Sabendo do interesse dos pequenos pelas figuras robóticas, os pesquisadores do Instituto de Pesquisa e Tratamento para Distúrbios do Espectro Autista (Triad, na sigla em inglês) decidiram colocar o talento das máquinas à prova. Um grupo de 12 crianças de 3 a 5 anos foi submetido a uma série de exercícios de atenção em uma sala com televisores que exibiam desenhos animados. Metade delas era diagnosticada com TEA, enquanto os outros participantes apresentavam um desenvolvimento comum. A técnica foi chamada de arquitetura adaptável mediada por robôs.
Em uma parte do teste, as crianças obedeciam aos comandos de adultos, que apontavam animadamente para os vídeos e chamavam os pequenos voluntários a olhar e fazer o mesmo. Nessa fase, os pacientes com autismo tinham dificuldade de interagir com os instrutores e não seguiam às instruções tão bem quanto os coleguinhas. Os resultados foram medidos por uma série de câmeras espalhadas pela sala, que detectavam a direção do olhar das crianças de acordo com o posicionamento de um conjunto de lâmpadas infravermelhas presas ao boné que elas usavam.
Mas tudo mudou quando os terapeutas saíram de cena e os robôs passaram a dar as ordens. Bastava o pequeno humanoide chamar o nome da criança para que ela olhasse interessada para a máquina. Reação percebida, por exemplo, em Aiden, uma criança de 3 anos que participou do estudo. O novo professor conseguiu atrair a atenção tanto das crianças com aprendizado regular quanto das diagnosticadas com o distúrbio. Mas a diferença de comportamento entre os pacientes com o autismo foi tão grande que eles praticamente se nivelaram com o outro grupo em termos de atenção. ;Demonstramos que, se as crianças estão mais interessadas no robô do que na terapia humana, então o robô pode ser capaz de usar essa relação para atividades benéficas;, conclui Nilanjan Sarkar, professor de engenharia mecânica da Universidade de Vanderbilt, nos EUA, e um dos autores do experimento.
Adaptações
O novo colega das crianças que participaram do estudo é o robozinho NAO, um modelo de 58cm desenvolvido na França. Com mãos com três dedos e pernas articuladas, a máquina mais lembra um simpático personagem de desenho animado. Mas o design gracioso esconde uma avançada tecnologia. São duas câmeras, quatro microfones, sonar e uma rede de sensores táteis e de pressão. Ele também tem luzes de LED e um sintetizador de voz, que transmite gravações em uma voz eletrônica por meio dos sensores localizados na lateral da cabeça.
O robô foi adaptado para o estudo, ;aprendendo; os movimentos necessários e ganhando voz por meio de gravações. O mesmo modelo de máquina é usado em mais de 40 instituições para estudos sobre a interação entre homem e máquina, muitos deles focados no espectro autista e em crianças. ;Dá para ver que a criança dá atenção para o robô, e isso possibilita que se trabalhe com o aprendizado de conceitos ligados à escola e à vida. Isso vale para qualquer criança;, aponta Roseli Aparecida Francelin Romero, coordenadora do Laboratório de Aprendizado de Robôs do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), da Universidade de São Paulo (USP).
O NAO, ressalta a especialista, conta com diversas ferramentas e um software flexível, que pode ser adaptado a diversas tarefas, além de aceitar comandos de voz em inglês e em francês, músicas e diversos comandos básicos pré-instalados. ;O segredo é que ele é fácil de programar;, analisa Roseli. A máquina também tem um alto grau de liberdade de movimento e consegue fazer atividades como andar, agachar, ficar apoiada em um só pé e até mesmo jogar futebol.
Com o sucesso da iniciativa, o grupo da Universidade de Vanderbilt deu início a novos projetos com exercícios que trabalham outras dificuldades enfrentadas por crianças autistas, como aprender a imitar, brincar de faz de conta e dividir. As atividades podem parecer brincadeiras, mas, para os pequenos com o transtorno, esses são graves problemas que podem causar sérias limitações na vida infantil e na adulta. ;A primeira preocupação dos pais com crianças autistas é o atraso de linguagem. A partir disso, elas mostram falta de interesse e não mantêm contato visual nem respondem quando chamadas pelo nome. Outro problema são os movimentos repetitivos, chamados movimentos estereotipados;, descreve Carlos Gadia, pediatra e diretor da ONG Autismo & Realidade.
De mãos dadas
Lidar com crianças autistas exige tato e paciência, pois nem sempre elas estão aptas a seguir ou mesmo entender as atividades propostas. É aí que entram os robôs. O fato de crianças e adolescentes do espectro autista terem dificuldade de interpretar sutilezas sociais, como algumas expressões faciais ou frases que podem ter sentidos múltiplos, faz com que a mecânica das máquinas se torne algo reconfortante para eles. ;Quando o terapeuta entra na sala, algumas crianças se escondem e choram. Se colocam um robô na sala, elas brincam com ele. Dão a mão para o robô, brincam, fazem coisas que não fariam com o terapeuta. Isso é um facilitador;, compara Carlos Gadia, pediatra e diretor da ONG Autismo & Realidade.
De acordo com o especialista, a técnica tem sido estudada em diversas instituições há pelo menos uma década. Conforme o paciente identifica conforto, ameniza a ansiedade e se abre para as atividades, o terapeuta encontra mais espaço para coordenar pessoalmente os exercícios.
Entre as iniciativas que reforçam a proposta da interação está o projeto Robótica-Autismo, de Portugal. Desde 2008, a técnica é estudada pelo grupo formado entre a Universidade do Minho e a Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental. Com a ajuda de diversos modelos de robôs, os pesquisadores criaram atividades que desenvolvem competências sociais e ajudam no aprendizado. Enquanto algumas crianças apresentaram um aprendizado visível, outras mostraram progresso ao manter contato visual com os terapeutas ou somente no tempo de permanência na atividade proposta.
;O impacto do robô nas crianças não é facilmente comprovado, sendo perceptível que o interesse em relação à máquina depende da criança em questão, e esse fator condiciona o sucesso do estudo;, aponta Filomena Soares, coordenadora do programa. Como cada criança reage de forma diferente, as experiências também são definidas e planejadas de acordo com as limitações individuais ; e isso só pode ser feito por especialistas. Por isso, mesmo com o facilitador robótico, o fator humano continua indispensável no tratamento. (RM)