A ingestão de vegetal pode ter contribuído para a extinção do neandertal |
Um grupo composto por pesquisadores da Universidade de La Laguna, na Espanha, e por técnicos do Massachusetts Institute of Technology (MIT) descobriu, no que podem ser as amostras de material fecal mais antigas do mundo, indícios de que o homem de neandertal consumia muito mais vegetais do que o imaginado. O material analisado foi retirado do El sal, um sítio arqueológico do paleolítico médio localizado na Espanha.
As pesquisas no sítio surgiram a partir da tese de doutorado da cientista Ainara Sistiaga. A intenção inicial era encontrar antigos espaços em que os neandertais montavam fogueiras e cozinhavam. ;Queríamos achar essas espécies de lareiras e, para isso, estávamos realizando pesquisas biomolecurares bastante abrangentes no local. Foi aí que encontramos os resíduos fecais;, relata Sistiaga. Antes das amostras, os cientistas haviam catalogado cinco dentes humanos, ferramentas de pedra e restos de animais que, provavelmente, serviram de alimento aos antigos.
Chefe do Laboratório de Micropaleontologia do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB), Ricardo Pinto esclarece que as análises do trabalho não foram feitas exatamente em coprólitos, que são as fezes fossilizadas. ;Os autores estudaram compostos químicos ; ou seja, biomarcadores ; presentes no sedimento de um local em que viveram neandertais. As substâncias químicas investigadas são produzidas como resultado da digestão de carne ou de vegetal e liberadas nas fezes;, explica. As substâncias presentes no excremento provavelmente permaneceram no solo e, assim, foi possível detectá-las por meio de análises químicas do terreno do sítio.
A descoberta de substâncias que indicam a ingestão de carne e de vegetal confirma hipóteses recentes de que o neandertal adotou uma dieta mais variada, embora tenha sido predominantemente carnívoro. ;O trabalho fornece a primeira evidência direta de onivoria entre os neandertais. Como é a primeira vez que são usados biomarcadores para analisar as dietas do período paleolítico, esse trabalho também contribuiu para nosso conhecimento sobre como era o metabolismo do colesterol desses povos;, ressalta Sistiaga.
Perda de bactérias
A cientista também destaca que os resultados obtidos mostram que, de fato, nós viemos de uma longa linhagem de primatas que se adaptou aos efeitos negativos de comer carne desde os ancestrais dos próprios neandertais, há cerca de 2,5 milhões de anos. Segundo Sistiaga, foi nessa época que o homem, provavelmente ainda não preparado para um alto nível de gordura e colesterol, começou a se alimentar de carne. ;Mas nós sabemos que os neandertais comiam uma quantidade significativa de carne e já tinham no trato digestivo todas as bactérias necessárias para converter o colesterol em coprostanol, evitando as consequências relacionadas à reabsorção do colesterol;, explica. Ela sugere que, após a inclusão de vegetais na dieta humana, parte dessas bactérias desapareceu e foi ficando cada vez mais difícil metabolizar o colesterol.
Mesmo assim, para Ricardo Pinto, a introdução de vegetais na dieta e a cada vez maior dificuldade em controlar o colesterol no organismo humano não foram fatores tão determinantes para o desaparecimento dos neandertais. ;A alimentação pode ter contribuído, mas o fato de esses homens não existirem mais provavelmente dependeu de um contexto muito mais complexo, envolvendo, sim, suas fontes de recursos alimentares, mas também mudanças climáticas e o próprio contato com os humanos modernos;, observa. De acordo com o professor da UnB, não há razões para comparar os tempos idos com os atuais, pelo menos não em relação ao desaparecimento da espécie e a dieta.
Apesar disso, a técnica adotada por Sistiaga expande o potencial para o estudo da dieta de humanos antigos por meio de biomarcadores. ;Por isso, a ideia é partir para outros sítios neandertais com essas substâncias e tentar conseguir mais informações sobre como se desenvolveu a capacidade digestiva do ser humano e como essa está relacionada ao meio ambiente;, diz. A cientista lembra que, embora a quantidade de carne que o nosso organismo é capaz de metabolizar saudavelmente seja relativamente menor, atualmente não conseguiríamos ser estritamente carnívoros. ;Se, por algum acaso, só tivéssemos carne para comer, levaria muito tempo para readaptar nosso organismo, um período até então incalculado. Hoje, estamos adaptados para ser onívoros.;
Mais opções
Os onívoros são os animais com capacidade para a metabolização de diferentes classes alimentícias, tendo, assim, uma dieta alimentar menos restrita que a dos carnívoros, que só comem carnes, ou herbívoros, que se alimentam apenas de vegetais ou ervas. Normalmente são predadores e têm o aparelho digestivo adaptado para a dieta mais diversificada.