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Reconstrução exata do passado

Grupo internacional de pesquisa apresenta na revista Science uma nova forma de datar fósseis. O método deve ajudar a responder com maior certeza questões sobre a extinção dos neandertais ou a chegada do homem moderno à Europa

Ao se deparar com um fóssil, como calcular sua idade e, assim, reconstruir a história da vida na Terra? Em 1949, um pesquisador da Universidade de Chicago chamado Willard Libby inventou uma técnica que representou um significativo avanço para os estudos arqueológicos: o sistema de datação por radiocarbono. Desde então, o método se transformou em uma poderosa ferramenta de análise do passado. Contudo, apesar de conseguir resultados bastante aproximados, em alguns casos ele deixa a desejar, principalmente em estudos para os quais alguns anos podem fazer muita diferença nas conclusões. A boa notícia é que essa forma de datação acaba de ser melhorada.

Na edição de hoje da revista Science, um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos, do Reino Unido e do Japão apresentam um conjunto de estudos realizados com fósseis encontrados no fundo do lago japonês de Suigetsu e que tornam a medição de radiocarbono muito mais precisa para materiais que tenham idade entre 11 mil e 53 mil anos. O estudo é considerado o maior avanço na área desde que Libby criou seu sistema.

Como o nome indica, o radiocarbono é uma forma radioativa de carbono, produzida na atmosfera superior a partir da interação da radiação cósmica com elementos encontrados nessa região da Terra. Com isso, ele acaba sendo quase onipresente no planeta, incorporado a todo tipo de matéria orgânica. Quando um animal morre e se transforma em fóssil, por exemplo, a substância continua presente, mas é lentamente modificada por um processo químico chamado decaimento. É por meio da medição do decaimento que os cientistas conseguem calcular de forma aproximada a idade do fóssil.

O problema é que para estabelecer a relação entre a transformação do radiocarbono ; ou seu resultante, o carbono 14 ; e a quantidade de tempo que passou, os pesquisadores precisam saber como a substância era originalmente. A tarefa não é simples porque, em cada época, a emissão de radiação na atmosfera superior é diferente. Assim, é preciso recorrer a um parâmetro de comparação, alguma quantidade de matéria fóssil que tenha sua idade determinada por outro método e que sirva de referência.

Até agora existiam apenas duas maneiras de determinar esses parâmetros referenciais. A principal delas é por meio de depósitos de carvão no fundo dos oceanos. ;Na maioria dos casos, os níveis de radiocarbono deduzidos a partir de registros marinhos foram muito imprecisos;, explicou Christopher Ramsey, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, um dos líderes da pesquisa. Isso porque, com base em estudos geológicos, os pesquisadores até sabem quando o carvão foi depositado na profundeza do mar, mas a interação da água com as rochas altera a composição do carbono 14, impedindo uma referência exata.

A outra forma está no mundo terrestre: os anéis formados no interior dos troncos das árvores. O estudo dessas marcas em fósseis vegetais pode ser um referencial valioso, mas seu uso esbarra em outro problema: os registros dos anéis se estendem por apenas 12,5 mil anos. As árvores serviriam de parâmetro apenas até esse período geológico.

É aí que entram as rochas do Lago Suigetsu. Como a região é de formação muito antiga e as águas extremamente calmas, o carvão depositado no fundo do lago sofre poucas mudanças. Depois de extrair núcleos de camadas de sedimentos preservadas no local, a equipe de pesquisa concluiu que o material é um excelente referencial de datação. ;Os resultados oferecem um refinamento importante do registro de radiocarbono atmosférico;, afirmou em comunicado Jesse Smith, editor sênior da Science.

Centenas de anos
Desde 1993, os pesquisadores estudam os sedimentos depositados no fundo do Suigetsu na tentativa de ajudar a explicar a história dos seres vivos na Terra. ;Uma coisa importante sobre o lago é que a região nunca foi coberta por geleiras. Mesmo durante as fases de glaciação, havia árvores ao seu redor;, explicou em uma conferência à imprensa da qual o Correio participou Takeshi Nakagawa, da Universidade de Newcastle, no Reino Unido. ;As folhas dessas árvores caíram sobre o lago e, eventualmente, se fossilizaram. Elas nos ajudam, agora, a contar a história de um período com poucos registros fósseis;, completou.

Os resultados da pesquisa são extremamente importantes porque fornecem uma maneira muito objetiva de examinar a idade de materiais orgânicos para um intervalo de tempo entre 11 mil e 53 mil anos atrás. ;Pela primeira vez, temos um meio mais preciso de escala de tempo, o que nos permitirá responder perguntas em arqueologia que permanecem sem resposta;, afirmou Christopher Ramsey. Entre as possibilidades apresentadas pela descoberta, estão a definição do momento exato em que os neandertais foram extintos ou quando ocorreu a migração dos humanos modernos para a Europa.

Em um primeiro momento, contudo, os especialistas acreditam que não haverá mudanças profundas na idade de fósseis já datados. ;Esse registro não vai resultar em grandes revisões de datas, mas, em arqueologia pré-histórica, por exemplo, haverá pequenas mudanças na cronologia em escala de centenas de anos;, disse o especialista da Universidade de Oxford. Outro impacto importante deverá ocorrer nos estudos sobre a história do clima da Terra, o que ajudará, consequentemente, a prever mudanças climáticas. ;Com base nesses dados, estamos trabalhando para reconstruir a história do clima em uma abordagem completamente nova;, explicou Nakagawa. ;Eu, particularmente, estou estudando as mudanças do clima no passado por meio dos fósseis encontrados no Lago Suigetsu. Essa é uma questão que está em um artigo em fase de análise para publicação;, adiantou.