Enquanto Andreia Portela (E) tenta vários certames, Juliana Apostólico só pensa na vaga para gestora social |
Diego César Guimarães critica as provas: "Quando você as compara, vê que não medem conhecimento" |
Movido pelo sonho de ter um emprego estável, boa remuneração e horário de trabalho flexível, um número cada vez maior de pessoas tem deixado de lado a carreira na iniciativa privada para batalhar uma vaga no funcionalismo público. A intensificação desse movimento, no entanto, atinge em cheio a economia do país, pois reduz a oferta de profissionais especializados. A situação se torna ainda mais grave em áreas nas quais eles já são escassos, como as de engenharia e tecnologia. Essa realidade é uma das constatações do estudo Pensando Direito, elaborado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e pela Universidade Federal Fluminense (UFF), ao qual o Correio teve acesso.
Em expansão pelo país, os certames movimentam, segundo dado da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), cerca de R$ 50 bilhões por ano ; cálculo que considera os principais gastos dos concurseiros, como aulas, inscrições e alimentação. Coordenador da pesquisa da FGV e da UFF, o professor Fernando Fontainha ressalta que o grande contingente de pessoas graduadas que se dedicam às seleções gera um deficit de talentos no mercado. ;Os salários e a estabilidade oferecidos tornam irracional que alguém faça qualquer outra coisa que não um concurso.;
Previsto para ser divulgado amanhã, durante o evento ;Brasil, o País dos Concursos?;, o levantamento ; que foi encomendado pelo Ministério da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) ; mostra que o crescimento da procura por concursos também gera prejuízos à máquina pública. Isso porque, em busca da maior quantidade de benefícios individuais, os candidatos não se conformam com a primeira aprovação e troquem o posto por oportunidades melhores. ;Muitos entram (em uma instituição que não querem) para, depois, estudar para outras, até conseguir as que desejam. Nisso, vão deixando vagas abertas e criando deficits de pessoal nos órgãos públicos;, confirma Ernani Pimentel, presidente da escola Vestcon. Isso faz com que o Estado tenha de fazer provas mais frequentemente e gaste mais.
A nutricionista Andreia Portela, 25 anos, é um exemplo disso. Com dedicação exclusiva às seleções públicas há um ano, ela já encarou 10 provas. ;Tem muitos que eu faço só para treinar, mas se passar eu assumo, mesmo que não seja para minha área;, disse. A meta de Andreia é uma oportunidade no Senado, que, no último certame, ofereceu salários de R$ 24 mil. ;Nesse caso, a remuneração alta compensaria o fato de trabalhar em uma área que eu não gosto;, garantiu. A administradora Juliana Apostólico, 30, por sua vez, vai na contramão da colega de cursinho. ;Meu foco é em gestão social no Ministério do Planejamento. Não quero só dinheiro, quero trabalhar no que eu gosto;, ressaltou.
Falhas
Diante dessa dança das cadeiras, Fernando Fontainha chama a tenção para a falta de afinidade com as carreiras e, até mesmo, de preparo técnico dos candidatos aos cargos públicos que desejam. ;Existe uma ideologia concurseira, baseada em provas de múltipla escolha, que ignora a trajetória acadêmica do candidato e a experiência profissional;, ressaltou. Além disso, das 138 empresas que organizam certames públicos (veja quadro), poucas conseguem executar os procedimentos de forma a garantir o preceito da isonomia. ;Isso é um problema, pois apenas 20% das bancas são confiáveis;, estimou Pimentel. De acordo com a diretora executiva da Anpac, Maria Thereza Sombra, em 2004, elas eram somente 20. De olho em uma vaga para delegado, o estudante de direito e concurseiro Diego César Guimarães, 25, sente isso na pele. ;Quando você compara muitas provas, vê que elas são muito parecidas, não medem conhecimento. Quem decora mais, passa;, disse.
Os engenheiros, os administradores e os advogados são os profissionais de nível superior mais bem remunerados, de acordo com o estudo da FGV, que analisou 698 editais publicados nos últimos 10 anos ; juntos, eles somaram 41 mil vagas. Só na primeira dessas carreiras, de acordo com o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), há um deficit anual de 20 mil trabalhadores ; o país forma 40 mil por ano. E esse problema se agrava com o aumento da demanda deles em obras de infraestrutura e, paralelamente, com a fuga dos especialistas para o setor público. Para o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), essa distorção não é culpa dos concursos públicos, mas do sistema educacional brasileiro, que forma poucos profissionais qualificados. ;Os engenheiros precisam ser valorizados tanto no âmbito público quanto no privado;, afirmou.
Desde 2010, tramita no Congresso um projeto de lei para regulamentar o mercado de concursos públicos. Sob relatoria de Rollemberg, o PL n; 74/2010, defende punições severas para quem frauda essas seleções ou favorece amigos. O parlamentar reconhece que ainda há pouca transparência nos processos seletivos, mas defende esse modelo de ingresso no funcionalismo como o mais legítimo e democrático. Rollemberg espera que o texto seja votado ainda este semestre na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, para, então, ser encaminhado à Câmara dos Deputados.
"Os salários e estabilidade oferecidos tornam irracional que alguém faça qualquer outra coisa que não um concurso;
Fernando Fontainha,
coordenador da pesquisa Pensando Direito