Jornal Correio Braziliense

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Dicas de português

Recado
;O escritor joga com a linguagem. Mas, ao contrário de jogar com cartas, com a linguagem a coisa é interminável porque há milhares de cartas.;
Michel Butor

Os sete pecados da crase
Sete são os dias da semana. Sete são os pecados capitais. Sete são as maravilhas do mundo. Sete são as vidas do gato. Sete são as notas musicais. Sete são os anões da Branca de Neve. Sete são os dias gastos por Deus pra criar o mundo. Sete são os portais da eternidade. Sete dias é duração de cada fase da lua. Sete anos é o tempo para a renovação interna por que passamos ao longo da vida.

Número tão especial mereceu sugestão de pessoa pra lá de criativa. ;Vamos falar dos sete pecados da língua?;, pergunta Marcelo Abi. ;Claro que há muitos assuntos a serem tratados. A coluna poderia, então, fazer uma série. Cada tema mereceria uma lição. Que tal começar pela crase? O acentinho me deve muitas horas de sono.; Leitor não pede. Manda. Eis as escapadinhas que levam os descuidados a arder nas fogueirinhas do inferno.


Não use o acento grave
1. antes de nome masculino. Crase é o casamento de dois aa. Um deles é a preposição. O outro, o artigo. Ora, o pequenino a só tem vez antes de nome feminino. O machinho pede o: Bebê a bordo. Saiu a todo vapor.

2. com palavras repetidas: cara a cara, uma a uma, gota a gota, face a face, semana a semana, frente a frente.

3. antes dos pronomes pessoal, indefinido e os demonstrativos esta, essa: Dirigiu-se a esta funcionária. Confessou a ela as trapaças que havia feito. Saiu a toda. É honesto a toda prova. Aplaudia o funcionário a cada etapa vencida. Assistiu a algumas cenas do filme. O assessor fala com o presidente a qualquer hora.

4. com o A no singular seguido de nome plural: Assistiu a reuniões durante o dia. Falou a professoras presentes ao evento. Vai a cidades sugeridas no roteiro. Conseguiu o emprego a duras penas.

5. com o casalzinho de;a: Trabalho de quarta a sexta. Viajo de segunda a segunda. De quarta a sexta, faço plantão de 24 horas.

6. antes de nome de cidade: Chegou a Brasília. Bem-vindo a São Paulo. Vou a Lisboa, a Paris e a Roma.

7. antes da locução a distância (sem especificação): Siga-a discretamente, a distância. A universidade oferece cursos a distância. A distância, todos os gatos são pardos. (Se a distância for determinada, o acento tem vez: Segui Maria à distância de mais ou menos 100m. Os sem-terra marchavam à distância de um quilômetro.)


Leitor pergunta
Discutíamos aqui na redação: todas as cidades satélites só estão corretas sem artigo definido (vide em Ceilândia, em Taguatinga, em Samambaia)? Ou podemos usar artigos definidos em alguma? Há alguma explicação?

Braitner Moreira, Brasília

Sabia? O calo da crase não é a preposição. É o artigo. O desafio consiste em descobrir se o nome pede o pequenino. Cidade, como você pode ver no 6; pecado, não aceita a companhia do a.

As cidades do Distrito Federal são chamadas de cidade, mas, no duro, são bairros. Aí, o tratamento varia. Alguns admitem artigo, outros dispensam-no (Copacabana, Ipanema, o Leblon, a Barra). Dizemos o Guará, mas Taguatinga, Sobradinho, Samambaia, Planaltina. Como saber? Recorra ao macete que desvenda o mistério de urbes, estados e países. Lembre-se dos versos:

Se, ao voltar, volto da,

Craseio o a.

Se, ao voltar, volto de,

Crase pra quê?

Entendeu? Se no troca-troca der da (ou do), é sinal de que a cidade pede artigo. Assim: volto do Gama (o Gama), volto do Varjão (o Varjão), volto do Recanto das Emas (o Recanto das Emas), volto do Riacho Fundo (o Riacho Fundo), volto de Brazlândia (Brazlândia).

Ceilândia é caso à parte. Alguns dizem a Ceilândia. Outros, Ceilândia. Conclusão: a cidade é como gilete. Corta dos dois lados.

(Coluna republicada. A autora está de férias.)