Jornal Correio Braziliense

Ensino_EducacaoBasica

Queixas sobre a falta de estrutura

Moradores de cidades beneficiadas pelo Programa Mais Médicos reclamam das condições precárias das unidades hospitalares

Mais do que a demanda por profissionais é a estrutura precária dos hospitais que preocupa a população e os funcionários que trabalham nas unidades de saúde. Com a constante reclamação da falta de equipamentos, os selecionados no Programa Mais Médicos correm o risco de apenas triar pacientes que vão continuar entupindo os ambulatórios das grandes cidades. A empolgação do governo federal em acreditar que está dando um passo importante para resolver o problema da saúde no país ainda não se reflete nos profissionais e nos moradores dos municípios inscritos no programa.

A sensação imediata é de descrença. Sentada na porta do Hospital Municipal de Planaltina de Goiás, distante 55km do Palácio do Planalto, Maria das Graças Silva reclama de não conseguir marcar nenhum exame. ;Está tudo suspenso. Não estão fazendo raios X, nem tirando sangue nem nada. Tudo sem previsão. Só marca para quem está internado e já não tem mais como esperar;, diz, inconformada.

Ao lado da aposentada, outras duas pessoas confirmam a má qualidade dos centros de saúde da cidade. ;Até para conseguir remédio está complicado. Fiquei quase quatro horas para pegar uma cartela. Fui buscar o resultado de um exame, feito há 40 dias, e ainda não está pronto;, reclama a revendedora Maria Eleni de Andrade, 48. ;Só venho ao hospital quando não tem mais jeito, porque sei que antes não vai resolver;, acrescenta.

A crença de que só casos de emergência são resolvidos não vale para Cláudia Ferro, 49, nem para a filha, Adriana, 26, às vésperas de ter o segundo filho, Na última sexta-feira, ela já aguardava havia três dias por uma cesariana. ;Estava marcada para o dia 20 e até agora nada. A menina está aí sentindo dor e não tem médico para atender. Além disso, não tem equipamento, injeção e também não tem nem quem possa fazer um encaminhamento para eu levá-la a outro hospital;, critica. A solução encontrada por Cláudia foi pegar dinheiro emprestado e ir com Adriana para um hospital em Sobradinho, no Distrito Federal. ;Se ela continuar aqui, ela vai morrer;, enfatiza a mulher.

Dona Eleni, que assistiu à cena, lamentou o fato. ;É um absurdo ter que sair da cidade para resolver o problema, mas muita gente faz isso. Só que a gente paga imposto aqui, tinha que ter médico aqui;, pontua. Para ela, também não adianta trazer médico do exterior para resolver o problema. ;Se eu já não entendo as palavras que os doutores daqui dizem, imagine como será com os de fora;, completa.

A análise dela é a mesma de Mônica Gomes, 36 anos, mulher do vaqueiro Rogério Dias. Moradora da zona rural de Formosa, ela e o marido fizeram duas vezes na semana passada a peregrinação até o Hospital Municipal de Formosa. ;Se com os médicos brasileiros já é essa dor de cabeça, quem não conhece a realidade do país, as doenças daqui e mal fala a nossa língua vai resolver?;, questiona. Ela conta que os dois estiveram no hospital na terça-feira, porque ele caiu e estava sentindo uma dor muito forte. Na triagem, disseram que não precisava consultar o ortopedista, e os dois voltaram para casa. Na quinta-feira, a dor tinha se alastrado pelo corpo.

Preocupação
Todas essas histórias já estão no imaginário de Janaína de Oliveira, 27 anos. Recém-formada em medicina, conta animada que ela e mais três profissionais foram selecionados pelo Mais Médicos para atuar em Planaltina de Goiás, o palco dos dramas de Maria das Graças, Maria Eleni e Cláudia. ;A atenção básica me atrai muito, mas eu já sei que a cidade não tem estrutura. Já ouvi relatos de que a estratégia de saúde familiar não está muito bem implantada, mas tenho o pensamento de que estando lá dentro, eu posso mudar;, confessa. Guilherme Brito, 25 anos, um dos 15 que trabalharão em Brasília vai além nas críticas. Para ele, o sistema está falido, principalmente porque a atenção básica não recebe o investimento que deveria. ;Os governantes tapam o sol com a peneira. Para atender a população, é preciso estrutura. Não adianta simplesmente colocar o médico para atender, precisa de exame laboratorial, de estrutura física. Médico é só uma peça nesse sistema;, resume.

Mesmo com essa série de problemas, ele acredita que a experiência na atenção básica ajuda a suprir outra demanda da formação de médico. ;Os cursos de medicina são voltados para a especialização, o que já é uma das raízes dos problemas da saúde. É importante ter a prática desde a base até a ponta;, diz.

Nas prefeituras, as condições para receber esses profissionais também é preocupação. O coordenador de gestão e planejamento da Secretaria de Saúde de Formosa, Caio William, reconhece que uma das grandes apostas do município é o Mais Médicos que enviará quatro profissionais para a cidade, mas diz que sabe das dificuldades. ;Acreditamos que o programa vai desafogar um pouco os hospitais, mas estamos trabalhando na readequação das unidades de saúde. Temos um desafio grande, pegamos uma situação complicada;, reconhece. A promessa, entretanto, é de ;inúmeras; mudanças. Em Planaltina de Goiás, parte da culpa sobre o sistema de saúde também recaiu sobre a prefeitura antiga. A prefeitura justifica que algumas ações estão atrasadas com o processo de transição de prefeito.

;Se eu já não entendo as palavras que os doutores daqui dizem, imagine como será com os de fora;

Maria Eleni de Andrade, revendedora