Desde o início do ano, 13 turmas de 1;, 2; e 3; anos da instituição buscam analisar criticamente o espaço em que vivem, distanciando-se do modelo tradicional de leituras maçantes e filmes cabeça. ;Antes, eles só passavam um monte de textos para a gente ler, víamos filmes e raramente debatíamos, não tinha ação e a gente estava muito desmotivado;, lembra Lana Ellen Tavares, 17 anos, estudante do 3; ano.
Movidos pelo interesse de modificar a realidade que os cerca, os envolvidos no projeto Comunidade em Evidência traçaram o perfil dos problemas no Cruzeiro e na Estrutural e voltaram para a sala de aula para encontrar soluções. ;O grande objetivo é trazer a comunidade para esse debate, que é a valorização da escola pública;, acredita Carlos Humberto da Silva, professor de sociologia responsável pela iniciativa. Ele explica que a proposta surgiu da ideia de transformar o colégio, o ensino considerado automatizado e a postura dos alunos diante da sociedade.
;Normalmente, o interior de escola é robotizado, a dinâmica de ações, lenta, e a interação entre a família e a escola praticamente não existe. Você nota a falta de ânimo do aluno com a grade escolar e isso causa evasão e baixa qualidade de ensino. Não se constrói educação de qualidade com quadro, professor e escola, mas com a sociedade ajudando a erguer a instituição;, defende o professor.
Mapeamento
Cada uma das turmas foi dividida em quatro grupos que trabalharam com temáticas diferentes: valorização da escola pública, existência de minorias, segurança pública, desigualdade social, saúde, cultura e socioambientalismo.
Os alunos participaram de ciclos de debate, mapearam as comunidades do Cruzeiro e da Estrutural, dividiram-nas por quadras de atividades, elaboraram e aplicaram questionários temáticos, montaram diários de classe e retornaram para a escola a fim de aproximar a ação do conteúdo teórico da disciplina. Preparam, agora, a parte final: análise de dados das pesquisas e elaboração de gráficos.
Em outubro, apresentarão para a comunidade local os resultados por meio de uma exposição. Depois disso, retornam a campo para levar projetos de ações sociais que busquem a resolução dos problemas encontrados.
;A ideia era que as perguntas fossem respondidas por pessoas de diferentes níveis sociais e realidades de vida distintas. Fazendo isso, a gente percebeu a fragilidade de quem não tem conhecimento, de achar que tudo que o governo faz está bom, que a maneira como elas vivem é suficiente e não é preciso mudar nada;, comentou Ana Paula Nunes, 18 anos, estudante do 3; ano.
Desconfiança
Esta é a quarta edição do projeto de Carlos Humberto da Silva, que começou em 2003 (CEF 2 do Cruzeiro), em 2004 (CED 1 de Planaltina), em 2005 (Stella dos Cherubins, em Planaltina) e em 2012 (CED 1 do Cruzeiro). A atividade desenvolveu iniciativas que se espalharam entre os alunos, mas os frutos do trabalho são perceptíveis para quem estuda na escola anfitriã deste ano. As ações começaram a ser planejadas. Alguns grupos programam eventos em escolas, teatros e debates em praças e feiras. Eles vão tratar assuntos como analfabetismo, drogas e pichações.
O trabalho para conseguir mudar é longo. Geraldo Silva Marçal, 17 anos, estudante do 3; ano, relembra situações em que a comunidade se sentiu desconfiada com perguntas sobre minorias sociais. ;Eles perguntavam se precisava assinar alguma coisa, colocar número de documento, se o governo ia ficar sabendo. A população não quer participar, tem medo. Quando tocávamos no assunto LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais), muitos ficaram receosos em responder;, conta Geraldo.
Emerson Oliveira dos Santos, 18 anos, estudante do 2; ano, ajudou a reconfigurar a tradicional reunião de pais e mestres. A simples mudança do nome ; encontro ; já deu uma renovada. ;As reuniões são vistas como verdadeiras convenções de robôs. Os pais permanecem parados e outros robôs ficam dizendo o que aconteceu ou deixou de acontecer; os pais não dão opinião, não buscam saber o que o filho está ou não aprendendo, o que é interessante ensinar;, critica Emerson. Mas alguma coisa já está mudando: os 12 pais presentes no penúltimo encontro aumentaram para quase 100 no mais recente.
Para saber mais
A ciência de Comte
O termo sociologia foi criado pelo francês Auguste Comte (1798-1857). Ele acreditava que, para a sociedade funcionar de forma correta, ela precisava se organizar como ciência. Atualmente, os principais pensadores são Max Weber, Émile Durkheim e Karl Marx. Para Marx, apenas uma revolução operária criaria uma vida mais justa. Durkheim entendia que a comunidade funciona como um corpo, em que cada órgão tem uma função. Ele acreditava que o cientista deve estudar a população a distância para não misturá-la com os próprios sentimentos. Weber afirma que o papel é analisar fenômenos e extrair deles ensinamentos para melhor entender o que acontece.