Na última semana, os pediatras que atendem no Hospital Regional de Santa Maria enfrentaram a fúria de pais inconformados com a demora do atendimento. Segundo o presidente do Sindicato dos Médicos do DF (SidMédico), Marcos Gutemberg, apenas dois profissionais estavam de plantão para atender mais de 100 pacientes e eles chegaram a sofrer ameaças de agressão. ;A população fica indócil porque não entende que dois médicos não têm condições de atender todo mundo;, afirma o presidente. A solução temporária proposta pelo sindicato e pelos profissionais é unificar duas unidades de pediatria em um único hospital. Dessa forma, os pacientes de Santa Maria seriam atendidos no Hospital Regional do Gama, que também sofre com a superlotação na pediatria (leia Povo fala). ;O que se precisa é de contratação de médicos por concursos públicos o mais rápido possível e, enquanto isso, firmar contratos temporários. O médico não pode ficar exposto, vulnerável;, diz Gutemberg.
De acordo com a Secretaria de Saúde do DF (SES-DF), 13 pediatras trabalham em Santa Maria, mas seis deles estão de licença médica. No Gama, são 15 profissionais. No total, 869 pediatras atuam na rede pública de saúde do DF. A secretaria informou que já está autorizado um concurso com cerca de 650 vagas para médicos e que o edital deve sair até o fim do ano. Desses, 60 serão pediatras contratados para o Gama e Santa Maria. O último certame que selecionou médicos dessa especialidade ocorreu em 2012, mas, ainda segundo a secretaria, sempre existe dificuldade em encontrar profissionais na área.
Problema generalizado
As regiões Norte e Nordeste enfrentam problemas ainda maiores porque concentram o menor número de pediatras (veja o mapa). Dados do Ministério da Saúde mostram que 33,2 mil médicos da rede pública atendem a população menor de 19 anos em mais de 14 mil estabelecimentos de saúde. O cálculo inclui hebiatras ; que atendem adolescentes ;, médicos de criança, neonatologistas e pediatras. Em nota, o órgão informou que as ações para aumentar o número de profissionais e fixá-los nas regiões em que são mais necessários estão concentradas, atualmente, no programa Mais Médicos, que expande o número de vagas de residência no país.
O presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Eduardo Vaz, explica que o problema começou há 14 anos, com a criação do Programa Saúde da Família, do governo federal. Ficou definido que as crianças seriam atendidas pelo médico da família, e não mais por pediatras. Isso desestimulou a busca dos recém-formados pela especialidade. Dez anos mais tarde, segundo Vaz, a profissão voltou a ser valorizada e, hoje, as 1.444 vagas de residência em pediatria oferecidas no país estão preenchidas. O ideal, na opinião do especialista, seria aumentar esse número para 1,6 mil nos próximos anos. ;A busca pela especialidade é alta, mas para que a gente tenha pediatras suficientes precisaremos aguardar um pouco;, observa. ;Para resolver todos esses problemas, precisamos que as autoridades garantam condições adequadas de trabalho e de salário para que se tenha pediatra em todos os postos e é preciso que os gestores valorizem a pediatria, o que não ocorre hoje em dia;, conclui.
Planos de saúde
Na rede particular de hospitais a dificuldade é a mesma. Nos últimos 12 meses, a Agência Nacional de Saúde (ANS) recebeu quase cinco reclamações por dia relacionadas ao descumprimento de prazos máximos para atendimento em pediatria. As entidades de classe afirmam que, nesse caso, o problema não é a falta de profissionais, mas sim a remuneração ruim e o desinteresse em contratá-los, porque oferecem um serviço menos rentável. ;Muitos hospitais não querem pediatria porque o salário pago não compensa, pois a criança não gera procedimentos. Na maioria das vezes, não é preciso fazer exame nenhum, e isso não agrega valor para a emergência. É muito mais lucrativo atenderem adultos com doença do coração;, critica Eduardo Vaz, da SBP.
Para quem recebe pacientes em consultórios particulares ou no atendimento ambulatorial dos hospitais, o problema é o pagamento feito pelos planos de saúde. A cobertura vale apenas para uma consulta no mês, que normalmente é a de acompanhamento da criança. Se ela fica doente de novo, o plano não cobre a consulta extra. A partir do ano que vem, no entanto, por determinação da ANS, os pediatras passarão a receber mais por esse outro atendimento. ;Isso vai fazer com que muitos deles mantenham os consultórios;, acredita Vaz.
;Eu sempre quis trabalhar com pessoas. Quando resolvi fazer medicina, escolhi a pediatria logo que entrei no curso, porque gostava de crianças, e vê-las ficarem boas é uma recompensa;, relata a pediatra Alba Fleury, 50 anos. Ela chegou a trabalhar na rede pública de saúde, mas a carência de profissionais de outras áreas para auxiliar no atendimento e a falta de materiais básicos de trabalho a desestimularam. Hoje, Alba atende no consultório particular pela satisfação que o cuidado com as crianças proporciona, mas, para complementar a renda, também é gerente médica de um grupo de hospitais. ;A pediatria é uma das especialidades que recebe menos. A consulta é demorada ;; dura pelo menos 40 minutos ; e não tem outra remuneração. A maioria dos médicos faz isso (passa a trabalhar em áreas administrativas).;
O presidente da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), Luiz Aramicy Pinto, afirma que as empresas seguem a tabela de remuneração nacional ; o piso salarial da Federação Nacional dos Médicos (Fenam) é de R$ 10.412 para uma jornada de 20 horas semanais ; e que os procedimentos não geram dinheiro só aos hospitais mas também às clínicas que oferecem serviço para esses estabelecimentos. ;Nós pagamos de acordo com o que preconiza a Sociedade Brasileira de Pediatria, mas é um profissional difícil de se conseguir;, afirma. Ele admite, no entanto, que a remuneração é baixa e que é preciso um esforço conjunto de operadoras, governo e entidades de classe para que se chegue a um consenso sobre o valor e as condições adequadas de trabalho.
Povo fala
Pais reclamam da demora no atendimento do Hospital Regional do Gama
Aldiana Rodrigues dos Santos,
19 anos, moradora de Pedregal
;Meu filho teve uma crise de bronquite. Fiquei esperando seis horas, mas não havia previsão para ele ser chamado. A gente não vê esses médicos atendendo. Os funcionários já avisaram que depois das 19h não haverá atendimento, pois não tem médicos no plantão.;
Isa Raquel Bezerra,
33 anos, moradora do Gama
;Meus dois filhos estão com febre há mais de sete horas. Quando fiz a triagem, disseram que 38;C não é febre. Os classificaram como verde e nem estão chamando. Se vier durante o dia é assim. É triste, o tanto que você paga de imposto e o governo não oferece saúde nem para as crianças.;