No Distrito Federal, grupos de recrutamento estimam que 200 trabalhadores lucrem com o principal personagem natalino. Além de jeito com crianças e de bom humor, a profissão exige paciência para ficar entre 6 e 8 horas por dia sentado numa poltrona, durante uma temporada que varia entre 40 e 60 dias, no caso dos centros comerciais. ;Trouxe minha filha Emanuelle Sofia, de apenas dois meses, para ver o Papai Noel num shopping. É a foto com ele que marca esse período. Faz toda a diferença. É importante para os pais e para as crianças também. Elas já crescem gostando do Natal;, observa a dona de casa Eliene Maciel, 39 anos.
Aguentar o calor do Natal nos trópicos, debaixo de uma roupa comprida, botas e gorro, não é tarefa fácil. E tudo isso sem poder beber muita água, já que contam apenas com um intervalo durante a jornada. Para serem bem-sucedidos, os velhinhos cuidam da saúde e capricham no jogo de cintura. O esforço resulta numa renda que varia entre R$ 5 mil e R$ 12 mil. Nas casas de família, uma aparição de meia hora na noite de Natal não sai por menos de R$ 100, dizem os profissionais.
Com 21 anos de experiência, o pedreiro aposentado Abílio da Cruz, 69 anos, não vê diferença entre o trabalho em shoppings e eventos de empresas e de famílias. ;Sempre vou ser a grande atração para as crianças;, esclarece o morador de Valparaíso. Há nove anos, Abílio é contratado por uma agência. ;Trabalhar sozinho é mais complicado porque a gente cuida de tudo;, adverte.
Para ocasiões especiais, os profissionais com dotes artísticos levam vantagem. ;Os papais noéis que sabem cantar e dançar não são mais novidade. Entretanto, são cada vez mais procurados e recebem cachê mais alto;, explica Wânia Cristina de Moraes, sócia-proprietária do Grupo Ciranda, organização que contrata esses profissionais em Brasília. Wânia avalia que o mercado das festas de fim de ano tem passado por mudanças. ;As empresas pedem que o Papai Noel se vista com a cor da logomarca. Este ano, está muito em voga a roupa rosa e saco de presentes com bordado de cupcakes para festas de aniversário;, exemplifica.
Tendências do mercado
Outra alteração foi a substituição das mamães noéis pelas chamadas noeletes. ;As mamães noéis eram senhoras de mais idade, e não aguentavam o pique;, lembra Wânia. A noelete supostamente rejuvenesce a comemoração e fica responsável por organizar a fila, colocar as crianças no colo do Bom Velhinho e observar se o visual dele está alinhado, além de trazer água. Desempregada, Denise Vilarindo, 22 anos, agarrou uma vaga temporária de noelete. ;São 52 dias e vale muito a pena. A gente tem que ser muito educada e paciente.;
Apesar das mudanças, Wânia Cristina garante que, na indumentária natalina, só se alteram aspectos superficiais. ;As pessoas já têm uma imagem formada dos personagens natalinos, não dá para modernizar muito. Papai Noel não pode ser magrinho. É preciso também que ele seja carinhoso e metódico. E, claro, não pode ter nenhum cheiro, como chulé, mau hálito e odor de cigarro.;
A empresária Zoé Fagundes contrata o mesmo Papai Noel todos os anos para que os filhos não deixem de acreditar no personagem. ;Há quatro anos, contrato o mesmo Papai Noel para a ceia da minha família e para a confraternização entre funcionários da minha empresa. Ele é essencial porque contagia a todos. Não é barato, mas vale a pena pelo clima de magia e felicidade natalina que proporciona;, relata.
