Isadora (esquerda) é tímida, e Caroline, extrovertida: segundo elas, essa diferença de personalidade fortalece o carinho e a amizade |
Apesar de mudarem com o tempo, as preocupações estão presentes na vida das mulheres desde a juventude. Nessa fase, projetos profissionais e pessoais passam a consumir mais o tempo delas, e as amizades, até mesmo as da infância, acabam comprometidas pelas novas aflições. Os encontros e/ou outras formas de contato ficam mais raros. Um erro, segundo estudos científicos. Além de o período ser o mais propício para o fortalecimento desse tipo de relação, afastar as amigas, da adolescência à velhice, pode fazer mal à saúde. Estudos comprovam que a amizade feminina exerce um efeito tão forte quanto praticar atividade física.
Os benefícios têm ligação com o tipo de diálogo. De acordo com a psicóloga Marcela Boechat, entre os homens, existe companheirismo, mas não há uma troca de sentimentos. ;Eles saem para se divertir, enquanto as mulheres precisam se abrir e compartilhar as necessidades e os problemas;, compara. Segundo a psicóloga Letícia Noronha, nas sociedades patriarcais, a amizade masculina é representada pela capacidade de ser fiel e de se colocar em perigo para preservar a vida do amigo. Ainda hoje, permanece a ideia de que amigo é aquele capaz de entrar junto em uma briga e de ajudar em tarefas rotineiras, como trocar um pneu ou fazer uma mudança. Ou seja, alguém que está ao lado nos momentos agradáveis e difíceis de modo pragmático.
No caso feminino, devido à opressão ocorrida nesse modelo de sociedade, amiga é aquela pessoa em que se pode confiar, falar de sentimentos, anseios, dificuldades. O laço de amizade se sustenta mais sobre a questão de apoio afetivo do que pela ajuda prática. Nesse cenário, há o risco de existência de um nível de competição acentuado, ressalta Noronha. Mas, quando a amizade é sólida, a rivalidade dá lugar à intimidade e ao carinho. ;É de fundamental importância para o bem-estar da mulher o contato com amigos. Isso cria um sentimento de pertencimento e dá o suporte emocional que, às vezes, a família não está mais apta a fornecer;, observa a psicóloga.
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O tempo não é indicativo da força dessa relação. Estudo da Universidade da Flórida publicado no ano passado na Science Daily aponta a amizade feminina na adolescência como uma oportunidade para as meninas começarem a descobrir as diferenças de anseios e personalidades. Como as estudantes Caroline Weasley, 16 anos, e Isadora Pires, 14. Isadora conta que ela é muito tímida, e a amiga, uma das pessoas mais extrovertidas que conhece, a ajuda a não ter tanta vergonha: ;Quando hesito em fazer alguma coisa, sempre penso em como a Caroline agiria na minha situação. Normalmente, eu acabo me soltando graças a ela.;
Elas se conheceram há cerca de um ano, no Grupo Escoteiro Lis do Lago. Foram acampar juntas e, desde então, são inseparáveis. Agora, fazem aulas de jazz. ;Acredito que o respeito é o mais importante na nossa amizade. Como somos muito diferentes, aceitar uma a outra foi fundamental para nos fortalecer;, afirma Caroline. As duas contam que têm ciúmes uma da outra, mas nada muito grave porque têm outras amigas em comum.
Experimentação
O estudo americano aponta também que, no início da fase adulta, enquanto decisões fundamentais sobre o futuro estão sendo tomadas, a amizade representa para as mulheres aventura e experimentação. Segundo Noronha, o laço é de extrema importância nesse momento de tomadas de decisão, não apenas pela capacidade de influenciar a outra, mas pelo apoio e amparo: ;Ter a certeza de que não estará sozinha é algo que faz toda a diferença;, explica a psicóloga.
As estudantes Helena Martins, 19, e Letícia Azevedo, 19, confirmam a tese. Letícia estuda para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e cursar comunicação social. Helena faz cursinho para o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, ITA, considerado um dos mais difíceis vestibulares do país. A rotina atribulada de estudo cansa. Às vezes, dá vontade de desistir, conta Helena. Mas Letícia age rapidamente. ;Ela me ajuda. Foco no meu objetivo porque ela sempre me dá apoio quando estou fraquejando;, diz.
