A repercussão das manifestações em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em Brasília chamou a atenção dos governos e repercutiu em diversos setores da sociedade. ;Nada do que ocorre é aleatório, existe organização e aspectos políticos envolvidos nesse processo. E os protestos não vão parar. No ano que vem, temos Copa do Mundo e eleições. As demonstrações de insatisfação da população serão recorrentes;, ressaltou o coordenador do curso de Segurança Pública da Universidade Católica de Brasília (UCB), Nelson Gonçalves.
Para a professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Haydée Caruso, o aumento de R$ 0,20 nas passagens de ônibus em São Paulo foi o estopim para o início dos protestos. ;Foi uma janela que a sociedade percebeu para colocar as inquietudes para fora. Saímos de um momento de grande apatia. Brasília também se coloca diante desse cenário;, analisou. Para a socióloga, pesquisadora na área de segurança pública, violência e cidadania, existe uma série de situações expostas de forma diferente em cada Estado. ;Tem a ver com a forma como os grupos de cada localidade age, alguns mais violentos, outros não. O que não pode acontecer é uma atuação policial sem moderação, além de depredação do patrimômio público;, complementou.
Haydée considera ainda que as redes sociais ajudam a dar uma dimensão maior e mais rápida aos movimentos. Com base nas novas tecnologias, um planejamento do governo poderia ter sido um diferencial nas últimas manifestações. ;Os políticos e os gestores deveriam estar preparados para lidar com isso. Poderiam ter feito um esquema prévio. Se isso for considerado em 2014, a organização pode ser uma arma para garantir a democracia;, defendeu.
Atuação policial
O ex- secretário Nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho, ressalta que é difícil controlar a massa, sendo que a organização pode mudar o rumo de um protesto. Episódios como o de sábado, em frente ao Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, no qual 34 pessoas ficaram feridas, demandam a organização da polícia, mas também dos ativistas. ;É necessário avisar antes o percurso do movimento, manter uma relação entre manifestantes e polícia. Assim, ninguém sai prejudicado. Principalmente, a população que não participa desses eventos;, afirmou.
Para ele, a falta de foco e de liderança em uma manifestação pode ter consequências graves. ;Movimentos com uma liderança legitimada são organizados. Em São Paulo, tivemos 241 manifestações neste ano e nada aconteceu. É preciso ter cooperação dos dois lados.; José Vicente ressalta que o espaço público precisa ser cuidadosamente preparado para esse tipo reivindicação. ;Não pode ser um chamado para convocar todo mundo sem organização. Uma manifestação mal organizada e mal liderada pode gerar ações agressivas das duas partes, provocar o encontro o facções rivais e corre-corre. E correria em uma multidão pode resultar em morte;, completou (leia Artigo).
Artigo
por José Vicente da Silva Filho
Desordem não é direito
Toda multidão embute alto potencial de risco, por mais relevantes que sejam seu propósito ou a qualificação de seus integrantes. A instalação de uma situação emocional ; um susto por algum estouro, por exemplo; pode ter efeito devastador de contágio, com pisoteamento de pessoas, ou reações anômalas de agressão e depredação.
Multidões são especialmente perigosas quando não têm propósito definido, não se sujeitam a negociações com as autoridades, não possuem estrutura institucional nem liderança legitimada e atuam em áreas muito abertas. Nessas condições, tenderão à desorganização e à perda de controle e afetarão a qualidade da resposta policial.
Esse tipo de manifestação costuma gerar as principais situações de desordem, de quebra de normas legais e de confronto. Por isso, não se pode ver toda ação coletiva como manifestação do vigor de uma democracia, pois transforma esse direito precioso em expressão de desordem e fins destrutivos. Todo estado democrático é dotado de meios de força ; sua polícia armada ; para garantir que os direitos coletivos não sejam ameaçados.
É uma situação constrangedora para qualquer sociedade e, no entanto, inevitável quando se instala a desordem, seja em São Paulo, Istambul ou Londres, onde morreram cinco pessoas nas manifestações de agosto de 2011. O valor democrático desses eventos será dado na perspectiva de tempo: para que serviu aquela manifestação? Que fim levou? Quem ganhou e quem perdeu?
Ex- secretário Nacional de Segurança Pública, professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar de São Paulo e mestre em sociologia social pela USP