Recrutado por acaso
Funcionário público aposentado e morador de Taguatinga, Sebastião Andrade, 69 anos, não imaginou que encontraria um novo ofício depois de encerrar a carreira. Em 2004, ao visitar o ParkShopping, foi chamado para trabalhar como Papai Noel. Saiu de lá contratado e, desde então, faz da cadeira vermelha um cartão de visita. ;As pessoas gostam do meu trabalho e me chamam para entregar presentes na noite de 24 de dezembro;, conta. ;Todo mundo me pergunta como consigo sorrir tanto, mas o sorriso das crianças é recompensador;, completa. No colo de Sebastião, além de brinquedos, meninos e meninas pedem a cura de um familiar ou a reconciliação dos pais. E o atendimento não é exclusividade dos pequenos. ;Uma moça me abraçou, chorou e agradeceu pelo fato de eu trazer esperança.; Em público, ele ganha tratamento de celebridade. ;As pessoas filmam e tiram fotos. Quando dirijo, perguntam: ;cadê o trenó?;;, brinca.
omo o pai de Jesus
Severo Ferreira Filho, 72 anos, é marceneiro aposentado e hoje cria perus e galinhas. Ele acumula 15 anos na profissão de Bom Velhinho. ;Com o que ganho, dá para viajar para o Nordeste todo ano;, calcula. Na noite de Natal, ele chega a visitar até seis casas diferentes. ;Passo, em média, 30 minutos em cada uma. O valor fica a combinar, de acordo com a boa vontade do cliente. Ainda participo da festa da minha família. Meu pedaço de peru fica guardado para quando eu voltar;, conta. Os quatro netos e os cinco bisnetos do morador do Guará II acreditam que Severo é o próprio Papai Noel. O senhor de barba e cabelos brancos acha que o requisito mais importante para o trabalho é saber o que falar. ;A vida de Papai Noel que não tem assunto com criança deve ser muito complicada;, comenta. Entre os episódios marcantes da profissão, Severo se lembra de uma mulher que pediu a ele que a curasse de uma doença, e depois voltou para agradecer.
Negócio de família
Aos 38 anos, Edclei Figueiredo é um profissional jovem para a classe dos papais noéis. Funcionário público, ele se veste de vermelho e usa barba postiça há cinco anos. ;A barriga e os olhos são meus. O resto a gente ajeita;, diz. Na rua onde mora, em Luziânia, ele esconde o ofício que assume no fim do ano, principalmente das crianças. ;É para não perder o encanto do Natal;, explica. No Boulevard Shopping, Edclei negocia pedidos de presentes. ;Às vezes, a criança pede algo muito caro. Eu explico que ela não precisa daquilo tudo. Tem menino que desabafa porque quer que o pai ou a mãe pare de fumar. Papai Noel tem que ser um pouco psicólogo infantil;, relata. Ele passa a noite de Natal com a família, mas trabalhando. Ao lado da filha, que faz o papel de noelete, e da esposa, a motorista do grupo, ele alegra a ceia de seis famílias na Octogonal, no Sudoeste e na Asa Norte. ;Eu espero o ano todo por esse momento. É muito gostoso e, financeiramente, é um bom 14; salário.;
Emoção diária
Severo Rodrigues, 59 anos, já se acostumou a passar seis horas por dia numa poltrona vermelha. Ele enfrenta o calor provocado pela fantasia com a ajuda de um ventilador. Esse é o segundo ano em que o publicitário e morador de Curitiba dedica os meses de novembro e dezembro a encarnar o Bom Velhinho. ;Tudo começou como uma brincadeira. Há três anos, resolvi deixar a barba crescer. Muitas pessoas disseram que eu devia trabalhar como Papai Noel. Ouvi tanto isso que passei a acreditar;, relata. Severo se emociona durante os bate-papos com os pequenos. ;Mais importante que o dinheiro que ganho é ver a alegria das crianças;, afirma. Para trabalhar como o personagem natalino em Brasília, abre mão de comemorar a ocasião com filhos e netos. ;Sou contratado por famílias para entregar presentes no Natal. Ano passado, estive em quatro casas. Numa delas, até joguei bola com a meninada.;