A dupla se conheceu na escola há oito anos. O passatempo preferido continua sendo sentar juntas em casa para comer e jogar conversa fora. ;Rir com ela é mais gostoso. Mesmo quando não conseguimos nos ver por algum tempo, nos falamos como se nada tivesse mudado;, diz Letícia. O ITA é localizado em São José dos Campos, em São Paulo, e, quando Helena se mudar, as duas pretendem continuar se vendo sempre que possível e nunca perderem a amizade.
Desencontros
Ainda assim a psicóloga alerta que, mesmo que algumas pessoas consigam preservar a relação, é comum os contatos firmados na adolescência se perderem na vida adulta. Até porque, com as escolhas profissionais e pessoais, incompatibilidades podem surgir. Kauane Moura, 19, e Ana Paula Santos, 19, já venceram alguns atritos. Elas se conheceram há mais de 12 anos, mas apenas se tornaram melhores amigas em 2008, quando começaram a estudar juntas e se tornaram vizinhas.
As briguinhas deram lugar à sinceridade e ao carinho. ;Sempre que uma acha que a outra não está agindo certo, fala na hora. Isso vale para tudo, até sobre os namoros;, conta Ana Paula. ;A Kauane me alertou sobre um namorado, pensei muito, mas segui meu coração e continuei. No fim, lógico, ela estava certa e eu terminei com ele.;
A psicóloga Marcela Boechat louva a atitude das jovens. ;Apesar de não necessariamente seguir o que a outra falou, uma sempre reflete os pensamentos e ações que está para tomar;, diz, ressaltando, em seguida, que é papel das verdadeiras amigas darem puxão de orelha sempre que necessário.
Risco de morte diminuído
Apesar de as manias e os compromissos adquiridos ao longo do tempo poderem dificultar a formação de novas amizades, envelhecer não diminui essas possibilidades. Pelo contrário. Manter esse tipo de vínculo é indicado pelos especialistas. Depende apenas da disposição e da abertura da pessoa.
Um estudo da Escola de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos, e publicado em boletim informativo da Nurse;s Health Study apontou que quanto mais amigos uma mulher tem menor é a tendência de desenvolver problemas de saúde à medida que ela envelhece. Além disso, comprovou que idosas que mantêm contatos com amigos por pelo menos nove anos diminuem o risco de morte em mais de 60%.
Os resultados foram tão significativos que a conclusão foi que não ter confidentes ou amigos próximos é tão prejudicial quanto fumar ou ser obeso. Também foi percebido que, quando elas ficam viúvas, aquelas com amizades fortes conseguem passar pela experiência sem prejuízo à saúde ou perda da vitalidade permanente.
A psicóloga Letícia Noronha observa que, quando a mulher se aposenta e se torna mais reclusa, pode sentir que está com mais dificuldade para fazer novos amigos, mas, na verdade, a culpa pode ser da limitação espacial. ;Mesmo assim, a internet ajuda a romper essa barreira;, informa a psicóloga, que reforça que os amigos podem chegar a substituir a função que era natural da família, tornando verdadeira a máxima ;amigo é a família que a gente escolhe;.
Noronha reforça que, com qualquer idade, o ser humano tem uma hierarquia de necessidades, definida pelo psicólogo americano Abraham Maslow como Pirâmide de Maslow. Primeiro, o sujeito precisa satisfazer necessidades mais básicas, como se alimentar. Depois, vem a dedicação com o que está no topo, como as realizações pessoais. A amizade está justamente no meio desse processo.
Ranking de necessidades
De acordo com a pirâmide de Maslow, existem vários níveis a serem satisfeitos para que um indivíduo alcance plenamente a sensação de felicidade. Na base, considerados quesitos vitais, estão as necessidades fisiológicas (comida, sono e água). No segundo nível ficam as necessidades de segurança (física, estabilidade profissional, moradia e saúde). No terceiro, as necessidades de amor/relacionamento (amizade, família, relacionamentos amorosos e intimidade sexual). No quarto, as demanda de estima (autoestima, respeito e reconhecimento dos outros). No último, a necessidade de realização pessoal.