Jornal Correio Braziliense

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Profissionais que dão aula no Senac reclamam das condições de trabalho

Instrutores pleiteiam o enquadramento em cargo de professor

Profissionais que dão aulas no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) do Distrito Federal criticam o fato de serem enquadrados como instrutores, já que alegam exercer trabalho de professores. Atualmente, a instituição mantem um quadro de cerca de 300 instrutores. As duas funções apresentam diferenças em aspectos como legislação, piso salarial e aposentadoria. Funcionários também criticam a falta de pagamento de salário durante o recesso escolar que ocorre entre dezembro e janeiro e no meio do ano, período em que os cursos não são ministrados. A direção do Senac argumenta que as acusações não procedem.

;Tanto quem tem formação técnica, quanto quem tem graduação, especialização ou mestrado é nomeado como instrutor. Só que o piso de instrutores e o de professores é diferente. O Senac chama todos de instrutores para poupar dinheiro;, relata Ricardo Silva que trabalha na instituição e é formado em licenciatura inglês-português. Segundo Ricardo, as tentativas de falar com a chefia do Senac não surtiram efeito. ;Eles dizem que fomos contratados como instrutores e que vamos continuar assim;, diz.

Ele e outros profissionais reclamam que o cargo de instrutor os prejudica em seleções que exigem experiência de professor, já que não poderiam comprovar que trabalharam com docência. Outra reclamação é quanto a carga horária. ;Se trabalho oito horas por dia, essas horas costumam ser divididas ao longo dos três turnos e tenho que ficar à disposição do trabalho o dia inteiro;. Um instrutor que prefere não se identificar também critica a instituição. ;Tem um monte de irregularidades que o Senac mantem contra a gente há décadas. Tem um colega meu que até ganhou uma causa contra o Senac por conta disso;.

O grupo procurou ajuda do Sindicato das Entidades de Ensino Particulares do Distrito Federal (Sinproep). Com a ajuda de Patrícia Bruns, advogada do Sindicato, eles pretendem entrar com uma ação coletiva contra o Senac até março. Segundo Patrícia, apesar de serem contratados como instrutores - que, segundo ela, deveriam ser auxiliares de professores - esses profissionais vão para a sala de aula sozinhos, o que justifica a ação.

;No direito do trabalho, o princípio mais forte é a primazia da realidade: não vale a função para a qual alguém foi contratado, vale a que ele exerce de fato. Estou nessa briga para que a Justiça reconheça que esses instrutores são professores e para que eles passem a ter os direitos de professores garantidos;, explica Patrícia. ;Pagar um professor é muito caro, então, há essa fraude porque é mais lucrativo;, acrescenta. A falta de pagamento durante o recesso escolar também é um erro, de acordo com a advogada do Sinproep. ;Em 2012, o Senac mandou um comunicado dizendo que eles não poderiam entrar de férias por falta de dinheiro. Isso não está certo;.

Divergências
Para diversos cursos do Senac, os processos seletivos exigem profissionais graduados; as aulas do curso técnico em farmácia, por exemplo, devem ser ministradas por um farmacêutico. Para cursos de formação continuada de garçom, de cabeleireiro, dentre outros, um profissional com curso técnico é suficiente. ;Independentemente do grau de instrução, todos são enquadrados como instrutores por uma questão de tradição e porque ninguém precisa ter formação pedagógica, ou licenciatura, para ser instrutor;, justifica Luiz Otávio da Justa Neves, diretor Regional do Senac.

Segundo Luiz Otávio, quem dá aulas na Faculdade Senac é chamado de professor, mas para cursos técnicos isso não é necessário. ;Se o instrutor tem docência ou não, isso é um detalhe, pois não é pré-requisito para a função;. O diretor regional nega que funcionários do Senac tenham ganhado causas contra a instituição por essa questão. O instrutor Ricardo Silva questiona o fato de os funcionários serem chamados de instrutores: ;Alguns editais dos processos seletivos exigem que os participantes sejam formados em licenciatura. Então, por que não são contratados como professores? Não procede a informação de que a formação pedagógica é dispensável para um instrutor;.

