Jornal Correio Braziliense

Trabalho e Formacao

Cotas no topo do ranking

A reserva de vagas para deficientes gera variadas discordâncias. As próprias regras são entendidas de formas distintas pelas organizadoras

Do ranking de itens de edital que geram mais polêmica na Justiça e no Ministério Público Federal (MPF), a cota para pessoas com deficiência está entre os líderes. Apesar de os certames com mais de três vagas serem obrigados, por lei, a reservar entre 5% e 20% das oportunidades para esse público, essa determinação muitas vezes é desrespeitada, além de haver indefinições e discrepâncias nos próprios editais.

O pedagogo Rodrigo Maycon Brandão Silva, 25 anos, por exemplo, tem em mãos um laudo que comprova a deficiência dele ; tem pé chato congênito, uma falha na estrutura óssea dos pés. Aprovado em quatro seleções organizadas pela mesma banca, ele enfrentou, porém, diferentes avaliações na hora de fazer o exame médico.

No Ministério Público da União (MPU), ele garantiu nota a um cargo de nível médio e noutro para graduados. Ao ser avaliado pela junta médica, Rodrigo foi confirmado como deficiente para a vaga de técnico, mas reprovado na outra. Rodrigo sabe que não pode prestar concursos para a área de segurança pública, nos quais a condição dele é tida como fator incapacitante. ;Mas nada me impede de trabalhar como analista ou técnico;, ressalta.

Antes disso, o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UnB), banca organizadora da prova do MPU, já havia aprovado o pedagogo como deficiente em outro certame, dos Correios, onde Rodrigo trabalhava até o mês passado. ;Depois, prestei um outro concurso, para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), elaborado pela mesmo empresa, e não fui avaliado como deficiente;, lembra.

A justificativa do Cespe ao recurso impetrado pelo candidato (no caso do TJDFT) é de que ;as alterações (no corpo) apresentadas não produzem dificuldades para o desempenho das funções;. Rodrigo indigna-se. ;Que bom que minha deficiência não apresenta impossibilidade para que eu exerça a profissão. Não é esse o objetivo?;, indaga. Segundo a Lei n; 8.112/90, a reserva é permitida desde que as atribuições exercidas sejam compatíveis com a deficiência.

O subprocurador-geral da República Francisco Rodrigues, da 1; Câmara de Coordenação e Revisão, explica que a justificativa não é válida sob o ponto de vista do MPF. ;Se o argumento é apenas esse, não apresentar dificuldades, isso não impediria a banca de aceitá-lo. Até porque, se eu só for admitir alguém que tenha uma deficiência que implique dificuldades em exercer a profissão, há casos em que esse fator pode impedir completamente a pessoa de assumir o cargo;, explica.

Normas tênues
Os concursos se baseiam no Decreto n; 3.298/99 para determinar quais deficiências serão aceitas. Para as auditivas, por exemplo, apenas perdas iguais ou superiores a 41 decibéis são consideradas. No caso das visuais, são cegos os que têm acuidade visual menor do que 0,05. As pessoas com baixa visão, entre 0,30 e 0,05, e campo visual dos dois olhos inferior a 60 graus (veja quadro) também não podem ser assim ;classificadas; do ponto de vista do certame.

Há casos menos unânimes, no entanto. Os surdos de um único ouvido, por exemplo, não são tidos como deficientes. Pelo menos é o que diz o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em jurisprudência recente. O TJDFT, no entanto, não concorda e caracteriza o item como deficiência. No caso da visão monocular, o STJ reconheceu, por meio da Súmula n; 377, que quem enxerga com apenas um dos olhos pode concorrer às cotas.

O Cespe/UnB afirmou que se baseia no Decreto n; 3.298/99 e na súmula do STJ para avaliar o que é deficiência. Além disso, afirmou, por meio de nota, que ;a deficiência deve ser atestada em laudo médico de especialista ou por meio de exame clínico feito por banca médica instituída para esse fim. Os candidatos que se declaram com deficiência são, ainda, submetidos à perícia médica promovida por equipe multiprofissional, caso a etapa esteja a cargo do Cespe/UnB;.

Se eu só for admitir alguém que tenha uma deficiência que implique dificuldades em exercer a profissão, há casos em que esse fator pode impedir completamente a pessoa de assumir o cargo;

Francisco Rodrigues,
subprocurador-geral da República