O diretor executivo da corretora de seguros Executiva, José Luiz Mahon, 62 anos, vê a necessidade de estipular horários de entrada e de saída, além de controlar o uso de redes sociais e e-mails particulares. ;Bloquear a internet é melhor do que ficar pedindo trabalho e se repetindo, o que pode ser muito mais constrangedor;, afirma. A chefia da seguradora também pede que os trabalhadores evitem saídas longas para compromissos não relacionados ao trabalho.
Os colaboradores da corretora apoiam as iniciativas para garantir que o serviço durante o expediente seja otimizado. Ana Cláudia Nobre, 41 anos, trabalha no departamento operacional de seguro de vida da empresa e teve experiências ruins com o mau uso da internet. ;Já fiz parte de outra companhia que liberava sites de mensagem instantânea. Os funcionários se distraíam e não trabalhavam com tanta eficiência;, relata.
Sandra Novo, 52 anos, é coordenadora técnica da empresa e acredita que cada um deveria saber impor os limites necessários ao uso da internet, por exemplo, para não deixar que assuntos particulares atrapalhem o expediente. ;O ideal seria que não houvesse proibições e que todos tivessem consciência da função que exercem;, coloca.
Para o especialista em recursos humanos da consultoria Triad PS Christian Barbosa, mesmo com políticas de bloqueio da internet e controle de entrada e de saída, é quase impossível que a empresa tenha domínio total do que os funcionários fazem no expediente. ;Instalar dispositivos como softwares e câmeras pode sair muito caro e ficar inviável;, explica. Segundo ele, é papel da organização fazer trabalhos de conscientização, como treinamentos e programas de comunicação interna, para garantir o bom uso do tempo de serviço. ;A companhia precisa estabelecer resultados a serem medidos dentro de determinado prazo. Com eles, dá para saber quem está produzindo ou não;, sugere o consultor.
Além disso, ele defende que o funcionário trabalhe a autoconsciência. ;Um bom exercício é chegar ao fim do expediente e ver se todas as tarefas daquele dia foram feitas. Se não, é preciso analisar o que atrapalhou o fluxo de trabalho, se foram as redes, o e-mail ou as saídas;, propõe. Para o especialista, o profissional que otimiza o tempo e observa os frutos de um bom trabalho fica mais motivado e com maior autoestima. Ainda assim, ele reconhece que, quando há incompatibilidade entre a política da empresa e o estilo de vida do trabalhador, o melhor é saber a hora de parar. ;Não dá para bater de frente, porque a cultura da companhia não muda de uma hora para a outra. O profissional tem que estar feliz no expediente.;
Rosane Carvalho, 54 anos, já passou por apertos por causa de um funcionário que reservava o expediente para resolver assuntos próprios. Ela é diretora administrativa da gráfica Makro Kolor e demitiu um trabalhador que abusava do acesso à internet e das saídas para tratar de vendas que não tinham relação alguma com o funcionamento da empresa. ;Ele atuava na parte de segurança do trabalho e era responsável por checar extintores, vestimentas de funcionários e organizar reuniões da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa). Era muita responsabilidade e não havia tempo para que ele ficasse no computador tratando de coisas pessoais;, conta.
O funcionário chegava ao extremo de mentir sobre as saídas ; que deveriam ser destinadas à troca de extintores fora do prazo de validade. ;Na realidade, ele saía para definir coisas das vendas que ele mesmo fazia e, depois, dava alguma desculpa;, relata Rosane. Cansada dos abusos, ela demitiu o empregado por justa causa e ele decidiu processar a empresa por danos morais. Porém, a 45; Vara do Trabalho de São Paulo considerou a demissão legal. Ainda cabe recurso à sentença.
O advogado trabalhista Klaus Melo concorda com a decisão da Justiça no caso da Makro Kolor. ;A empresa tem o direito de exigir que o trabalhador exerça integralmente a função durante o expediente;, explica. Segundo o especialista, a empregadora deve ter cuidado para estabelecer regras com isonomia e especificar o porquê de cada função ter proibições e flexibilidades relativas ao próprio trabalho. ;O que não pode acontecer é a companhia impedir saídas essenciais, como ir ao banheiro, ou estabelecer metas impossíveis de serem cumpridas durante o horário de trabalho estabelecido no contrato;, afirma.
