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Arma contra superbactéria é achada no fundo do mar

Estudo da Universidade Católica de Brasília, feito em parceria com outras instituições, identifica em corais da costa brasileira molécula com potencial de eliminar a KPC, espécie resistente aos antibióticos existentes atualmente

O coral orelha-de-elefante é encontrado em grande parte da costa do país, do Maranhão ao Rio de Janeiro


Belo Horizonte ; Um estudo conduzido em parceria pelo projeto Coral Vivo e a Universidade Católica de Brasília (UCB) promete deixar o ambiente hospitalar livre de uma superbactéria que costuma atacar, com risco de levar à morte, pacientes com doenças pulmonares e distúrbios gastrointestinais. O micro-organismo em questão é o Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC), que poderá receber contra-ataque efetivo graças a uma molécula purificada advinda do coral orelha-de-elefante (Phyllogorgia dilatata).

Essa espécie de cnidário ; filo de animais aquáticos que inclui as hidras de água doce, medusas, águas-vivas, corais, anêmonas-do-mar e as caravelas ; é endêmica da costa brasileira, sendo encontrada do norte do Maranhão até a Região dos Lagos, no estado do Rio de Janeiro. Ela foi escolhida para o estudo graças às características naturalmente defensivas.

;Por viverem fixos, os corais usam de estratégias para sobreviver em meio a verdadeiras ;guerras químicas;. Eles têm substâncias para se defender que podem ser usadas, por exemplo, no combate a essa superbactéria;, explica a bióloga Débora Pires, coordenadora de comunicação do projeto Coral Vivo. ;Por serem animais que vivem num ambiente inóspito, atacados constantemente, esses corais têm formas bem interessantes de combater outros organismos;, acrescenta Simoni Campos, bióloga molecular da UCB, uma das cabeças do projeto e orientadora de Loiane Lima, aluna que fez o estudo durante o mestrado na instituição. O trabalho rendeu um artigo publicado no periódico especializado na área de bioquímica Protein & Peptide Letters.

Nos testes desenvolvidos pelos pesquisadores, foi constatado que, entre seis espécies previamente selecionadas, a orelha-de-elefante era a que demonstrava maior capacidade de combater a KPC. Ao analisarem as substâncias secretadas pelo coral, os pesquisadores obtiveram um peptídeo purificado. Para chegar ao material, houve trituração de pedaços de diferentes colônias, que passaram por um processo de purificação. Dessa última etapa, foi obtida a substância que combate a KPC.

Os testes in vitro realizados aferiram que, depois de 12 horas, a população do micro-organismo nocivo foi expurgada pela combativa proteína. ;Tais resultados são empolgantes. Essa poderá ser uma grande arma, um antibiótico que será capaz de combater a KPC e até mesmo outras superbactérias;, revela Simoni Campos. Segundo ela, o objetivo agora é determinar se a molécula advém de fato do coral orelha-de-elefante ou de algum outro organismo associado a ele, como o simbionte zooxantela, protistas que se utilizam do coral como hospedeiro. ;Esse é o próximo passo da investigação, e é como procurar uma agulha em um palheiro;, a bióloga molecular.

Ameaçado
Devido ao risco de extinção do coral ; a espécie é classificada como ;vulnerável; na lista de ameaçadas ;, existe dificuldade de coletar material para o prosseguimento dos estudos. A orelha-de-elefante é muito usada na confecção de joias e na ornamentação de aquários. O projeto Coral Vivo estuda o cultivo desses seres marinhos, para garantir sua preservação. ;Precisamos de quantidade suficiente dessa molécula purificada (para prosseguir as pesquisas);, ressalta a professora. ;Coletei mais material recentemente para fazer mais testes;, completa. Esses testes serão feitos em vírus e fungos e, posteriormente, em animais menores. Por fim, em humanos.

Todo esse processo pode levar ainda uma década. Só a fase de bioprospecção demorou cinco anos. Tal trabalho, como visto, demanda muito cuidado e minuciosidade, além de ser preciso lidar com a burocracia. Tudo para comprovar que a substância presente no coral tem eficácia real no combate a bactérias que atingem os humanos.

