Quando um indivíduo está conversando com outra pessoa, o cérebro manda um sinal para os músculos que controlam as cordas vocais e a língua. Esses sinais, por sua vez, mandam uma informação que corresponde às palavras escutadas e são transmitidos pelo cérebro humano mesmo quando a boca está fechada. O especialista em neuroengenharia da Nasa conseguiu desenvolver uma forma para capturar esses sinais ainda que o movimento da garganta seja extremamente sutil. O sistema para computadorizar o silêncio humano ficou conhecido por fala subvocal.
;A fala subvocal é silenciosa ou não audível. Quando a pessoa está usando o sistema, ela pensa em frases e falas que não podem ser ouvidas, mas as cordas vocais e a língua continuam recebendo os sinais de fala do cérebro;, explica Jorgensen. Para conseguir decodificar tais informações, a primeira etapa do sistema consiste em capturar os pequenos sinais elétricos que saem da cabeça para o sistema vocal, chamados de sinais eletromiográficos, que são capturados por eletrodos implantados na pele. Do tamanho de uma moeda de dez centavos de dólar, os eletrodos são dispostos sob o queixo e em ambos os lados da garganta, próximo ao pomo de Adão.
Assim que eles captam o sinal, o transmitem a um processador e, em seguida, a um programa de computador que os traduz em palavras. Em uma primeira demonstração do sistema, os pesquisadores controlaram, a partir de comandos silenciosos, um pequeno robô com rodas. Para tanto, eles gravaram algumas palavras em inglês que serviram como padrões de som. Na tradução para o português, as palavras eram parar, andar, esquerda e direita. O robô foi enviado a Marte e dirigido pelos cientistas sem qualquer som audível.
Para que o sistema reconheça os padrões de fala, é preciso gravar no software algumas palavras. O vocabulário estabelecido é então associado a determinados padrões matemáticos computacionais, fazendo com que cada palavra corresponda a um padrão específico da atividade elétrica do músculo. Ou seja, o padrão 1, por exemplo, pode se referir à palavra pare, enquanto o padrão 2 está relacionado à palavra esquerda. Dessa forma, a rede cria uma relação matemática entre o padrão observado e o rótulo escolhido para ele. No começo dos testes, o dispositivo era capaz de reconhecer apenas 10 palavras e os numerais de zero a nove. Na última atualização informada pela Nasa, o número de palavras chegava a quase 30, além de 38 vogais e consoantes.
Aperfeiçoamentos
De acordo com Márcio Flávio Dutra Moraes, professor do Núcleo de Neurociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apesar de a ideia do sistema ser extremamente interessante, o mecanismo em si não é tecnologicamente complicado. ;A tecnologia utilizada por eles é 100% acessível. Ela poderia ter sido tranquilamente produzida no Brasil, qualquer laboratório de neurociência poderia fazer;, avalia. O complicado, entretanto, é como resolver os padrões e relacioná-los cada vez com mais fonemas. Segundo o pesquisador da UFMG, o sistema da Nasa ainda está longe de conseguir gravar padrões de sílabas e, com isso, formar palavras. No momento, ele só funciona a partir de palavras inteiras gravadas anteriormente.
;Pela eletromiografia, ele (o sistema), por enquanto, consegue separar fonemas compridos. Ainda não separa, por exemplo, ;ba;, ;be;, ;bi;, ;bo; e ;bu;. Essa pode ser uma gigantesca limitação técnica. Se eles conseguirem resolver o problema, aí sim pode se constituir em um avanço tecnológico importante;, pondera o professor. Moraes ainda destaca que, para que o sistema funcione, é preciso que haja necessariamente alguma ativação dos músculos da fala. Portanto, ele está longe de conseguir ler mentes. ;Se você só imaginar uma palavra, o sistema não vai funcionar. Você tem que efetivamente mexer os músculos da garganta;. Dessa forma, a fala subvocal exige a cooperação ativa e o estímulo intencional dos músculos, portanto, é voluntária.
Os pesquisadores pretendem ampliar cada vez mais o vocabulário e tornar o mecanismo capaz de identificar não somente palavras individuais, mas conversas contínuas. Além disso, querem melhorar os sensores. ;Não pretendemos que as pessoas andem por aí com fios pendurados na garganta e linhas de aterramento nas mãos. Há dois sensores secos que não requerem contato físico e começamos a usá-los. Estamos também desenvolvendo um tipo de sensor que não precisa sequer tocar o corpo, chamado de sensor capacitivo;, fala Jorgensen. Segundo ele, a intenção é conseguir incorporar os sensores em qualquer roupa ou em algum tipo de aparelho simples, o que seria muito conveniente para capturar os sinais elétricos de uma forma não invasiva. Sobre a previsão para chegar ao mercado, o pesquisador explica que isso depende do interesse de cada setor, mas que, dentro de um intervalo de dois a quatro anos, já será possível imaginá-lo sendo usado principalmente em jogos de computador e videogames.
Além do espaço
O projeto fala subvocal começou em 1999 como parte de um grande programa chamado Extensão dos Sentidos Humanos. A proposta inicial era desenvolver uma comunicação silenciosa e possibilitar a fala em ambientes extremamente ruidosos, como a estação espacial. Mas logo ficou claro que ela teria diversas outras aplicações, como ser usada por policiais. Eles trocariam informações durante as operações mesmo estando em silêncio. No dia a dia das pessoas comuns, ela poderia permitir um telefonema silencioso durante uma reunião ou uma conversa particular mesmo na companhia de outras pessoas.