Flexibilidade
Há quatro anos, o designer Henrique Ayres, 29 anos, fundou a empresa ONI Design. Para fugir de regras rígidas de conduta no serviço, ele decidiu criar um esquema de trabalho baseado na flexibilidade. ;Não gosto de hierarquia. É preciso que o funcionário tenha espaço para pensar e discordar;, afirma. Todos os sócios e funcionários ficam na mesma sala, possuem acesso livre às redes sociais e podem se ausentar para atividades pessoais, como ir à academia, por exemplo.
Para garantir que a empresa cumpra as metas estipuladas com os clientes, a equipe se organiza e mede o tempo destinado a cada projeto. As datas de entrega são rigorosamente respeitadas para não comprometer o sucesso da agência. Ayres afirma que os padrões de conduta vêm com o próprio convívio dos funcionários e, por isso, não precisam ser impostos. ;É uma questão de responsabilidade com o trabalho.;
O estudante de desenho industrial Eduardo Goulart, 20 anos, estagia na ONI e teve até dificuldades para se adaptar ao perfil flexível da empresa. ;Precisei aprender a cobrar de mim mesmo;, diz. Além do curso de design, faz faculdade de ciências da computação e tem o apoio dos chefes para conciliar as atividades sem deixar de lado as obrigações profissionais. ;Eles entendem quando preciso me dedicar mais aos cursos e tenho liberdade para estudar aqui. A equipe até me ajuda a fazer os trabalhos.;
Três perguntas para
Augusto César Leite de Carvalho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
O trabalhador tem o direito de usar o horário do expediente para cumprir tarefas alheias à função?
Normalmente, o trabalhador se obriga a disponibilizar sua força de trabalho no horário contratado e deve cumprir essa obrigação. Em situações extraordinárias, a lei autoriza que parte da jornada seja dedicada a outros assuntos, a exemplo do que ocorre com os dirigentes de sindicatos ou de comissões internas de prevenção de acidentes ; quando atuam na representação dos trabalhadores ;, ou dos aprendizes, que passam parte da jornada em cursos de formação profissional. Mas são situações extraordinárias.
Quando isso ocorre em algum caso de urgência e a empregadora demite o funcionário mesmo assim, é configurado abuso?
Diferentemente do que ocorre em outros países, principalmente naqueles que integram a União Europeia, a legislação brasileira permite que o empregador dispense o empregado sem justificar por que o faz, e se há algum motivo técnico, financeiro ou disciplinar para despedi-lo. Basta que ele pague uma indenização de valor equivalente a 40% do saldo que o empregado tem em sua conta de FGTS que a dispensa sem justa causa é válida. Quando o empregado justifica a ausência do trabalho por ter de atender alguma necessidade emergencial que afeta sua família (doença ou acidente de um parente próximo, por exemplo), o empregador não pode despedi-lo por justa causa, mas poderá optar por despedir o trabalhador sem justa causa, pagando a referida indenização, e certamente estará imune a qualquer condenação judicial.
A empresa precisa discriminar em estatuto ou regimento interno as proibições e restrições?
Depende. As obrigações inerentes ao contrato de trabalho não precisam ser previstas em regulamentos. Por sua vez, as obrigações que o empregador estabelece a mais, como a de exigir determinado uniforme ou a de o trabalhador prestar serviço com exclusividade, podem ser previstas em estatuto, em contrato escrito ou mesmo por ajuste verbal. Mas cabe uma observação: há algumas proibições ao empregado que comprometem a dignidade humana e, por isso, não são autorizadas pelo direito do trabalho, como aquelas que impedem o empregado de satisfazer necessidades relacionadas à sua condição fisiológica ou que suprimem direitos vinculados à higiene ou à saúde do trabalhador.