Uma nova tecnologia desenvolvida na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, traz esperanças para pacientes que sofrem de doenças degenerativas da retina. O projeto consiste em um pequeno conjunto de sensores fotovoltaicos (abastecidos por energia solar) que, depois de inserido no olho, mantém uma comunicação sem fios entre o órgão e um par de óculos equipado com uma câmera. O equipamento foi testado pela primeira vez em ratos e mostrou-se capaz de transmitir imagens para a área do cérebro responsável pela visão. Os resultados do experimento estão publicados na edição de hoje da revista especializada Nature Communitations.
Como outros tipos de olhos biônicos, o modelo proposto pelos norte-americanos substitui a visão pelas imagens registradas em uma câmera. O aparelho transforma a luz ambiente em sinais infravermelhos, que chegam até os sensores instalados atrás da retina. Os implantes, por sua vez, convertem a luz em pulsos de corrente elétrica, levados por meio de sinais neurais até o cérebro, onde a cena é interpretada como se tivesse sido observada naturalmente.
Segundo o especialista e pesquisador Anderson Gustavo Teixeira Pinto, que não participou do estudo, a combinação de câmeras com implantes de retina é comum e já existem projetos que conseguem restaurar parte da visão de pacientes com degeneração macular. ;Há uma prótese já comercializada nos Estados Unidos e na Europa, utilizada por mais de 300 pessoas no mundo;, diz o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Católica de Brasília (UCB).
Avanços
Os pacientes que usam esse tipo de equipamento, no entanto, ainda não conseguem ver normalmente. O investimento garante um tipo de percepção de padrões de luz, que exigem treinamento e servem principalmente para dar independência aos deficientes visuais. ;Pessoas conseguem identificar objetos e letras grandes, assim como caminhar. Os pacientes para quem esse tipo de prótese é indicada são aqueles que não enxergam nada ou mal veem a luz;, descreve o pesquisador. O equipamento ainda usa um computador de bolso, conectado aos óculos por um cabo, responsável por processar a imagem antes de enviar o sinal ao olho.
Por enquanto, os criadores da nova tecnologia não sabem se a imagem gerada é de melhor qualidade. O projeto, no entanto, já garantiu alguns avanços. O grande diferencial é que a mesma luz usada para transmitir os dados também alimenta a energia do sistema. Os raios infravermelhos recebidos pelos sensores fotovoltaicos são interpretados e transformados em energia ali mesmo, atrás da retina, dispensando o uso de fios e computadores adicionais. ;Ele usa o infravermelho, que não é captado pelo olho. Então, ele dá energia suficiente sem atrapalhar a visão que o paciente ainda tem;, destaca Daniel Lavinsky, médico brasileiro participnate da pesquisa e atualmente é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A cirurgia para implantação do equipamento compacto, de acordo com Lavinsky, também deve ser mais simples quando comparado aos procedimentos similares feitos hoje, que usam próteses compostas de receptor e eletrodos em separado. Como ele não usa energia externa, a quantidade de iodos em uma placa também pode aumentar, resultando em uma visão com maior resolução e menos calor gerado no processo, o que poupa a parte ainda funcional da retina do paciente.
Restauração
Para testar o equipamento, os pesquisadores usaram um grupo de ratos que sofriam de retinose pigmentar, uma doença sem cura caracterizada pela degeneração das células fotorreceptoras da retina, levando à cegueira. O mal genético afeta mais de 300 mil pessoas somente no Brasil, e causa uma cegueira gradual a partir dos 40 anos. A doença não tem cura e, até agora, conta apenas com uma terapia com células-tronco que apenas evita a perda completa da visão.
;A retina é como se fosse o filme de uma máquina fotográfica. As células dessa região vão produzindo pigmento fora do padrão normal, como pintinhas que surgem na pele. Elas vão se acumulando no fundo de olho e destruindo a retina;, descreve Marcos Ávila, professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
Sob a retina dos animais cegos, os cientistas inseriram um grupo de próteses de 1mm formadas por células sensíveis à luz. Os bichos foram então submetidos a clarões de luz comum e infravermelha, semelhantes aos estímulos que eles veriam se estivessem usando o par de óculos biônico. Os cérebros dos animais foram monitorados para qualquer sinal que pudesse indicar atividade relacionada à visão.
As respostas detectadas no córtex neural das cobaias eram similares às dos ratos com visão normal, indicando que os animais cegos podem ter visto alguma coisa a partir dos estímulos. ;Até agora, nós confirmamos que os ratos cegos podem ;ver; o estímulo;, comenta Daniel Palanker, coautor do trabalho e pesquisador do Departamento de Oftalmologia de Stanford. Os sinais foram enviados pelos próprios neurônios da retina, por meio do canal tradicional do nervo ótico. ;Agora, estamos desenvolvendo testes para saber a qualidade da visão proporcionada, verificando, por exemplo, a precisão visual e a sensibilidade de contraste proporcionadas;, adianta Palanker.
Para Marcos Ávila, os resultados da pesquisa norte-americana são animadores. ;O problema maior que temos é a transformação de luz em energia elétrica e o envio para o cérebro. Parece que esse trabalho já tem uma solução inicial, pelo menos;, avalia o especialista brasileiro. Mas ele ressalta que os testes para averiguar a qualidade da imagem que está sendo processada pelos cérebros das cobaias são fundamentais para indicar o quão promissor é o estudo.