Os planos de Sarah incluem transferir-se para o curso de direito. E prestar concurso para se tornar juíza. ;Quero mudar muita coisa errada que vi na cadeia, no modo como os presos são tratados;, diz. Os sonhos mais distantes se misturam ao alívio das conquistas recentes: voltar a viver com os pais, uma bolsa de trabalho, que lhe rende R$ 750 mensais, e a vaga na faculdade.
Dos 12 mil detentos do DF, 1.468 convivem em ambientes profissionais com outras pessoas, principalmente nas repartições públicas do GDF ou do governo federal, sem contar os que trabalham atrás das grades. Mesmo assim, a demanda está longe de ser atendida: 350 homens e 19 mulheres que cumprem prisão domiciliar esperam por uma vaga no mercado. Outros 256 detentos em regime semiaberto também querem uma oportunidade.
As chances de essas pessoas conseguirem se reinserir na sociedade por meio do mercado de trabalho vão aumentar. Empresas poderão receber incentivos para a contratação de detentos e ex-detentos no DF, Acre, Bahia, Ceará, Paraíba e Rondônia.
Convênio assinado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) autoriza essas unidades da Federação a concederem crédito tributário de até 10% do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que a companhia pagou no ano anterior. Isso se somará ao benefício que já existe para os detentos em prisão domiciliar que trabalham: uma bolsa, de quase um salário mínimo, sem direito a férias, 13; salário e contribuição previdenciária.
A proposta foi feita ao Confaz pelo governo de Rondônia e recebeu adesão das outras cinco unidades da Federação. Mas o processo ainda exigirá a aprovação de leis. O secretário de Fazenda do DF, Adonias Santiago, diz que a renúncia fiscal será pequena para algo que traz tanto ganho social. Hoje, das vagas preenchidas por detentos no DF, apenas 10% são na iniciativa privada.
Conseguir vagas para detentos ou ex-presidiários já foi mais complicado, relata o presidente da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal (Funap), Adalberto Monteiro. ;Há dez anos nem as portas do setor público estavam abertas;, diz. Para o advogado Felipe Barreira Uchoa, o temor dos empresários é de os contratados voltem a cometer crimes. ;Hoje, há instrumentos de gestão para evitar tal risco, como a avaliação psicológica no processo seletivo;, explica.
Experiência
O secretário Santiago cita a experiência da própria secretaria para atestar a reinserção. Viviane Ferreira dos Santos, 21 anos, trabalha na copa. ;Hoje sei fazer até um café bom. Antes, não sabia fazer nada;, conta ela, que cumpre prisão por tráfico. Viviane enviou, com ajuda de uma amiga, drogas ao namorado que estava na cadeia. Grávida, foi condenada e deu à luz quando cumpria regime fechado. Hoje, mora com os pais e o filho.
Vera Lúcia Oliveira, 49, trabalha na copa da Secretaria da Fazenda e cumpre prisão domiciliar por levar drogas ao companheiro, crime mais frequentes entre as mulheres. Ao terminar a pena, no próximo mês, ela vai procurar emprego com carteira assinada na sua nova função de copeira.
; Capacitação
O advogado Felipe Barreira Uchoa diz que os incentivos são necessários para superar os obstáculos nas empresas. ;Existe preconceito. Muitos presos passam por capacitação profissional e, ao ganhar a liberdade, não conseguem emprego;, atesta. O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) informa que 19 unidades da Federação aderiram a um programa de capacitação profissional, que poderá atender 35 mil pessoas até 2014.