Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

O poder da inteligência emocional

Mostrar habilidade na hora de lidar com conflitos, administrar as próprias emoções e saber se comunicar bem são qualidades cruciais no mercado de trabalho

O analista de sistemas Renato Moraes apresenta empatia e facilidade de relacionamento, características que contribuem para melhorar o ambiente corporativo


Para se sobressair como profissional, já não é suficiente fazer pós-graduação, falar mais de um idioma ou ter um bom currículo. Outras capacidades têm sido cobradas por empresas. É o caso de motivação, proatividade e flexibilidade. De acordo com Ana Ligia Finamor, coordenadora e professora de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), as chamadas habilidades socioemocionais ou não cognitivas fazem toda a diferença quando a missão é demonstrar resultados em equipe. ;As organizações buscam pessoas que consigam trabalhar em prol do coletivo. Funcionários que têm bom desempenho isolados, mas não sabem se relacionar em grupo, atrapalham e comprometem o rendimento dos outros;, analisa.

Ana Ligia diz que profissionais com talentos não cognitivos são cada vez mais valorizados. ;Dominar o inglês e ter uma graduação viraram pré-requisito. Isso não destaca mais ninguém no mercado. O que diferencia é saber lidar com conflitos, entender como administrar emoções e saber se comunicar bem;, afirma. Para a psicóloga organizacional Andressa Gonzalez, assertividade, motivação, proatividade e flexibilidade são algumas características valorizadas em ambientes profissionais. Segundo Andressa, a falta de uma dessas competências pode prejudicar a carreira. ;Se alguém não sabe como se relacionar com outras pessoas e, no trabalho, se mostra impositivo e não dá espaço para que outros falem, os processos ficam ;emperrados;. A falta de habilidades como essa gera menos produtividade, menos eficiência e mais custos para a empresa;, ressalta.

O lado técnico
A inteligência emocional pode, até mesmo, influenciar a maneira de aplicar conhecimentos técnicos. Uma pesquisa divulgada em abril pela Comunidade Internacional de Cooperação na Educação ; Mind Group mostra que aptidões socioemocionais afetam o aprendizado cognitivo. No estudo, três mil estudantes brasileiros de 5; ano do ensino fundamental e dos três anos do ensino médio responderam a questionários de habilidades socioemocionais, de resolução colaborativa de problemas e de matemática (raciocínio lógico e quantitativo). Os resultados mostraram que os participantes mais ansiosos tiveram o pior desempenho nas questões de matemática e na resolução colaborativa de problemas.

Por sua vez, estudantes que demonstraram alta prioridade de resolução colaborativa de problemas tiveram, além de bom desempenho em matemática, maiores níveis de valor intrínseco (engajamento em uma tarefa pelos seus próprios objetivos), autorregulação (consciência de si mesmo para administrar o tempo e os recursos pessoais) e execução (atuação de maneira organizada, sistemática e eficiente).

Além de influenciarem a aprendizagem na escola, as competências não cognitivas também afetam o desempenho do trabalhador. Essa é a visão de Tadeu da Ponte, um dos autores do estudo e especialista em avaliações educacionais e em testes para seleção de pessoas. ;Habilidades como resolução de problemas e trabalho em equipe são tão necessárias quanto conhecimento técnico, pois ajudam a definir como a pessoa consegue alcançar resultados no âmbito estudantil e profissional;, afirma.

Para Ponte, competências não cognitivas devem ser incentivadas desde a infância. ;Essas características são difíceis de se desenvolver. Conhecimentos técnicos podem ser adquiridos em aulas e cursos rápidos, mas os socioemocionais demandam muito tempo. O ideal seria poder contar com um trabalho de formação nessa área desde cedo;, comenta. Essa também é a visão da organização do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), principal exame de avaliação da educação básica de diversos países, que incluiu, em sua matriz de referência para 2015, capacidades de resolver problemas individualmente e de trabalhar em equipe ; que formam a base para a resolução colaborativa de problemas.

Pedro Manzur, diretor executivo da Hi, empresa que promove palestras sobre o assunto, cita outras características importantes para quem quer crescer profissionalmente, como integridade e ética pessoal e profissional, capacidade de tomar decisões e aptidão para trabalhar em equipe. Para quem tem dificuldade em competências desse tipo, Manzur indica cursos presenciais ou on-line na área, leitura sobre o tema e participação em algum trabalho voluntário. ;Em um projeto social, você assume funções de coordenação e tem que desenvolver essas habilidades. Além de contribuir com alguma organização, você também aprende a liderar e a se relacionar;, diz.

Segundo Manzur, a falta de capacidade de comunicação pode gerar estagnação na carreira, pois o indivíduo pode não conseguir mostrar o talento aos outros. A falta de decisão também pode ser uma barreira para quem quer assumir cargos de gerência. A carência, entretanto, pode ser contornada se o profissional tiver bom relacionamento com a equipe e souber escutar outros empregados. Já a falta de ética, para Manzur, é o mais grave. ;Faz mal para a imagem do profissional e da empresa. Muitas vezes é caso de demissão;, explica.

Perfil valorizado
O analista de sistemas Renato Moraes, 34 anos, desenvolveu habilidades de liderança com participação em treinamentos, palestras e cursos de autoconhecimento e de gerência. Para o analista, um dos seus pontos fortes é a empatia. ;Além de ter facilidade de relacionamento, consigo reconhecer características não técnicas nas pessoas que podem ser utilizadas no trabalho;, afirma.

Na função de gestor, Moraes explica que utiliza a empatia e a comunicação para compreender as necessidades de cada membro da equipe e solucionar conflitos. ;Uma vez contratei um profissional muito capacitado, mas a convivência com os outros empregados gerava desavenças. O meu papel foi entender o que propiciava aquilo e delimitar os papéis e as tarefas de cada um para evitar problemas;, conta.

Lúcia Caetano, 56 anos, trabalha como secretária de Renato Moraes e reconhece essa característica no analista. ;Sou secretária de vários funcionários aqui e percebo que o relacionamento com o Renato é mais aberto do que com os outros. Ele aceita mais sugestões e ideias. Assim, o trabalho acaba rendendo mais;, diz. Sobre as competências socioemocionais, Lúcia tem dificuldade em falar em público, mas no telefone consegue se comunicar bem. ;Minha função é de negociar contratos e atender às pessoas, então preciso ter paciência e jogo de cintura. Mesmo quando estou tendo um dia ruim, não posso deixar isso transparecer para quem está do outro lado da linha;, diz.

Requisitos
Confira as competências socioemocionais mais requisitadas pelas empresas:
; Comunicação e relacionamento interpessoal
; Proatividade
; Flexibilidade
; Capacidade de trabalhar em equipe
; Motivação
; Resolução de problemas
; Ética