A designer de interiores Andréa Avelino, 50 anos, fica apreensiva. Na última quinta-feira, ela permitiu que a filha, Maria Clara Avelino, 16, participasse dos atos na área central de Brasília. ;Eu acho importante escutar o jovem e ver o papel que ele tem nessa sociedade. Eles estão buscando melhorias, direitos que lhe são devidos. A princípio, acho tudo legítimo;, opina. Durante a manifestação de quinta-feira, a garota manteve o celular ligado, mas o sinal ruim prejudicou a comunicação com a mãe. Quando houve a invasão do Itamaraty, ela e as amigas decidiram ir embora. ;Falei com a minha mãe na hora em que estávamos saindo. Ela ficou um pouco brava, mas foi tranquilo;, assegura.
Todos os problemas gerados nessa noite fizeram com que Maria Clara ficasse ainda mais disposta a seguir marchando. ;Estou mais animada para ir à próxima manifestação, porque as pessoas estão vendo que a violência não resolve nada. Essas pessoas não nos representam;, argumenta Maria Clara. A autorização para ir, no entanto, pode não chegar tão facilmente. ;Apesar de achar que o jovem deve participar, vou pensar 10 vezes antes de deixá-la ir para a próxima;, avisa a mãe.
Os irmãos Kennedy Antônio de Almeida e Luca de Araújo, de 15 e 13 anos, participaram da última manifestação. A mãe deles, Alice de Araújo, 50, só permitiu a presença dos adolescentes com a condição de que eles ficassem longe dos atos violentos. Além disso, o mais velho deveria proteger o caçula. ;Achei que não ficariam até tão tarde. Quando cheguei em casa do trabalho e vi as imagens na televisão, entrei em pânico. Eu e o meu marido (também Kennedy) resolvemos buscá-los, mas paramos no Eixinho, que estava fechado;, lembra a comerciária. Nesse momento, os garotos avisaram que voltavam para casa.
Apesar da apreensão, o casal estimula os filhos a participarem dos atos. Na passeata de segunda-feira, Alice os levou para a Esplanada. Mas, na noite da invasão do Itamaraty, o clima em casa era de proibição. ;Eles ficaram aliviados, porque puderam nos ver, falar com a gente. Disseram que fizemos a nossa parte e não devemos ir mais. Mas quero ir na próxima passeata, a escola inteira está combinando;, pressiona Kennedy Antônio. ;Se eu tiver condições de ir, vou permitir. Caso contrário, eles não vão. O clima está ficando pesado, não posso deixar os meus filhos correrem esse risco;, diz a mãe.
Injustiças sociais Muitos adolescentes participaram dos eventos: permissão sob condições
O aposentado Marcelo Constantino, 60 anos, conta que apoia o engajamento do filho, o estudante da Universidade de Brasília (UnB) Breno Uriel Constantino, 19 anos. ;Admiro essa atitude dele. Ele luta por seus ideais e por uma mudança na sociedade, mas é uma mistura de sentimentos que envolve orgulho e angústia por não saber se ele estará em segurança;, explica.
Desde o ensino médio, Breno se envolve em grupos e manifestações políticas e sociais. A demissão de uma professora, por exemplo, foi motivo para que o jovem organizasse uma greve de alunos. ;O objetivo era pressionar a diretora a rever a decisão de mandar para a rua uma das melhores educadoras. O plano deu certo;, comemora. Hoje, o estudante participa do Centro Acadêmico de Artes da UnB. Ele desenvolve atividades como discussões para melhorias no curso e a tentativa de conseguir um espaço físico para o CA. ;Não consigo ver as injustiças sociais e ficar quieto. Acho que a mudança que todos querem depende da atitude individual;, pontua.
A servidora pública Maria Lúcia Sigmaringa, 48 anos, segue na contramão dos pais que apoiam a participação dos filhos nesses atos. A presença do filho, o aluno da UnB Caio Sigmaringa, 18, nas últimas passeatas desencadeou um atrito entre eles. ;Já fui cara-pintada (leia Para saber mais) e não o proíbo de participar desse tipo de evento. No entanto, o movimento não é organizado e não há um objetivo claro do que esses jovens pretendem. Por isso, ocorre o vandalismo. Temo pela segurança dele;, admite Maria Lúcia.
O estudante discorda da opinião da mãe e promete continuar no engajamento social. ;Concordo com a minha mãe quando ela diz que não há uma pauta clara, mas a luta de quem vai às ruas é justamente para estruturar as reivindicações e mudar a realidade social atual;, argumenta Caio.
Para saber mais
Caras-pintadas
O movimento estudantil dos caras-pintadas aconteceu ao longo de 1992 e tinha como objetivo principal o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo. O grupo se organizou após as diversas denúncias de corrupção do então comandante do país e as polêmicas medidas econômicas adotadas na ocasião, como o confisco da Poupança. Milhares de jovens de todo o país saíram às ruas com Bandeiras do Brasil e os rostos pintados em verde e amarelo, exigindo a saída imediata de Collor do poder.
Conflito de gerações As manifestações da última semana que levaram às ruas milhares de pessoas, principalmente jovens, desencadearam divergências nos lares brasilienses. Essa situação é fruto do conflito de gerações entre pais e filhos, de acordo com análise do diretor do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Hartmut Gunther.
A tentativa de proibir a presença dos garotos nos eventos, por exemplo, é descrita pelo especialista como conflito de ideias e interesses. ;Os pais que trabalham em instituições públicas e políticas não desejam ver os seus filhos ligados a esse tipo de manifestação. Eles estão menos propícios a apoiar a escolha dos jovens e se sentem ameaçados pelo sucesso que os movimentos podem desencadear nas suas vidas;, explica o psicólogo.
Identidade
Segundo Gunther, a participação dos jovens em movimentos políticos e sociais não depende da idade. ;Essa vontade de lutar e de mudar é inerente ao comportamento dessa faixa etária. A partir do momento que a pessoa está na posição de pai, a situação é encarada de uma forma diferente, porque está em xeque a segurança do filho;, analisa. ;A participação é a tentativa desses jovens em encontrar a própria identidade;, completa o psicólogo.
Por sua vez, pais que não enxergam ameaça no envolvimento dos filhos em manifestações públicas são mais participativos e engajados. ;Isso provoca uma série de conflitos dentro de casa. O melhor caminho é o diálogo;, aconselha o especialista. (SO)