Puxões de orelha para escovar os dentes são comuns às crianças, que ouvem o alerta dos pais durante toda a infância. A saúde bucal, porém, precisa de vigilância também décadas depois das primeiras broncas: na terceira idade. Com o tempo, muitas pessoas perdem dentes por conta de descuidos e doenças, o que compromete a ingestão de alimentos e pode debilitar um organismo já marcado pelas fragilidades acarretadas pelo envelhecimento. Cientistas japoneses realizaram um estudo que mostra o quanto os idosos podem se prejudicar ao deixar de cuidar da boca. Eles reforçam que mais visitas ao dentista e tratamentos como implantes e próteses podem contribuir para a diminuição de deficiências nutricionais depois dos 60 anos.
Shingo Moriyaa, um dos autores do estudo e pesquisador do Instituto Nacional de Saúde Pública aHealth, explica que o trabalho buscou analisar se os idosos com problemas de dentição enfrentavam mais dificuldades relacionadas à alimentação. Ele destaca que essa preocupação tem sido constante e foco de estudo de muitos cientistas. ;Examinamos as relações entre as condições bucais e as gerais, ou seja, a nutrição, o desempenho físico, a capacidade funcional, a necessidade de cuidados de longa duração e a longevidade. Essas ligações foram estabelecidas em muitos outros trabalhos;, destaca, no estudo publicado na revista Japanese Dental Science Review.
Segundo Moriyaa, os idosos analisados que tinham menos de 28 dentes relataram um significativo consumo menor de cenouras, saladas e fibras alimentares em comparação àqueles com a dentição mais completa. ;Eles também apresentaram menores níveis de betacaroteno (antioxidante presente em plantas, ácido fólico e vitamina C), indicando que a condição dentária afetava significativamente a dieta e a nutrição;, destaca o cientista.
O organismo mal nutrido, entre outras debilidades, dificulta a locomoção de idosos, aumentando os riscos de quedas. Um estudo recente da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca indica que a mortalidade acumulada em um ano em decorrência de tombos é de 25,2% em idosos vítimas de quedas graves e de 4% nos que sofreram acidentes mais leves. ;Muitos estudos como o nosso têm mostrado que a mortalidade é significativamente associada com o estado dental. Para corrigir essa mastigação, acreditamos que nada mais adequado do que a utilização de próteses;, defende.
Professora de odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Dalva Padilha ressalta que outros recursos podem ser utilizados para que esses problemas não afetem a saúde dos idosos. ;No caso da desnutrição, pode-se cuidar para que a pessoa tenha uma dieta mais adequada. Ela precisa se adaptar ao que pode comer;, diz. No entanto, a especialista frisa que o mais importante é manter a manutenção dos dentes. ;O ideal é fazer sempre uma boa manutenção, ir ao dentista periodicamente. Nada é melhor do que a dentição natural, existe um mito de que, ao envelhecermos, perderemos todos os dentes. Isso está errado, podemos seguir toda a vida com eles;, complementa.
Léo Kriger, coordenador Estadual de Saúde Bucal do Estado do Paraná e professor da PUC Paraná, também ressalta que a manutenção é a melhor arma de proteção para os idosos. ;Antigamente, não existia um diagnóstico adequado. Até a descoberta de problemas na boca, passava um longo percurso. Hoje, já temos técnicas mais avançadas. As novas gerações vão chegar à terceira idade com todos os dentes, pois há muitas intervenções eficazes e que vão garantir a longevidade da boca.;
Kriger acredita que os idosos têm se preocupado mais com a saúde bucal e ido mais aos dentistas em busca de minimizar problemas. Em alguns casos, uma postura que reflete mudanças no atendimento oferecidos pelo sistema público de saúde. ;Durante muitos anos, as secretarias de saúde deram atenção somente à saúde bucal das crianças, mas isso está mudando. Agora, o foco é no paciente durante toda a vida dele e isso fez com que as pessoas mais velhas procurassem mais esses serviços. Esse cuidado é de extrema importância, pois existem problemas que podem até influenciar problemas cardíacos, que podem se agravar na terceira idade;, complementa.
Palavra de especialista
Métodos mais acessíveis
; É um mito falarmos que, com a idade, vamos perder os dentes. Se for feita a visitação de seis em seis meses, a pessoa poderá conseguir prevenir a perda óssea e da gengiva e chegar aos 80 ou 90 anos com todos os dentes da boca. Uma das preocupações que temos com os idosos, por exemplo, é em relação ao uso de antidepressivos, comuns nessa idade, e que pode provocar uma salivação menor. A saliva é algo importante, pois previne o dente e a mucosa. Quanto à mastigação, estratégias podem ser a mudança da dieta e as próteses. Mas, caso haja recursos financeiros, vale investir no implante fixo, que substitui as funções exatas de um dente. Uma opção para quem não pode pagar pelos implantes é buscar faculdades que desenvolvem trabalhos nessa área. Nelas, os idosos podem ser atendidos por custos mais baixos;
Katyuscia Lurentt, cirurgiã dentista do Hospital Adventista Silvestre, no Rio de Janeiro
Alternativas nutricionais Um dos maiores problemas nutricionais enfrentados pelos idosos é a deficiência na digestão proteica, que pode provocar a diminuição de produção de ácido clorídrico, necessário para a digestão. A condição pode ser agravada pela dificuldade de mastigação, segundo o nutricionista Murilo Pereira, do Centro Universitário Iesb de Brasília. ;A diminuição do ácido clorídrico, que nós chamamos de hipocloridria, exige ainda assim uma mastigação melhor dos alimentos, porém muitos idosos sofrem com esses problemas dentais e precisam de uma atenção maior quanto à alimentação;, destaca.
Pereira explica que uma alternativa utilizada é o uso de suplementos. ;Para preencher os nutrientes que não são ingeridos em alimentos mais duros, principalmente a carne, nós recomendamos o uso de proteínas hidrolizadas, suplementos proteicos que não necessitam de trituração mecânica, e que auxiliam também na digestão caso exista a diminuição do ácido clorídrico;, destaca. ;Aminoácidos de forma líquida e o whey protein também podem ser utilizados para preencher o deficit de ingestão proteica.;
O especialista destaca que o grande desafio é substituir os nutrientes das carnes pela textura dela. ;No caso de frutas e legumes, eles podem ser batidos para a ingestão, com a carne já não podemos usar essa alternativa.; (VS)