Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

Além da exaustão, o medo

Após um dia de trabalho cansativo, são poucos os alunos que conseguem frequentar a educação de jovens e adultos. Além disso, muitos desistem porque têm medo de voltar para casa tarde da noite. Várias escolas estão em regiões com altos índices de criminalidade

Buscar concentração para aprender depois de um dia exaustivo de trabalho é o principal desafio dos estudantes jovens e adultos. O sapateiro Merivaldo Elias de Oliveira, 43 anos, enfrenta essa rotina desde 2010, quando voltou a frequentar a escola. Ele também trabalha como chaveiro e sua jornada de diária é dura. Começa ainda de madrugada, em um quiosque do Setor O, em Ceilândia, e o dia só termina às 22h30, quando ele sai da escola. %u201CÉ muito cansativo, às vezes, eu acho que não vou dar conta%u201D, revela Merivaldo. Além de encarar a exaustão física, os alunos da EJA também têm que vencer o medo da violência. Como a maioria das turmas funciona à noite e muitas escolas estão em regiões com altos índices de criminalidade, estudar também é motivo de preocupação. %u201CMuitos colegas meus já abandonaram as aulas com medo de sair do colégio à noite. Tem muito assalto. Eu sempre ando apressado e com medo de colocarem um revólver na minha cabeça%u201D, acrescenta Merivaldo, que estuda no Recanto das Emas. O pedagogo Arthur Ferreira da Costa Lins desenvolve uma dissertação de mestrado na Universidade de Brasília (UnB) sobre educação de jovens e adultos. Ele visitou escolas, mergulhou na rotina desses estudantes e se deparou com uma realidade de falhas e omissões. Uma das coisas que chamou a atenção do pesquisador foi a falta de fluxo entre os diferentes segmentos. %u201CComo sempre há novos alunos e vários abandonam o curso, o segundo segmento fica com menos estudantes e o terceiro não recebe alunos das séries antigas. O número de estudantes retidos é muito maior do que os promovidos. O desafio agora é identificar por que isso acontece%u201D, explica o pedagogo. Para Arthur Ferreira, até as universidades negligenciam o problema. %u201COs acadêmicos pesquisam muito a educação básica, mas a realidade da EJA acabou deixada de lado. Os professores que atuam na educação de jovens e adultos precisam de qualificação e formação, para que possam usar o conhecimento prévio do aluno para ensinar%u201D, comenta o pesquisador. Ele também critica o sistema adotado atualmente, que reprova os alunos que faltam mais de 25% das aulas. %u201CO estudante da EJA é uma pessoa humilde, que na maioria das vezes tem um trabalho informal e vive de bicos. Essas pessoas têm a necessidade de serem escolarizadas para fugir de uma realidade de humilhação e exclusão social decorrente da falta de oportunidade de frequentar a escola%u201D, finaliza o pedagogo. Sonho A babá Selma Maria da Silva, 42 anos, sempre conviveu com o constrangimento de não dominar a gramática e os números. %u201CAs pessoas não entendem que a gente não teve oportunidades. Algumas acham que a gente não tem estudo por opção, ou por preguiça%u201D, revela. Selma quer mudar de vida e pretende virar massagista. %u201CCansei de cuidar da casa dos outros, dos filhos dos outros. Acho que chegou a hora de cuidar da minha vida%u201D, afirma Selma, que batalha para concluir o ensino médio. Ela trabalha como babá em Águas Claras de manhã, à tarde faz curso de massoterapia e, à noite, assiste às aulas da EJA. %u201CSem um diploma, a gente não chega a lugar nenhum%u201D, justifica a cearense, que vive no Distrito Federal há 24 anos. Segundo o Censo da educação, havia 2.705 turmas de EJA no Distrito Federal no ano passado. Em comparação com os dados de 2010, houve o fechamento de 71 no período. Atualmente, 2.615 professores atuam nesse segmento. Aldemira Rodrigues do Nascimento faz parte desse grupo. Ela dá aulas no Centro de Ensino Médio 3, de Ceilândia. Mas Aldemira já foi aluna da EJA no mesmo colégio e, portanto, conhece como ninguém a realidade dos alunos e dos docentes. Para a professora, o sistema atual afasta os adultos dos bancos escolares. %u201CEles reprovam por falta e acabam desestimulados. Desistem porque não têm muita motivação. Em época de greve, a evasão é ainda maior%u201D comenta a professora. %u201CTem aluno que demora até 15 anos para terminar os três segmentos%u201D, acrescenta Aldemira. Queda Segundo o Censo escolar realizado pelo MEC em todo o Brasil, no ano passado, as matrículas na educação de jovens e adultos mantiveram a tendência dos últimos anos e apresentaram queda de 5,6%, o que representa menos 241 mil matrículas no período 2010-2011. O levantamento também identificou que a idade dos alunos dos anos iniciais dessa modalidade de ensino é superior ao daqueles dos anos finais. Para o MEC, esses resultados indicam que a transição entre as duas etapas não ocorre de forma contígua. Uma das hipóteses levantadas pelo ministério é de que a EJA esteja recebendo alunos provenientes do ensino regular.