O nicho é chamado de autoajuda profissional, mas não há nada de emocional nos títulos: a maioria adota um tom assertivo e até agressivo para ensinar que é possível, sim, ser um profissional melhor, um chefe mais inspirador ou até mesmo um colega mais amigável no escritório. Sem esquecer, é claro, de que é igualmente possível ganhar mais dinheiro e amar seu emprego. O segmento vai de clássicos representados por Como fazer amigos e influenciar pessoas, de Dale Carnegie, a best-sellers, como Desperte o milionário que há em você, do brasileiro Carlos Wizard.
Linguagem acessível
Segundo a especialista em psicologia organizacional Regina Magalhães-Corrêa, o público brasileiro que consome esse tipo de literatura está à procura de mudanças, sejam elas internas, como o aperfeiçoamento da maneira de trabalhar, ou transformações palpáveis. Elas incluem a conquista de uma promoção e até uma mudança total de carreira. A crença nos autores de autoajuda profissional tem base na linguagem. ;Os autores de sucesso tornam acessível a todos teorias complexas, que muitas vezes somente conhecedores da área entenderiam. Muitos traduzem em metáforas sentimentos que a maioria das pessoas não consegue articular;, avalia. Para a psicóloga, o crescente aumento nas vendas de livros do segmento se deve a uma multiplicidade de fatores. ;Além de serem de fácil leitura, as obras têm grande apelo, pois são construídas sobre a máxima de ;educar pelo exemplo;. O público busca inspiração para o sucesso.;
Para o doutor em administração de empresas e especialista em recursos humanos pela Harvard University Rui Orthoff, o profissional que lê é valioso para o mercado. ;A partir dessas leituras, a pessoa pode fazer uma autocrítica da sua conduta profissional, o que é extremamente positivo,; explica. O especialista defende que os livros do gênero ajudam a repensar todo um conjunto de ações que pode ser melhorado. ;Após anos consecutivos com as mesmas atitudes, a pessoa entra no piloto automático e não para mais para pensar se poderia ser um profissional melhor;, diz. Na visão do pesquisador, fenômenos editoriais como o Monge e o executivo, de James Hunt, embora pareçam óbvios, se ancoram na ideia de promover pequenas revoluções internas, fazendo com que todos os tipos de trabalhadores se identifiquem com a leitura, do chefe ao estagiário.
A gerente de vendas de uma distribuidora comercial Gleici Pereira lê, pelo menos, duas novas obras do gênero por mês. Sua escolha é influenciada pela criatividade do título e também pela relação do livro com sua carreira. Em setembro, por exemplo, os ensinamentos para saber liderar bem uma equipe vieram da máfia, por meio de Estilo mafioso de gerenciar, do ex-contraventor americano Michael Franzese. ;Toda vez que descubro um novo título, uma caixa de conselhos valiosos se abre para mim.; Ela acredita que essas recomendações valem mais que especializações e cursos convencionais.
O gênero da autoajuda profissional ganhou lugar cativo nas casas editoriais. Na Sextante, editora com vários títulos nas listas de mais vendidos do segmento, essas obras são responsáveis por cerca de 30% do faturamento mensal. Tomás Pereira, sócio da editora, acredita que o sucesso desses livros no Brasil se deve à procura crescente por novas perspectivas de carreira, motivada pelo aquecimento da economia e pela dinamização do mercado de trabalho. Em relação ao perfil dos leitores, o editor diz que a procura por esses títulos não encontra barreiras em relação à idade, sexo, nem cargos. De acordo com Pereira, a profusão de autores brasileiros também tem ajudado nas vendas. ;Sucessos como Gustavo Cerbasi e Carlos Wizard nos mostram que o público quer se identificar com as histórias, e não apenas ler um apanhado de metáforas;, afirma Pereira.
A autoajuda produzida no Brasil é o que tem alavancado os negócios de outra editora, a Leya. A responsável pela seleção de novos títulos da editora, Maria João Costa, acredita que o brasileiro tenha um estilo muito particular, ainda mais quando se trata de cultura corporativa. ;O leitor quer ler alguém que fale sua língua e entenda seu jeito de agir e ser, daí o avanço do sucesso dos autores brasileiros;, diz. Maria João garante que a adaptação do discurso da autoajuda, com menos jargões e mais exemplos práticos, é essencial para atender à demanda dos leitores, que vêm especialmente das classes B e C. ;Aquela linguagem muito americanizada, padrão dos livros de autoajuda, não atinge efetivamente os leitores brasileiros;, argumenta.
Em busca de novidades
Outro fator de interesse nos livros de autoajuda empresarial é a novidade. Por isso, garante a pesquisadora Adriana Turmina, a escolha de títulos pouco convencionais e abordagens exóticas são artifícios que atraem o público. Autora de tese premiada sobre as relações de trabalho e os livros de autoajuda, a pesquisadora diz que o fenômeno ganhou força nos anos 1990, quando as relações no ambiente de trabalho passaram a se transformar. ;Sentimentos como insegurança e medo de ficar ou permanecer desempregado legitimam e servem de estímulo à construção do que podemos chamar de cultura da autoajuda.; De acordo com Adriana, em algumas empresas a leitura de livros de autoajuda é vista como qualificação para os trabalhadores.
Para tirar proveito do conteúdo dos livros de autoajuda profissional é preciso ter, acima de tudo, bom-senso. O especialista Rui Orthoff recomenda cautela na hora de trazer as lições e ensinamentos das obras para o contexto real. ;Um determinado comportamento pode não funcionar apenas porque foi usado como exemplo no livro,; explica. Portanto, antes de pensar apenas nos resultados positivos, é importante refletir. ;O dia a dia dos profissionais é repleto de problemas e dificuldades que precisam ser encarados, principalmente no relacionamento com as outras pessoas, que não podem ser expostas a experimentos;, explica. Mais do que o conteúdo do livro, o que interessa é a disponibilidade que a pessoa tem para aceitar os ensinamentos e conselhos. ;A partir disso, o profissional se sente apto, capacitado, motivado. É como se o livro lhe desse as ferramentas, e a pessoa se sentisse mais preparada do que antes.;
Saiba mais
É preciso ir além da teoria
Escritor e consultor organizacional, Eduardo Shinyashiki é autor de Viva como você quer viver e A vida é um milagre. Para ele, os livros de autoajuda direcionados ao dia a dia no trabalho auxiliam o leitor no seu desenvolvimento pessoal e profissional por meio de ideias e a experiência dos autores como argumentos de reflexão. ;Porém, é importante exercer a responsabilidade individual para elaborar as informações e adaptá-las ao próprio contexto e realidade profissional;, alerta.
Shinyashiki acredita que a leitura em si é um grande instrumento para exercitar a concentração, estimular o prazer de pensar, questionar e refletir, e as informações presentes nos livros de autoajuda podem gerar mudanças ou motivar a busca de uma transformação ou aperfeiçoamento.
Segundo ele, o importante é escolher os livros conforme a temática de interesse e sempre exercer a própria capacidade de reflexão, discernimento e espírito crítico. ;É bom lembrar que as obras não substituem a formação acadêmica formal, a experiência, as especializações e os relacionamentos interpessoais, mas podem ser úteis como fonte de inspiração, de questionamento, de ideias e conceitos para conhecer novas maneira de pensar e encarar pontos de vista e perspectivas diferentes;, diz.
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