas não se baseie tanto na amizade: veja como a pessoa trabalha e se é fácil de lidar com ela." O professor admite, porém, que a amizade ajuda. "É bom porque as pessoas já se conhecem bem. Entretanto, se as coisas não derem certo, pode acabar tanto o negócio quanto a amizade."
Marcelo Minutti alerta que amizade é bom, mas não é obrigatória para o negócio dar certo. ;Um bom amigo pode não ser um bom sócio. É preciso separar a amizade do empreendimento;, afirma. A seleção deve ser levada muito a sério, pois uma escolha errada pode trazer consequências desastrosas. ;Você pode ser parasitado, perder dinheiro e não conseguir se recuperar. O insucesso traz efeitos não só para o empreendedor: como o dono costuma estar envolvido com o negócio 24 horas por dia, se ele está preocupado, a família sente. Isso pode trazer desgaste e afetar o casamento e até a vida dos filhos.;
Conflitos
Da mesma maneira que os perfis diferentes podem favorecer o crescimento da companhia, também podem ser os causadores de conflitos e disputas. ;O grupo engloba personalidades diferentes e, muitas vezes, por falta de objetivos claros, elas podem causar estresse e rupturas. Isso pode ser evitado com um plano de negócios e uma visão clara das metas desejadas. A falta de discussão de pontos simples pode causar rupturas;, avalia Roberto Vertamatti. Para mitigar desavenças, ele aconselha que haja definições claras de responsabilidades e de resolução de conflitos. ;Estabeleça um estatuto e um acordo de acionistas, mesmo que seja uma empresa pequena que está apenas começando. Dar a largada com definições de atribuições é o primeiro passo.;
Disputas de poder só tendem a atrapalhar. "Isso é comum em qualquer sociedade, mesmo as familiares. Os egos são da natureza humana. Mas é preciso saber lidar com isso: quanto mais você elencar pontos e alternativas para aparar arestas, melhor. Se começar a surgir ciúmes, já crie um mecanismo para resolver a situação. Quanto mais transparentes e abertos forem os membros da sociedade, melhor. A competição nunca deve ocorrer entre sócios, mas entre a empresa e seus concorrentes", afirma Vertamatti.
Sem obrigação
O professor da IBE-FGV André Vidal Pérez aconselha que os aspirantes a empresários não convidem todo e qualquer colaborador para ser sócio. "Você pode montar parcerias com pessoas de áreas interessantes, mas sem oferecer sociedade", explica. Marcelo Minutti recomenda muita reflexão antes de empreender em grupo. "Se você vislumbrou uma oportunidade de negócio, pare e pense: eu preciso de outras pessoas para compor a empresa comigo ou posso ter um modelo diferente de contratação? Não é só porque você não tem mão de obra que precisa colocar todo mundo que vai contribuir como sócio", alerta. "Há outras formas. Você pode oferecer participação nos lucros no primeiro ano da empresa, por exemplo."
Prós e contras
Empreendimento em grupo
Vantagens
; Ter mais pessoas para compartilhar gastos e juntar mais investimento
; Perfis complementares que ajudam o sucesso do negócio
Desvantagens
; Maior chance de rupturas e conflitos por discordâncias
; Disputas internas por poder são comuns
Empreendimento individual
Vantagens
; Não é necessário dar satisfações
; O lucro não é dividido
Desvantagens
; Falta de ajuda para o trabalho e para conseguir capital
; Se a empresa tiver amplo crescimento, provavelmente, será necessário buscar sócios no futuro
Unidos pelo sucesso
Alecrim
O economista Gustavo Galvão, 39 anos, está calejado quando o assunto é sociedades que não deram certo. No início do ano, ele abriu um hortifrúti com o cunhado, mas, poucos meses depois, o sócio deixou o negócio. Para garantir a continuidade da empresa, Gustavo resolveu buscar outro ramo de atuação, que pudesse atrair um público jovem. Foi quando conheceu a estudante de letras Priscyla Kowalczuk, 24, ativista do veganismo. As conversas levaram à ideia de abrir uma casa vegana, que oferece lanches e outros produtos sem origem animal e não testados em animais. Com Priscyla, outros oito jovens veganos se juntaram ao negócio. "Eu ofereci sociedade a eles. Entrei com o capital e eles com o trabalho", explica Gustavo. A divisão de tarefas entre tantas pessoas, porém, não funcionou.
"As responsabilidades não eram equilibradas e muitos esperavam ganhar muito. Só que, no início, o negócio não dava lucro. Outro problema era a tomada de decisões: entrar em consenso com nove pessoas era muito difícil", lembra. Foi assim que, em dois meses, seis sócios debandaram. As dificuldades de relacionamento também foram um agravante. "Tivemos que votar e decidir pela exclusão de uma pessoa", conta Priscyla.
Hoje, restaram três sócios: Gustavo, Priscyla e Thiago Vilela, 24 anos. Criado no fim de maio, o negócio conta com quatro funcionários e começa a dar retorno. "Está dando bem mais certo agora porque somos menos pessoas. Gente demais traz ideias demais e muita discordância", observa Priscyla. Com menos gente na equipe, eles dividiram as áreas de atuação. Gustavo cuida das áreas financeira e administrativa, Thiago gere as redes sociais e a divulgação, e Priscyla escolhe os produtos e faz a gerência do local.