;A fronteira do que é e do que não é habitável está mudando;, sentencia Scott Rogers, professor de ciências biológicas da Bowling Green State University, nos Estados Unidos. Rogers é coautor da recente pesquisa, publicada dias atrás no jornal de livre acesso Plos One. Ele e seis cientistas de diferentes áreas estudaram cristais de gelo que se formaram acima do Vostok, na base da grossa camada que o esconde. Por meio de sequenciamento de DNA e RNA, a equipe identificou milhares de bactérias, fungos e duas espécies de archaea (seres unicelulares que costumam ser encontrados em ambientes com condições extremas).
Ainda mais surpreendente é que, entre as bactérias que vivem no lago, há várias que são geralmente achadas no aparelho digestivo de peixes, crustáceos e vermes anelídeos. Ou seja, os resultados da investigação sugerem a possibilidade de que o Vostok abrigue também animais grandes, que podem ter evoluído de forma independente do resto da fauna do planeta.
Além disso, os cientistas acharam material genético de espécies que costumam viver em sedimentos de lagos e oceanos. No comunicado divulgado à impresna sobre o estudo, Rogers afirma que a presença de espécies marinhas e de água fresca dá força à hipótese de que o lago já foi conectado ao oceano no passado. ;Nós achamos uma complexidade muito maior do que qualquer pessoa jamais imaginou ser possível encontrar. Os resultados realmente mostram como a vida é persistente e como organismos podem viver em ambientes onde, até 12 anos atrás, achávamos que nada poderia sobreviver;, declara Rogers no texto.
Equipe russa que também estuda o Vostok: anos de perfuração até o lago e resultados polêmicos |
Perfuração
O Vostok é objeto de interesse de diferentes times de pesquisa. Um dos projetos mais audaciosos relacionados a ele foi conduzido pela Rússia durante 55 anos. Em 1957, quando o país ainda comandava a União Soviética, cientistas começaram a perfurar o gelo sobre o lago com o objetivo de obter uma amostra de água do lago. A broca só chegou ao seu destino em fevereiro do ano passado, quando uma parte do precioso líquido foi armazenado em um compartimento especial da sonda. O material permaneceu, então, congelado por quase um ano, quando as condições climáticas permitiram que ele fosse trazido à superfície e analisado (veja infografia ao lado).
Depois de avaliar o conteúdo da água, Sergey Bulat, pesquisador do Insituto de Física Nuclear Peterburgo, anunciou, durante um congresso científico, em março passado, que não só havia achado vida na amostra como identificado uma bactéria até então desconhecida, cujo DNA tinha menos de 86% de semelhança com qualquer outra identificada até então. O próprio estudo, no entanto, defendia a necessidade de novas análises para confirmar os dados, o que levou alguns cientistas a criticarem Bulat pelo anúncio.
Os críticos, incluindo alguns cientistas envolvidos no estudo, apontaram a possibilidade de o resultado ter sido influenciado por contaminação provocada pelo contato da água com a sonda ou com ambiente externo ao lago. Bulat voltou a defender sua posição, dizendo estar certo de que sua equipe havia encontrado um ;micróbio nativo e não classificado;. A polêmica, contudo, deixou os resultados sob suspeita e à espera de novas análises, que pareçam mais seguras.
Cuidados
Como no novo estudo publicado na Plos One, os cientistas trabalharam com amostras de gelo formadas próximo do lago, a preocupação com a contaminação também precisa ser levada em conta. Scott Rogers e sua equipe dizem ter ;limpado; o gelo antes da análise por meio de um processo que incluía banhos de alvejante e água esterlizada e retirava a camada externa das peças congeladas. ;Usando esse método, podemos assegurar que há quase 100% de confiabilidade nos dados;, assegurou o coordenador do estudo. Além disso, o biólogo afirma que o time só publicou as sequências de DNA das espécies que eles estavam certos serem do lago. Várias outras ficaram de fora por haver dúvidas. ;Muitas das espécies que sequenciamos estão de acordo com o que pensávamos ser possível encontrar. A maior parte dos organismos parecem ser aquáticos;, frisa.
Para Yury Shtarkman, pesquisador russo que integra a equipe de Rogers, os dados colhidos são tão numerosos que devem render novas pesquisas por muitos anos. ;É um projeto muito desafiador, e, quanto mais estudamos, mais desejamos saber. Todo dia você descobre algo novo que leva a mais perguntas. Ao estudar o DNA e o RNA ambientais, nós podemos verificar a semelhança que essas sequências têm com aquelas que já existem nos bancos de dados nacionais. Nós estamos traçando a evolução e a ecologia do Vostok;, analisa.