Até agora, as análises indicam que, além da KPC, duas bactérias de alta resistência podem ser combatidas com a molécula identificada: a Staphylococcus aureus e a Shigella flexneri. A primeira é considerada um patógeno humano oportunista e frequentemente associado a infecções adquiridas no ambiente hospitalar. Em episódios mais graves, pode provocar pneumonia, osteomielite, endocardite, miocardite, pericardite e meningite. Já a S. flexneri é uma bactéria que causa diarreia e disenteria.

Boa notícia
Para o químico Roberto Berlinck, doutor em química orgânica pela Universidade Livre de Bruxelas, a descoberta envolvendo o coral foi muito feliz. Para ele, a investigação de substâncias que têm potencial farmacológico a partir de cnidários ou de qualquer outro tipo de organismo é sempre bem-vinda. ;Mais de 50% dos fármacos que estão no mercado são oriundos de moléculas de organismos vivos. No caso da KPC e de outras bactérias em que se necessita de antibiótico específico para combatê-las, é importante que estudos como esse indiquem uma nova classe de medicamentos, pois há 40 anos não há um antibiótico novo. Isso é um problema, pois as bactérias acabam adquirindo resistência. Esse estudo da UCB e do Coral Vivo é fundamental em termos farmacológicos, para posterior desenvolvimento da droga pela indústria farmacêutica. Mas, obviamente, sua evolução vai depender de inúmeros fatores;, diz.

Os pesquisadores envolvidos no estudo são do curso de pós-graduação em ciências genômicas e biotecnologia da UCB. O projeto conta com parceria do Museu Nacional/UFRJ e da Rede de Pesquisas Coral Vivo, que integra a Rede de Projetos de Biodiversidade Marinha (Biomar), que reúne também os projetos Tamar, Baleia Jubarte, Golfinho Rotador e Albatroz. Todos eles são patrocinados pela Petrobras por meio do programa Petrobras Ambiental, com o intuito de conservar a biodiversidade marinha do Brasil, atuando nas áreas de proteção e pesquisa das espécies e dos hábitats relacionados. As ações do Coral Vivo são viabilizadas também pelo copatrocínio do Arraial d;Ajuda Eco Parque e realizadas pela Associação Amigos do Museu Nacional.

Para saber mais

Na nota de R$ 100

O coral orelha-de-elefante está presente nas novas notas de R$ 100. O pedido de inclusão foi feito pela equipe do projeto Coral Vivo. ;As cédulas tinham animais típicos do nosso país. A nota de R$ 100, no caso, tinha a garoupa, só que seu ambiente não era retratado. Entramos em contato com a Casa da Moeda e pedimos para que incluíssem espécies importantes tipicamente brasileiras na composição desse ambiente;, comenta Débora Pires, coordenadora de comunicação da iniciativa ambientalista. Outro cnidário está presente nas novas cédulas: o coral-cérebro (Mussismilia brasiliensis), endêmico da região de Abrolhos, na Bahia.

Palavra de especialista

Opções terapêuticas

;Tem-se notado, nos últimos anos, o aumento de bactérias que apresentam resistência a múltiplos antibióticos, sendo conhecidas como multirrestistentes. Nesse processo, estão envolvidos o uso excessivo de antibióticos e a capacidade dos micro-organismos de criarem resistência às drogas, entre outros fatores. Nessa perspectiva, é de extrema relevância encontrar novos métodos para combater a KPC, pois as opções são restritas. A resistência da KPC ainda constitui uma ameaça para os pacientes hospitalizados, levando a um alto índice de mortalidade.;

Suellen Siqueira, médica com especialização pelo Hospital Central da Polícia Militar do Rio de Janeiro

Mortes
Variante de um micro-organismo que sofreu mutação e se tornou resistente aos antibióticos usados normalmente, a KPC matou 106 pessoas no Brasil entre 2011 e 2012, de acordo com o Ministério da Saúde. A bactéria chegou ao Brasil em 2005, depois de aparecer, quatro anos antes, nos Estados Unidos.