O cenário do Distrito Federal inspira. Com Produto Interno Bruto (PIB) per capita três vezes superior à média nacional, forte mercado consumidor e a maior renda entre todas as unidades da Federação, Brasília desperta o interesse de investidores, mas amarga desempenho pífio quando o assunto é industrialização. A falta de uma política voltada para o setor gerou um cenário hostil para esse tipo de negócio, que enfrenta problemas que vão desde a falta de infraestrutura ao excesso de burocracia. Mesmo diante de um contexto nada animador, no entanto, alguns segmentos conseguem se firmar e se destacar nacionalmente.
De hoje até domingo, o Correio publica uma série de reportagens com o objetivo de desvendar os detalhes que fazem os ramos da construção civil, do vestuário e da produção gráfica, os três mais representantivos, alcançarem resultados significativos, apesar de enfrentarem os mesmos desafios de outros setores. ;A indústria do DF tem todas as condições de crescer, mas precisa de um programa efetivo. É necessário muito foco para disputar com as outras unidades da Federação;, explica Geovani Fagunde, sócio da consultoria PwC Brasil.
Há gargalos até mesmo entre os setores que conseguem prosperar. O bom desempenho da construção civil no DF, que emprega atualmente 85 mil pessoas e é responsável por 3,9% do PIB local, poderia ser ainda maior caso fossem eliminados alguns obstáculos, como a insegurança jurídica. ;Precisamos, entre outras coisas, de discutir com calma a Luos (Lei de Uso e Ocupação do Solo), que liberará muitas questões referentes a terrenos que ainda são duvidosas;, destaca o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF (Sinduscon-DF), Julio Peres.
Qualificação
A cidade que nasceu como um canteiro de obras, 54 anos depois da inauguração, ainda não perdeu o fôlego. O lançamento de empreendimentos imobiliários, a despeito dos elevados valores cobrados pelo metro quadrado no DF, acontece em ritmo acelerado. O alto poder aquisitivo da população é um dos principais motivadores do segmento, que carece de mão de obra especializada.
O problema da falta de qualificação não é exclusividade da construção civil. O quinto maior parque gráfico do país sofre com a falta de gente capacitada. Para absorver a crescente demanda por serviços, os empresários têm uma opção: formar os trabalhadores. Sem cursos disponíveis na capital ; e os existentes são caros ou com poucas vagas ;, os atraentes postos de trabalho do setor costumam ficar vagos por muito tempo. É o caso dos impressores, profissionais disputados, com salários que variam entre R$ 4 mil e R$ 8 mil.
Rápida expansão
Criada como alternativa de moradia, em 1992, desde o início, Águas Claras surgiu como uma promessa de cidade vertical. O rápido crescimento da região administrativa rendeu o título de maior canteiro de obras da América Latina, em 2007. Com 22 anos, tem hoje 121 mil habitantes e uma área de 31,5km; . A região abriga 590 edifícios construídos, 203 obras em andamento e 289 lotes livres, totalizando cerca de mil terrenos.
Artigo
A indústria, o DF e seus mitos
É consenso que a transferência da capital da República para o Planalto Central propiciou a interiorização do desenvolvimento brasileiro. Hoje, o sertão do Brasil é outro, e Brasília é uma metrópole com 4 milhões de habitantes. Mas a nossa taxa de desemprego ainda é alta, a desigualdade social também, e os empregos de maior qualidade estão concentrados no setor público. Sem dúvida, tal quadro decorre de sermos a metrópole menos industrializada do país. E por que não nos industrializamos? Toda sociedade, desde os primórdios, vive com seus mitos. Brasília, não obstante sua tenra idade, também tem o seu: não podemos ter indústria! Procedem os argumentos apresentados? Vejamos.
O primeiro argumento é que haveria incompatibilidade entre o exercício das funções político-administrativas, típicas da capital de um país, e a existência de um grande parque industrial. Se tal suposição fosse verdadeira, como explicar o alto grau de industrialização de capitais como Tóquio, Seul, Pequim, Londres, Paris, Moscou, Cidade do México e Buenos Aires, sem que nenhuma tivesse de abdicar de suas funções políticoadministrativas?
O segundo é que a atividade industrial não tem mais o peso de décadas atrás. Desconhece-se o fato de que, se a indústria de transformação reduziu seu peso no PIB e no total do pessoal ocupado, as atividades de serviços ligados à indústria aumentaram de forma substantiva. Basta ver números de países como Alemanha, Japão e Coreia do Sul, e a recente recuperação da indústria no PIB norte-americano.
O terceiro argumento é que a atividade industrial é poluidora e deterioraria a qualidade de vida de Brasília. Tal argumento ignora os instrumentos tecnológicos e legislativos hoje disponíveis, que permitem compatibilizar a atividade manufatureira com a qualidade ambiental.
Por fim, o quarto é que não haveria espaço no DF para a implantação de indústrias. Ora, Singapura, com 716km;, área oito vezes menor do que a do Distrito Federal, tem uma população que é o dobro da nossa e produz um PIB industrial 70 vezes maior. Isso mesmo, 70 vezes maior.
Como alegar falta de espaço no DF? O que o Distrito Federal necessita é da adoção de uma estratégia de desenvolvimento ancorada na diversificação de sua estrutura produtiva, envolvendo sobretudo a atração de investimentos industriais para as chamadas cidades-satélites e para os municípios que formam a Área Metropolitana de Brasília (AMB), atraindo, consequentemente, uma ampla gama de serviços de apoio à atividade industrial. Torna-se necessário, contudo, criar as condições para atraí-los, como investimentos em logística, ampliação e diversificação da oferta de energia e qualificação de mão de obra.
Da industrialização da AMB, decorreriam consequências positivas, tais como: a) redução da enorme dependência do setor público, em termos de geração de renda e de ocupação; b) ampliação da oferta de empregos de maior qualificação e, consequentemente, de melhor remuneração; c) ampliação da capacidade de arrecadação própria e, consequentemente, da capacidade de investimentos; d) desconcentração da atividade produtiva, fortemente concentrada no Plano Piloto; e e) redução da desigualdade na distribuição social e espacial da renda.
Júlio Miragaya, presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), integrante do Conselho Federal de Economia e doutor em desenvolvimento econômico sustentável