O diretor regional sustenta que o Senac oferece boas condições de trabalho. ;Todos os nosso funcionários têm plano de saúde. Se um curso for cancelado por falta de alunos, mesmo assim os instrutores, que são horistas, são pagos;. ;Todos os instrutores recebem férias proporcionais à quantidade de horas-aula que ele deu antes. Inclusive quem dá aula para cursos temporários, recebe férias proporcional;, comenta o diretor.

Questionado sobre os cargos de trabalho dos intrutores, o diretor negou que eles trabalhem por até três turnos. ;Nossas aulas sempre são de quatro horas. Se um instrutor vai trabalhar oito horas por dia, não tem como trabalhar em mais de dois turnos;, justifica. Quanto a comprovação de atividade de professor, Luiz Otávio afirma que o Senac emite certificado que mostra que os profissionais desenvolveram atividade de docência. ;Eles não vão ser prejudicados em concursos ou seleções por causa disso, porque eles estão ensinando;.

Luiz Otávio diz estar decepcionado por não ter sido procurado. ;Essas reclamações nunca chegaram até mim e eu estava de portas abertas para isso. Agora, se me procurarem vou encaminhá-los ao sindicato ao qual eles de fato pertencem: o Sindaf (Sindicato dos Empregados em Entidades de Assistência Social e Formação Profissional do Distrito Federal). Eles não são do Sinproep;. O instrutor Ricardo Silva diz que não procurou a direção regional do Senac pela dificuldade de acesso. ;Achei que isso já tinha chegado até a direção regional por meio de outros chefes. Falar com o diretor regional não é tão fácil;.

Disputa sindical
A contribuição sindical obrigatória anual dos funcionários do Senac é repassada ao Sindaf, mas a maioria dos instrutores não se sindicalizou. ;Nas assembleias, aparecem uma ou duas pessoas do Senac. Como eles não comparecem, não estamos a par das reclamações deles. O Sindaf estaria a frente de qualquer reclamação sobre falta de pagamento, férias e outras denúncias, que levaríamos à Superintendência Regional do Trabalho. Estamos à disposição para ouvi-los;, afirma o diretor financeiro do Sindaf, Epaminondas Lino de Jesus.

De acordo com Epaminondas, ;o Sinproep está com essa história em outros estados também. Eles querem pegar instrutores como professores e jogar no sindicato deles;. De acordo com o diretor financeiro, os profissionais aceitaram ser instrutores na hora da contratação, por isso, não podem ser enquadrados como professores agora. ;Eles não foram contratados para ser professores. Eles podem pleitear cargo de professor em outra instituição já que não estão satisfeitos;.

O funcionário Ricardo Silva explica por quê o grupo não procurou o Sindaf. ;É um sindicato patronal, onde não temos abertura para negociar. Quem escolhe os diretores é o conselho do próprio Senac. Queremos um sindicato onde temos um diretor da nossa classe, um professor;.

Medo de retaliação
Ricardo Silva é formado em licenciatura português-inglês e tem medo de sofrer retaliações por dar entrevista ao Eu, Estudante. ;Se eu tiver que ser a pessoa sacrificada para mudar essa situação, vai valer a pena. Eu tenho medo, mas não estou fazendo nada de ilegal. Tenho direito de reivindicar;. O medo dos profissionais é de ficar na ;geladeira;, termo usado para definir a falta de oferta de turmas e de carga horária. A advogada do Sinproep Patrícia Bruns reforça os riscos para os profissionais ;Na verdade, a gente tem receio que a retaliação aconteça, mas isso não pode calar essas vozes que clamam por mudança;. O diretor regional do Senac, Luiz Otávio Justa da Neves, garante que represálias não vão ocorrer.