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Concursos públicos que exigem exame da virgindade para candidatas provocam constrangimento. Além da Polícia Civil da Bahia, o Corpo de Bombeiros do DF incluiu exigências semelhantes

A relação das mulheres com o mundo dos concursos repercutiu nas últimas semanas com a polêmica do certame da Polícia Civil da Bahia. O edital previa que candidatas que comprovassem a virgindade por meio de atestado seriam dispensadas de um dos exames ginecológicos pedidos (ver Entenda o caso). Outras seleções, como a do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, também entraram na mira de parlamentares e de representantes de movimentos pelos direitos da mulher por conterem requisitos desse tipo.

Uma retificação do edital desse concurso, organizado em 2011 pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UnB), previa que candidatas que possuíssem o hímen íntegro estariam dispensadas dos exames de ecografia transvaginal e de colpocipatologia oncótica, que estavam entre as cobranças médicas do certame.

No caso da Superintedência Nacional de Previdência Complementar (Previc), a exigência apareceu na convocação para exames pré-admissionais dos aprovados em concurso público, também em 2011. O documento determinava que as candidatas virgens estariam dispensada de apresentar o exame de papanicolau desde que entregassem atestado médico para comprovar a condição, com assinatura, carimbo e registro do médico no Conselho Regional de Medicina (CRM). Uma das situações mais recentes é a do edital do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial do Ministério da Defesa, de fevereiro de 2013, que exige exame colpocitológico ou, para as virgens, ultrassom pélvico.

Para a deputada federal Alice Portugal (PCdoB/BA), os órgãos nunca podem invadir a privacidade dos candidatos em processo seletivo público quando for desnecessário. ;Situações como essas são totalmente descabidas. Exigir que a mulher vá a outro médico para comprovar que é virgem é constrangedor;, diz. De acordo com a parlamentar, o requisito expõe a candidata e pode ter consequências no próprio trabalho, quando aprovada. ;Se a profissional tiver se submetido à ecografia transvaginal para o concurso, o exame vai constar no portfólio dela. Não dá para saber se futuramente o superior pode ter acesso a esses documentos;, argumenta.

Porém, o chefe de Comunicação Social do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, tenente-coronel Mário Sérgio Oliveira, afirma que nenhum dos exames feitos durante o concurso é acessado pela corporação. ;Os documentos são de sigilo médico; só quem pode ficar sabendo é a candidata e o profissional que a atendeu;, garante. Segundo Oliveira, os resultados da consulta médica ficam com o Cespe/UnB. ;Só podemos saber quem não é virgem se nossas soldadas têm filhos, obviamente. Mesmo assim, a corporação não faz qualquer tipo de discriminação entre mulheres, virgens ou não;, afirma.

Exposição desnecessária


De acordo com a deputada Alice Portugal, as exigências são abusivas, mesmo com garantias de que haverá sigilo sobre o resultado dos exames. ;Mulheres ainda são vítimas de assédio e de observações quando se sabe que elas não são mais virgens. O simples fato de ser obrigada a atestar a virgindade já expõe a candidata desnecessariamente;, coloca. ;O próprio médico do concurso constataria que apenas a ecografia pélvica seria suficiente para visualizar os órgãos femininos;, acrescenta.

A deputada afirma ainda que a exigência leva as candidatas a perderem tempo e dinheiro. ;Ter de se deslocar a dois profissionais diferentes também é um absurdo;, comenta. Em repúdio aos editais como o da Polícia Civil da Bahia e o do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, Alice Portugal enviou um ofício à ministra da Secretaria de Política para as Mulheres, Eleonora Menicucci, solicitando intervenção junto aos órgãos dos governos federal e estaduais para que suprimam dos editais de concursos públicos em andamento itens que façam esse tipo de exigência. No entanto, de acordo com a assessoria de imprensa, a secretaria não vai se manifestar sobre o tema.

A graduada em letras Rayla Gonzaga, 25 anos, prestou o concurso do Corpo dos Bombeiros promovido em 2011. Para ela, o fato de tanto a ecografia transvaginal quanto a pélvica serem obrigatórias, já causa estranhamento. ;É um absurdo. Se os dois exames visualizam a mesma coisa, por que a mulher ainda precisa provar ser virgem para não precisar fazer um deles?;, questiona. Porém, Rayla não considera que tal obrigação seja degradante. ;É sempre bom ter o hábito de ir ao médico, então, não há motivo para reclamar disso. São apenas procedimentos pelos quais precisamos passar para cuidar de nossa saúde;, afirma.

Elas são maioria


Apesar das exigências de alguns editais, que podem invadir a privacidade das candidatas, pesquisa divulgada pelo site especializado Rota dos Concursos mostra que as mulheres representam mais da metade (54%) dos concurseiros. Para o coordenador do estudo, Henrique Augusto Guimarães, o resultado foi surpreendente, pois estatísticas informais anteriores apontavam maioria masculina.

Segundo ele, a busca pela estabilidade tem motivado as mulheres a almejarem um cargo público. ;Muitas ainda têm o sonho de cuidar dos filhos e ter tempo para isso, o que demanda segurança financeira e tranquilidade;, afirma. De acordo com Guimarães, carreiras militares como as de policiais e bombeiros têm atraído as concurseiras. ;Ainda há discrepância, mas o aumento no número de vagas femininas prova que a sociedade permite cada vez mais que elas exerçam papéis que antigamente eram considerados masculinos.;

Sheila Thurler e Roberta Lussac, ambas de 27 anos, se dedicam integralmente aos concursos desde julho de 2011. Elas sentem a presença feminina nos cursinhos que frequentam, onde são maioria. Roberta acredita que os estudos para a carreira pública atraem pela oportunidade de estabilidade financeira. ;Queremos independência para poder estruturar a vida e realizar sonhos, como o de formar uma família;, comenta.

A área de graduação foi outro motivo que levou a bióloga Sheila a estudar para os certames. ;São poucas as opções para a nossa área que não os concursos. Então, estou me preparando para os mais gerais e tentarei garantir um emprego público para, depois, me concentrar nas seleções mais próximas à minha formação;, afirma. Ela e Roberta participaram da prova do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) no domingo passado e relatam as dificuldades. ;Tivemos pouco tempo para estudar disciplinas específicas de direito, que não achávamos que estariam no edital;, conta Sheila.
As duas amigas também comentaram a exigência de teste de virgindade para a liberação de alguns exames. ;É completamente desnecessário. Pedir essa comprovação não altera em nada o que de fato precisa ser observado com a avaliação médica;, afirma Roberta. Para Sheila, além de expor a mulher, o edital evidencia o descompasso do concurso com relação às obrigações impostas às mulheres hoje. ;É uma mentalidade retrógrada e machista, que não tem a ver com a quantidade de candidatas do sexo feminino hoje em dia.;

Entenda o caso

Item
suspenso


O edital da Polícia Civil da Bahia, também de organização do Cespe/UnB, exigia das candidatas exames ginecológicos considerados invasivos, como colposcopia, citologia e miclofora. As candidatas que comprovassem possuir o hímen íntegro, por meio de atestado emitido por médico com assinatura e carimbo do Conselho Regional de Medicina, estariam dispensadas de fazer tais exames. A medida gerou revolta entre entidades de defesa da mulher. Em 14 de março, o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), anunciou a suspensão dos itens que determinavam a exigência no edital.


Saiba mais


Carreiras mais procuradas pelas mulheres que prestam concursos públicos

Executivo 23,9%
Legislativo 21,2%
Judiciário 44,4%
Carreira Policial 15,2%
Bancos 16%

Fonte: pesquisa feita pelo site Rota dos Concursos