A febre das impressoras 3D faz as mãos dos viciados em tecnologia coçarem. Se, inicialmente, o produto que saía dessas máquinas eram pequenas peças de plástico, hoje já se produzem artigos de decoração, aparelhos de MP3, brinquedos e uma série de outros objetos. E há quem pense em projetos bastante ambiciosos. Os entusiastas do método planejam fabricar até mesmo carros e casas. A forma como essa inovação se espalha pelo mundo tem diminuído o preço dos equipamentos ; alguns modelos custam cerca de R$ 3 mil. O problema continua sendo o valor dos filamentos plásticos que alimentam o dispositivo e dão vida aos projetos, cerca de R$ 200 o quilo.
É esse problema que Joshua Pierce, pesquisador da Universidade Tecnológica de Michigan, nos Estados Unidos, deseja resolver. Com a ajuda de Christian Baechler e Matthew DeVuono, da Queen;s University, no Reino Unido, ele desenvolveu uma máquina capaz de transformar as embalagens plásticas encontradas na dispensa de casa em matéria-prima para criativos modelos impressos em três dimensões. O método, além de sustentável, segue à risca o lema ;faça você mesmo;. O equipamento criado pelo trio ocupa um pequeno espaço e pode perfeitamente ser utilizado em residências. Assim, qualquer um poderá fabricar os filamentos que abastecem suas impressoras 3D com material reciclado.
Batizada de RecycleBot, a máquina é um equipamento que utiliza a extrusão, ou seja, a arte de moldar um material ao empurrá-lo forçosamente por uma matriz ou abertura. No caso do dispositivo de Pierce, o processo é termoplástico, isto é, usa altas temperaturas para que o material se torne maleável e ganhe a forma de fios. Os experimentos e o projeto final do grupo foram publicados na revista científica Rapid Prototyping Journal e podem ser acessados pela internet no endereço http://www.thingiverse.com/thing:54180. Segundo o norte-americano, a máquina pode ser construída por um consumidor habilidoso, após a leitura cuidadosa das instruções.
Melhorias
Para serem usados, objetos plásticos, como galões de 5l, devem ser lavados, cortados em tiras e, depois, picados. Em seguida, esses resíduos serão aquecidos no RecycleBot e transformados em filamentos (veja infografia). Pierce esclarece que o processo ainda não é perfeito. As embalagens de plástico, por serem feitas de polietileno de alta densidade (HDPE), não se mostraram a matéria-prima ideal para a impressão em 3D. Mas o pesquisador diz que, a cada dia, aperfeiçoa o processo para chegar logo a um resultado mais satisfatório.
Os dados da equipe de engenheiros estima que, ao usar o equipamento, a energia consumida é de um décimo do utilizado na produção industrial. Além disso, 20 galões que inicialmente seriam descartados correspondem a cerca de um 1kg de filamento. Segundo o autor do estudo, transformar lixo plástico em filamentos úteis é uma forma de resolver o problema de escoamento desse material, que leva dezenas de anos para se deteriorar no meio ambiente, e baratear a impressão 3D ainda mais.
Pierce acredita que a união do RecycleBot às impressoras 3D pode ser muito bem aproveitada em áreas distantes, onde o comércio é limitado. ;Três bilhões de pessoas vivem em áreas rurais que têm lotes e lotes de sucata de plástico;, estima. ;Eles poderiam usá-los para produzir bens de consumo úteis para si mesmos. Ou imagine as pessoas que vivem em um aterro sanitário no Brasil. Eles podem fazer produtos úteis ou mesmo a reciclagem de plástico em um filamento que pode ser vendido no comércio.;
Ressalvas
O professor Alexandre Simões, do curso de robótica da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), assegura que a tecnologia desenvolvida pelo grupo é bastante viável e chega em hora oportuna. Ele conta que a universidade encomendou, em novembro do ano passado, os filamentos que serão usados na impressora 3D construída por um grupo de estudantes. Até a semana passada, o produto não havia chegado. ;(A dificuldade de ter acesso ao material) é um problema. As alternativas são muito bem-vindas;, diz. Simões, porém, diz que ainda existem algumas perguntas em aberto sobre o projeto. A qualidade do plástico produzido não é relatada pelo grupo no artigo, e a máquina que realiza a impressão 3D é muito sensível a alterações de espessura e qualidade da matéria-prima. Uma sala com ar condicionado ligado pode fazer com que haja alterações de temperatura que, por sua vez, podem trazer características diferentes para cada ponto do filamento. O professor de robótica acredita que a popularização dessas máquinas pode ser o primeiro passo para o aprimoramento da tecnologia.
O diretor da Cliever Tecnologia, Rodrigo Krug, ressalta que, no caso do Brasil, outro ponto a ser levado em consideração é o perfil do consumidor. ;Aqui, uma pessoa que tenha interesse em montar esse equipamento provavelmente seria um estudante de engenharia universitário. O público americano, por outro lado, tem culturalmente uma garagem cheia de ferramentas e com espaço para mexer em equipamentos e automóveis;, compara.
A Cliever Tecnologia foi responsável por desenvolver a primeira impressora 3D totalmente brasileira. Hoje, a companhia também produz os filamentos para comercialização. Krug conta que já fez um protótipo parecido como o de Pierce, mas não achou que o filamento produzido alcançaria a qualidade necessária. Ainda assim, ele considera que o equipamento terá espaço no futuro. ;Está dentro do nosso radar, com uma aplicação voltada principalmente ao uso doméstico.;
Imagine as pessoas que vivem em um aterro sanitário no Brasil. Elas podem fazer produtos úteis ou mesmo a reciclagem de plástico em um filamento que pode ser vendido no comércio;
Joshua Pierce,
principal autor do projeto e pesquisador da Universidade Tecnológica de Michigan