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Como remédios levam à falência do fígado

Estudo feito na UFMG desvenda processo que causa a hepatite medicamentosa. A pesquisa pode levar a tratamentos que evitem a necessidade de transplantes

Anualmente, entre 2 mil e 4 mil brasileiros sofrem de falência hepática pela ingestão exagerada de medicamentos, a chamada hepatite medicamentosa. A morte dessas células resulta na expulsão do material genético (DNA) que se espalha pelos vasos do fígado, provocando uma reação descontrolada do sistema imunológico, agravando ainda mais um quadro que pode levar a óbito. Essa é a conclusão de uma pesquisa realizada pelo Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG), que vem se tornando referência mundial em hepatologia.
Iniciado há quatro anos, o estudo tinha como objetivo encontrar mecanismos para evitar a falência do fígado e a necessidade de transplantes, nem sempre suficientes para salvar a vida do doente. O que se verificou foi que a ingestão excessiva não só de remédios, mas também de anabolizantes e alguns chás para emagrecer, faz com que parte do órgão sofra uma sobrecarga. Na tentativa de proteger o organismo, o sistema imunológico reage por meio de uma resposta inflamatória. ;Nosso trabalho é impedir que isso ocorra;, diz o professor de biologia celular Gustavo Menezes, orientador da pesquisa.
Ao que tudo indica, o aluno de doutorado Pedro Elias Marques e o de pós-doutorado André Gustavo Oliveira encontraram a solução para o problema. Todo o estudo está documentado em imagens captadas com técnicas de microscopia intravital com microscópio confocal, o que permite a visualização das células sem técnicas invasivas. Em uma delas, há um órgão cheio de DNA, material que foi destruído poucos minutos depois da aplicação de uma enzima.


Outras imagens revelam a ação de substância que impede que o receptor do DNA TLR-9 (presente no sistema imune) reconheça o material genético expulso da célula, evitando assim a reação inflamatória. Os dois medicamentos usados na pesquisa já existem no mercado e são indicados para outras patologias. No entanto, a pesquisa realizada no ICB demonstrou que eles teriam atuação eficaz para evitar a resposta negativa no organismo humano.


De acordo com o professor Gustavo Menezes, a Coordenadoria de Transformação e Inovação Tecnológica da UFMG (CT) entrou com o processo para obter a patente da formulação e o uso desses remédios no tratamento de doenças hepáticas. O próximo passo será buscar apoio financeiro e tecnológico da indústria farmacêutica para a realização de testes clínicos em humanos ; processo que poderá levar de cinco a 10 anos.

Grave
Com a descoberta, a ciência está trazendo à medicina a possibilidade de evitar a falência do fígado, quadro em que mais de 70% do órgão fica tomado e que, uma vez constatada, não traz outra alternativa ao doente senão o transplante. ;O estado do paciente com a falência hepática é grave. Há um custo enorme para o sistema de saúde, e, muitas vezes, a pessoa não é salva pelo transplante;, ressalta Menezes. Além disso, o procedimento poderá ser realizado até mesmo para o fígado que será transplantado, aumentando as chances de sucesso.


Embora todo o trabalho tenha sido voltado para o fígado, o professor da UFMG diz que é possível a sua aplicação em outros órgãos. Até porque um problema hepático pode trazer reflexos para o resto do corpo, pois os produtos de células mortas liberados entram na circulação sanguínea e podem ativar o sistema imunológico em outros órgãos, como o pulmão, que tem vasos muito finos e cheios de leucócitos, que, ao serem ativados de forma errada, provocam sua destruição.


Engana-se quem pensa que o trabalho realizado na UFMG chegou ao fim. O próximo passo do grupo de cientistas é descobrir como e por que o DNA da célula morta se espalha nos vasos do fígado. O objetivo? Chegar a outro medicamento, que impeça a ocorrência do fenômeno.

Entenda o trabalho

; Problema
Como o sistema imunológico lida com a morte de células causada pela ingestão exagerada ou errônea de medicamentos?

; Objetivo
Criar alternativas para o tratamento de pacientes com doenças hepáticas, evitando a falência do fígado.

; Conclusão
Durante o processo de morte da célula pela ingestão de remédios, parte do DNA se acumula no fígado. O sistema imunológico reage para destruir esse DNA, mas junto, ataca células vivas, agravando a lesão.

; Procedimento
1. A equipe de imunobiofotônica da UFMG usou animais geneticamente modificados para que as células do sistema imunológico brilhassem, permitindo a visualização das células.

2. O primeiro passo foi visualizar o acúmulo hepático de material genético oriundo de células mortas (DNA) por meio não invasivo.

3. Em seguida, imagens do fígado do animal foram analisadas em alta resolução por microscopia intravital confocal.

4. Para elucidar ainda mais os mecanismos, foram isoladas células hepáticas (hepatócitos) e produzidas imagens do mesmo fenômeno in vitro.